
O trabalho Opera10 de Estéfani Martins está licenciado com uma Licença
Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual CC BY-NC-SA.
Baseado no trabalho disponível em www.opera10.com.br e em outras referências.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em www.opera10.com.br.
Mateus enter(Intro)
Eu vim com a
nação zumbi
ao seu ouvido
falar
quero ver a
poesia subir
e muita
fumaça no ar
cheguei com
meu universo
e aterriso no
seu pensamento
trago as
luzes dos postes nos olhos
rios e pontes
no coração
Pernambuco em
baixo dos pés
e minha mente
na imensidão.
(Chico Science)
“... as práticas de linguagem a serem tomadas
no espaço da escola não se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas
aos padrões socioculturais hegemônicos.”
(Orientações Curriculares
para o Ensino Médio; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, MEC)
A linguagem é como
uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras em
vez de dedos, ou dedos na ponta das palavras." (Roland Barthes)
Toda língua é um sistema variável quanto ao tempo, ao espaço geográfico, às transformações sociais e culturais, à faixa etária dos usuários, à profissão, ao nível de escolaridade de um indivíduo ou de um grupo e à situação comunicativa em que é utilizada, por isso ela é usada de modo heterogêneo, mutante e dinâmico. Assim, pode-se dizer que existem diversas variantes acerca do uso da Língua Portuguesa na sociedade brasileira e que é preconceituoso o estabelecimento de qualquer forma de hierarquia para que as pessoas tenham sua capacidade intelectual, suas referências culturais e suas possibilidades julgadas por intermédio da variante da língua predominantemente usada por elas.
Cada variante linguística constitui uma forma da língua específica e com muitas regras próprias, ainda que essas diferenças não possam fazer com que os usuários dela não se entendam. Entretanto, descrever tais variações não é uma tarefa simples, visto que as fronteiras entre elas não são muitas vezes claras e objetivas e as dimensões da própria língua em que elas atuam são diversas, a saber: fonética, morfológica, fonológica, sintática, léxica e semântica. Enfim, tais variantes ou variações linguísticas são representadas pelas diversas e mutantes modalidades usadas por usuários de uma determinada língua natural em virtude do contexto de enunciação, dos interlocutores envolvidos e das competências e saberes linguísticos do locutor. Assim, esses processos são determinados por diferentes usos de elementos comunicacionais associados ao vocabulário, à sintaxe, à pronúncia, etc.; por fatores culturais como escolaridade, sexo, ocupação, idade, etc.; e por determinantes geográficos que interferem nos sotaques, nos falares regionais, nas variantes do português faladas nos países lusófonos, etc.
Essas nuances de quaisquer línguas são chamadas Variações ou Variantes Linguísticas, as quais estão diretamente relacionadas às condições sociais e ao contexto cultural, regional e histórico a que são aplicadas e, quase sempre, submetidas.
O referencial para se compreender as diferenças e as nuances dessas variações é a chamada norma padrão, que é regulada por princípios gramaticais rígidos e normativos, utilizada na maioria dos documentos legais, informativos e científicos e normalmente adquirida em processos sólidos de educação formal. Além disso, para muitos, a norma padrão da Língua Portuguesa pode ser chamada também de norma culta, entretanto esse não é um conceito adequado, porque mostra-se preconceituoso em relação àqueles que não tiveram a oportunidade de serem formados para dominá-la, o que os torna, portanto, usuários da “norma inculta” da língua.
Pode-se dizer ainda que norma padrão não é o emprego da língua de forma rebuscada, erudita, empolada ou mesmo arcaica, cuja compreensão estaria restrita apenas a um grupo seleto de pessoas com uma formação acadêmica e um repertório cultural incomum. Ao contrário, é a expressão de um indivíduo qualquer em Língua Portuguesa usual, de acordo com as Normas Gramaticais Brasileiras e em sintonia com os padrões estéticos e culturais responsáveis por fazer um dado discurso tornar-se objetivo, claro e coerente com o tempo histórico de enunciação dele.
As demais variedades, como a regional, a social, a profissional e a histórica, são, em linhas gerais, chamadas de norma popular. Diante disso, é fato que qualquer língua contém variações no uso que se faz dela, a esses fenômenos dá-se o nome de Variações Linguísticas. Tais possibilidades de utilização de uma língua podem ocorrer devido a condicionantes de ordem temporal (histórica), espacial (regional), social e estilística. A partir dessas considerações, pode-se perceber que, em possivelmente todas as sociedades, interagem e convivem variedades linguísticas distintas, as quais são empregadas por diferentes pessoas ou grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal, de forma consciente ou não, de acordo com a situação social em que o processo comunicativo está inserido, etc. É importante ressaltar que tais variantes de uma mesma língua são mais facilmente percebidas em formas orais de expressão, ainda que possam ser também vistas em escritas. Nesse contexto, é importante ressaltar que a língua padrão, assim como as populares, também é considerada um tipo de variação linguística.
Dessa forma, pode-se inferir que a língua não é una e imutável, por isso ela deve ser considerada um conjunto de dialetos ou variações. Um exemplo rico dessa afirmativa é o Brasil, com seus muitos falares regionais com alterações léxicas, prosódicas ou até sintáticas, além, evidentemente, das variações sociais, profissionais e contextuais típicas dos usuários de qualquer língua.
Dialeto
O dialeto é um conjunto de marcas linguísticas de caráter semântico-lexical, morfossintático e fonético-morfológico, típicas de uma determinada comunidade de fala (grupo, tribo, etc.) inserida numa comunidade maior de usuários da mesma língua, ainda que tais diferenças não impeçam a intercomunicação entre os grupos de falantes de, em última instância, um mesmo idioma. São exemplos a gíria, o jargão, etc.
Pode também ser visto como uma variedade linguística coexistente com outra, ainda que sejam consideradas formas de uma mesma língua, em função de não haver diferenças significativas entre elas a ponto de oferecerem dificuldades para que falantes de dialetos diferentes, neste sentido, possam ter dificuldades severas para se comunicar, são exemplos no português do Brasil: o dialeto caipira, o gaúcho, o nordestino, entre muitos outros.
Pode também ser visto como uma variedade linguística coexistente com outra, ainda que sejam consideradas formas de uma mesma língua, em função de não haver diferenças significativas entre elas a ponto de oferecerem dificuldades para que falantes de dialetos diferentes, neste sentido, possam ter dificuldades severas para se comunicar, são exemplos no português do Brasil: o dialeto caipira, o gaúcho, o nordestino, entre muitos outros.
Outro conceito sobre a questão do dialeto, ainda que muito menos usado atualmente, é o que o vê como uma modalidade circunscrita a um determinado espaço em que se fala uma língua sem versão escrita (povos ágrafos), o que a faz predominantemente oral; ou mesmo pode se referir a uma língua que, ainda que tenha uma expressão escrita, não é língua oficial de nenhum país, como o catalão, o basco, o galego, etc.
De outra perspectiva, pode ser visto ainda como uma variante regional de uma determinada língua em que, em função das muitas e severas diferenças entre falares de regiões distintas, há grande dificuldade de intercomunicação entre seus falantes, como é o caso do siciliano, do calabrês, etc., em relação ao idioma italiano.
Tipos
de variação linguística
1. Variações
históricas
A variação histórica é produto do processo histórico, assim recursos linguísticos muito usados no passado são gradativamente abandonados para dar lugar a novos recursos mais afinados com o tempo, a vida e as necessidades imediatas e presentes de seus usuários. Um exemplo ilustrativo desse processo é a presença massiva de estrangeirismos originários do francês ao longo do século XIX e do início do XX no Brasil, que foram tornando-se obsoletos ou pouco usados. Mais tarde, em função do resultado da Segunda Guerra Mundial e de questões de ordem política e econômica, o inglês ocupou esse lugar e ampliou a abrangência do uso desses recursos, já que mesmo pessoas humildes apropriaram-se de termos provenientes desse idioma graças a referências vindas dos meios de comunicação de massa ou até do jargão computacional e da internet.
Pode-se ainda perceber as muitas mudanças no uso de pronomes de tratamento, quase sempre no sentido de tornar as relações interpessoais menos formais e, muitas vezes, menos respeitosas, por exemplo, quando uma pessoa desconhecida é tratada com tamanha informalidade por alguém a ponto de soar grosseira e inconveniente a abordagem.
O ritmo comum a esse tipo de mudança é lento e gradativo. Isso é perceptível em situações em que uma expressão linguística típica de um grupo restrito de pessoas passa a ser adotada por um grupo maior até se popularizar, ou mesmo uma forma arcaica de uso da língua permanece ainda frequente no repertorio linguístico de idosos, enquanto gerações mais jovens usam outros meios mais contemporâneos para se comunicar, ainda que seja uma questão de tempo para aquela forma ser considerada um arcaísmo, enquanto esta é consagrada pela quantidade de usuários e pela entrada em dicionários ou no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp).
Sobre essa questão, Carlos Drummond de Andrade bem soube mostrar a variação histórica em vários momentos de sua obra, é um exemplo:
A variação histórica é produto do processo histórico, assim recursos linguísticos muito usados no passado são gradativamente abandonados para dar lugar a novos recursos mais afinados com o tempo, a vida e as necessidades imediatas e presentes de seus usuários. Um exemplo ilustrativo desse processo é a presença massiva de estrangeirismos originários do francês ao longo do século XIX e do início do XX no Brasil, que foram tornando-se obsoletos ou pouco usados. Mais tarde, em função do resultado da Segunda Guerra Mundial e de questões de ordem política e econômica, o inglês ocupou esse lugar e ampliou a abrangência do uso desses recursos, já que mesmo pessoas humildes apropriaram-se de termos provenientes desse idioma graças a referências vindas dos meios de comunicação de massa ou até do jargão computacional e da internet.
Pode-se ainda perceber as muitas mudanças no uso de pronomes de tratamento, quase sempre no sentido de tornar as relações interpessoais menos formais e, muitas vezes, menos respeitosas, por exemplo, quando uma pessoa desconhecida é tratada com tamanha informalidade por alguém a ponto de soar grosseira e inconveniente a abordagem.
O ritmo comum a esse tipo de mudança é lento e gradativo. Isso é perceptível em situações em que uma expressão linguística típica de um grupo restrito de pessoas passa a ser adotada por um grupo maior até se popularizar, ou mesmo uma forma arcaica de uso da língua permanece ainda frequente no repertorio linguístico de idosos, enquanto gerações mais jovens usam outros meios mais contemporâneos para se comunicar, ainda que seja uma questão de tempo para aquela forma ser considerada um arcaísmo, enquanto esta é consagrada pela quantidade de usuários e pela entrada em dicionários ou no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp).
Sobre essa questão, Carlos Drummond de Andrade bem soube mostrar a variação histórica em vários momentos de sua obra, é um exemplo:
1.1.
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."
1.2.
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."
1.2.

1.3.
Marinha, o teu folgar
tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
com as mãos tapo as orelhas,
os olhos e as sobrancelhas,
tapo-te ao primeiro sono;
com a minha piça o teu cono;
e como o não faz nenhum,
com os colhões te tapo o cu.
E não rebentas, Marinha? (Afonso Eanes de Coton)
2. Variações
geográficas ou regionais (diatópicas)
Trata das diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática percebidas entre falantes de uma língua radicados em disferentes regiões de um país. Essa variaçaõ linguística desenvolve-se em função da origem ou do tempo que um indivíduo passou em uma região a ponto de assimilar as nuances do falar característico de um determinado espaço. Com isso, ocorre a formação de comunidades linguísticas menores interiores a uma comunidade linguística maior, como é o caso do linguajar ou dialeto (ou ainda geoleto) gaúcho diante da comunidade de brasileiros falantes da Língua Portuguesa.
As variantes geográficas dão-se pelas diferentes pronúncias para uma mesma palavra (como é o caso do “r” retroflexo dos falantes do interior de São Paulo e do Triângulo Mineiro); pelos diferentes nomes para o mesmo objeto, fruto, ação, tipo físico, etc. (tangerina, vergamota, mexerica, mandarina, mimosa, etc.); ou mesmo pelas diferentes formas de estruturar a oração (no Maranhão e no Rio Grande do Sul, uma pessoa diria: “Tu estás nervoso?”, enquanto na maioria dos outros estados, seria mais comum ouvir: “Você está nervoso”?).
Essas variantes linguísticas geográficas são, em grande parte, determinadas por diferenças étnicas, colonizatórias, culturais, geográficas e naturais entre as regiões, o que confere aos falantes de diversas regiões de um país modos diferentes de usar a língua materna, ainda que sejam mantidas as condições para eles se entenderem. As diferenças linguísticas regionais são graduais, o que as faz nem sempre respeitar fronteiras espaciais, como é o caso da região norte de Minas Gerais, a qual tem um modo de falar muito mais assemelhado ao linguajar nordestino do que a variantes típicas do Sudeste.
João Guimarães Rosa, em sua vasta e fundamental obra, ilustra de forma irretocável as muitas possibilidades de expressão condicionadas à variação linguística geográfica como nos muitos nomes dados ao diabo no sertão brasileiro presentes na obra "Grande sertão: veredas".
Trata das diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática percebidas entre falantes de uma língua radicados em disferentes regiões de um país. Essa variaçaõ linguística desenvolve-se em função da origem ou do tempo que um indivíduo passou em uma região a ponto de assimilar as nuances do falar característico de um determinado espaço. Com isso, ocorre a formação de comunidades linguísticas menores interiores a uma comunidade linguística maior, como é o caso do linguajar ou dialeto (ou ainda geoleto) gaúcho diante da comunidade de brasileiros falantes da Língua Portuguesa.
As variantes geográficas dão-se pelas diferentes pronúncias para uma mesma palavra (como é o caso do “r” retroflexo dos falantes do interior de São Paulo e do Triângulo Mineiro); pelos diferentes nomes para o mesmo objeto, fruto, ação, tipo físico, etc. (tangerina, vergamota, mexerica, mandarina, mimosa, etc.); ou mesmo pelas diferentes formas de estruturar a oração (no Maranhão e no Rio Grande do Sul, uma pessoa diria: “Tu estás nervoso?”, enquanto na maioria dos outros estados, seria mais comum ouvir: “Você está nervoso”?).
Essas variantes linguísticas geográficas são, em grande parte, determinadas por diferenças étnicas, colonizatórias, culturais, geográficas e naturais entre as regiões, o que confere aos falantes de diversas regiões de um país modos diferentes de usar a língua materna, ainda que sejam mantidas as condições para eles se entenderem. As diferenças linguísticas regionais são graduais, o que as faz nem sempre respeitar fronteiras espaciais, como é o caso da região norte de Minas Gerais, a qual tem um modo de falar muito mais assemelhado ao linguajar nordestino do que a variantes típicas do Sudeste.
João Guimarães Rosa, em sua vasta e fundamental obra, ilustra de forma irretocável as muitas possibilidades de expressão condicionadas à variação linguística geográfica como nos muitos nomes dados ao diabo no sertão brasileiro presentes na obra "Grande sertão: veredas".
2.1.
“Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto,
Satanazim, Diabo, Cujo, Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O
Indivíduo, O Galhardo, O pé-de-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O
Temba, O Azarape, O Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O
Rapaz, O Tristonho, O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-se-ri, O sem gracejos, Pai
do Mal, Terdeiro, Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo.”
2.2.

2.3.

3. Variações sociais ou socioculturais (diastráticas)
A variação social é determinada por muitos condicionantes, tais como os sociais, os profissionais, os etários, os educacionais, os de gênero, etc. Em função disso, entende-se que uma mesma pessoa usa diversas variações ou dialetos sociais (socioletos) ao longo da vida, em contextos de enunciação diferentes, em função disso agrupa-se ou é agrupado consciente ou inconscientemente em função da forma como interage com o outro por meio da língua. Nessa variação, a norma padrão é o referencial mais importante, já que ele se torna visivelmente uma baliza para se reconhecer e classificar as outras. Por isso, a variação social pode comprometer, por exemplo, o entendimento de um idoso sobre as gírias usadas por um jovem, ainda que no passado aquele também possa ter usado do mesmo expediente para integrar-se em um determinado grupo social. São exemplos disso o entendimento provavelmente precário de um indivíduo leigo em economia sobre o texto de um economista num jornal especializado em bolsa de valores ou mesmo a decodificação parcial de um contrato de aluguel por uma pessoa sem conhecimento jurídico são outros exemplos de dificuldades de comunicação geradas pelo desconhecimento de algum desses socioletos. Em linhas gerais, pode-se entender que o conhecimento e o domínio de socioletos diferentes pode ser uma vantagem quanto à inclusão social de um falante de quaisquer línguas.
É importante salientar ainda que as gírias são um processo de reconhecimento social entre os jovens e de exclusão, ao mesmo tempo, dos mais velhos. Já os jargões, do Direito, da Economia, da Medicina, etc., são tanto uma forma de mediar certa relação de hierarquia e de dependência em favor de muitos advogados, médicos, etc., em relação aos seus clientes quanto uma necessidade linguística de mostrar de forma objetiva e precisa as especificidades de cada um desses saberes ou ciências.
Exemplo da variação social e também do preconceito produzido a partir de características linguísticas de um indivíduo ou grupo é a obra do mestre Patativa do Assaré, que, por causa das muitas características que aproximam sua poética da oralidade, ainda é alvo de julgamentos depreciativos por parte de determinados indivíduos em função da sua origem e do uso que ele faz da língua. Eis um exemplo de um poema do mestre Patativa do Assaré:
3.1.
O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante canto
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)
3.2.
3.3.

3.4.

3.5.

3.6.
Mágico de Oz
(Racionais MCs)
Aquele moleque, que sobrevive como manda o dia a dia
Tá na correria, como vive a maioria
Preto desde nascença, escuro de sol
Eu tô pra vê ali igual, no futebol
Sair um dia das ruas é a meta final
Viver decente, sem ter na mente o mal
Tem o instinto que a liberdade deu
Tem a malicia, que cada esquina deu
Conhece puta, traficante e ladrão
Toda raça, uma par de alucinado e nunca embaçou
Confia neles mais do que na polícia
Quem confia em polícia? Eu não sou louco
A noite chega e o frio também
Sem demora, ai a pedra
O consumo aumenta a cada hora
Pra aquecer ou pra esquecer
Viciar, deve ser pra se adormecer
Pra sonha, viajar, na paranoia, na escuridão
Um poço fundo de lama, mais um irmão
Não quer crescer, ser fugitivo do passado
Envergonhar-se se aos 25 ter chegado
Queria que Deus ouvisse a minha voz
E transformasse aqui num Mundo Mágico de Oz
Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Um dia ele viu a malandragem com o bolso cheio
Pagando a rodada, risada e vagabunda no meio
A impressão que dá, é que ninguém pode parar
Um carro importado, som no talo
Homem na Estrada, eles gostam
Só bagaceira só, o dia inteiro só
Como ganha o dinheiro?
Vendendo pedra e pó
Rolex, ouro no pescoço à custa de alguém
Uma gostosa do lado, pagando pau pra quem?
A polícia passou e fez o seu papel
Dinheiro na mão, corrupção a luz do céu
Que vida agitada, hein? Gente pobre tem
Periferia tem. Você conhece alguém?
Moleque novo que não passa dos 12
Já viu, viveu, mais que muito homem de hoje
Vira a esquina e para em frente a uma vitrine
Se vê, se imagina na vida do crime
Dizem que quem quer segue o caminho certo
Ele se espelha em quem tá mais perto
Pelo reflexo do vidro ele vê
Seu sonho no chão se retorcer
Ninguém liga pro moleque tendo um ataque
"Foda-se, quem morrer dessa porra de crack."
Relacione os fatos com seu sonho
Poderia ser eu no seu lugar
Das duas uma, eu não quero desandar
Por aqueles manos que trouxeram essa porra pra cá
Matando os outros, em troca de dinheiro e fama
Grana suja, como vem, vai, não me engana
Queria que Deus ouvisse a minha voz
E transformasse aqui num Mundo Mágico de Oz
Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Ei mano, será que ele terá uma chance?
Quem vive nessa porra, merece uma revanche
É um dom que você tem de viver
É um dom que você recebe pra sobreviver
História chata, mas cê tá ligado
Que é bom lembrar: quem entra, é um em cem pra voltar
Quer dinheiro pra vender? Tem um monte aí
Tem dinheiro, quer usar? Tem um monte aí
Tudo dentro de casa vira fumaça, é foda
Será que Deus deve estar aprovando minha raça?
Só desgraça gira em torno daqui
Falei do JB ao Piqueri, Mazzei
Rezei para o moleque que pediu
"Qualquer trocado, qualquer moeda
Me ajuda tio..."
Pra mim não faz falta, uma moeda não neguei
Não quero saber, o que que pega se eu errei
Independente, a minha parte eu fiz
Tirei um sorriso ingênuo, fiquei um terço feliz
Se diz que moleque de rua rouba
O governo, a polícia, no Brasil quem não rouba?
Ele só não tem diploma pra roubar
Ele não esconde atrás de uma farda suja
É tudo uma questão de reflexão irmão
É uma questão de pensar
A polícia sempre dá o mau exemplo
Lava a minha rua de sangue, leva o ódio pra dentro
Pra dentro de cada canto da cidade
Pra cima dos quatro extremos da simplicidade
A minha liberdade foi roubada
Minha dignidade violentada
Que nada dos manos se ligar
Parar de se matar
Amaldiçoar, levar pra longe daqui essa porra
Não quero que um filho meu um dia Deus me livre morra
Ou um parente meu acabe com um tiro na boca
É preciso eu morrer pra Deus ouvir minha voz
Ou transformar aqui no Mundo Mágico de Oz?
Queria que Deus ouvisse a minha voz (que Deus ouvisse a minha voz)
Num Mundo Mágico de Oz (um Mundo Mágico de Oz) (2x)
Jardim Filhos da Terra e tal
Jardim Hebron, Jaçanã e Jova Rural
Piqueri, Mazzei, Nova Galvão
Jardim Corisco, Fontális e então
Campo Limpo, Guarulhos, Jardim Peri
JB, Edu Chaves e Tucuruvi
Alô Doze, Mimosa, São Rafael
Zaki Narchi, tem um lugar no céu
Às vezes eu fico pensando
Se Deus existe mesmo, morô?
Porque meu povo já sofreu demais
E continua sofrendo até hoje
Só que ai eu vejo os moleque nos farol, na rua
Muito louco de cola, de pedra
E eu penso que poderia ser um filho meu, morô?
Mas aí, eu tenho fé
Eu tenho fé... em Deus.
4. Variações contextuais ou situacionais (diafásicas)
Esse tipo de variação está associado às adaptações que um usuário de um idioma impõe sobre o seu próprio discurso para se adaptar a diferentes contextos de enunciação ou situações comunicativas, de modo a ser mais ou menos formal, mais ou menos cuidadoso com o que os interlocutores possam entender a partir daquilo que foi escrito ou dito, etc.
Enfim, ocorre quando a situação comunicativa determina uma modulação na linguagem do locutor para que ele possa se adaptar ao contexto comunicativo em que está inserido.
Enfim, ocorre quando a situação comunicativa determina uma modulação na linguagem do locutor para que ele possa se adaptar ao contexto comunicativo em que está inserido.
5. Considerações finais
Sobre a questão das variações linguísticas, pode-se ainda discutir a existência de uma no campo do estilo individual submetido a distintas situações comunicativas, determinadas pela percepção por parte do locutor do ambiente onde ocorre a enunciação (familiar, profissional, formal, informal, etc.), do grau de intimidade com o interlocutor, do tipo de informação, de quem são os interlocutores, de qual a intenção comunicativa, etc. Pode-se afirmar ainda que esse tipo de variação realiza-se mais na fala, porque essas condições de enunciação são mais fácil e frequentemente percebidas nela.
Outra consideração importante diz respeito às relações dinâmicas entre as variações linguísticas: quando uma variante histórica pode ser vista como sociocultural, em virtude do prestígio social que variantes atuais e presentes nos meios de comunicação de massa têm em relação a variantes vistas como antigas ou anacrônicas. Esse fato pode entrecruzar-se com a existência no meio rural - menos influenciado pela sociedade da informação e do entretenimento - de tais variantes antigas. Soma-se a isso o processo histórico do êxodo rural, que tornou também sociocultural uma variante geográfica, já que, nas grandes cidades, aquela variante é vista como de menor prestígio.
Os meios de comunicação de massa foram muito responsáveis pela construção de diversos tipos de preconceitos relativos às variações linguísticas no Brasil, porque impuseram ao público, especialmente no caso da televisão, um falar neutralizado de sotaque, próximo à norma padrão e a determinadas características presentes nos falantes da Língua Portuguesa nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
A negação de uma tradição cultural e linguística em relação a outras variantes é o resultado de todo esse processo de afirmação exagerada da norma padrão e de determinadas variações regionais. Esse processo intensifica-se quando são rejeitadas algumas tradições linguísticas, porque são consideradas deficiências intelectuais do usuário delas, o que não pode ocorrer sob diversos pontos de vista éticos, políticos, antropológicos, etc. Preconceitos linguísticos não são aceitáveis porque a linguagem deveria ser veículo de interação com o outro e de transformações nos indivíduos que os faria ver o óbvio: no falar de um caipira de um confim do Brasil pode haver conhecimento aplicado à agricultura, ou mesmo ao clima, similar em qualidade de análise e de observação ao de um cientista, muitas vezes. Portanto, a forma como uma pessoa fala ou escreve não pode ser usada como meio de estabelecer limites para as suas possibilidades, mas como ponto de partida delas.
Outra questão a considerar é a de que nessas inter-relações entre as variações, especialmente entre aquelas medidas pela competição e pelo preconceito, são estabelecidas relações de poder, quase sempre ditadas pelo domínio da norma padrão e pelo acesso à educação formal, as quais possibilitam aos indivíduos que as dominam moldar seu discurso às mais variadas situações de enunciação, das mais informais e corriqueiras às mais formais e eruditas. Isso é poder: comunicar-se de forma adequada aos seus interlocutores, à situação em que eles se inscrevem, ao assunto em questão, mas, especialmente, à intenção comunicativa. Tais habilidades permitem a quaisquer pessoas ampla vantagem sobre os outros que não conseguem moldar seus discursos em função da demanda imediata, porque, pela linguagem e pelo conhecimento, relações de poder em todos os níveis são estabelecidas, consolidadas e determinantes dos limites da atuação social, cultural, econômica e política de cada indivíduo.