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“Nem tudo que escrevo resulta numa
realização;
Resulta mais numa tentativa,
O que também é um prazer.
Pois nem tudo eu quero pegar.
Às vezes, eu quero apenas tocar.
Depois, o que toco às vezes floresce,
E os outros podem pegar com as duas
mãos.”
(Clarice Lispector)
“Todo texto quer que alguém o ajude a
funcionar.”
(Umberto Eco)
“O texto é um produto cujo destino
interpretativo deve fazer parte do próprio mecanismo gerativo.”
(Umberto Eco)
“Qualquer objeto de produção cultural
ou prática social passível de interpretação e reinterpretação simbólica pode
ser considerado um texto.”
(Roland Barthes)
A linguagem é qualquer forma sistemática e convencionada de comunicar estados, ideias ou sentimentos por meios sonoros, gráficos, gestuais, táteis, etc. Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no material da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, produzido pelo Ministério da Educação (MEC), “...a linguagem é uma capacidade humana de simbolizar e de interagir e, por essa via, condição para que se construam as realidades, não se pode dizer que entre os signos que constituem os diferentes sistemas semióticos e o mundo haja de fato uma relação direta. Assume-se, portanto, o pressuposto de que as relações entre mundo e linguagem são convencionais, nascem das demandas das sociedades e de seus grupos sociais, e das transformações pelas quais passam em razão de novos usos, que emergem de novas demandas.” Ou ainda segundo Louis Trolle Hjelmslev:
“A linguagem é uma inesgotável riqueza de
múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os
seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu
pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos,
o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e
mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e
indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta
contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na
meditação do pensador.”
A língua, que é um tipo refinadíssimo de linguagem, é um produto das interações sociais, por isso suas regras são convencionadas entre os membros de uma determinada sociedade. Isso ocorre para que tais normas sejam acatadas por todos os indivíduos de uma comunidade com o intuito de que eles possam entender-se, para tanto fazer esse grupo progredir cultural e tecnologicamente quanto interagir das mais variadas e produtivas formas, ou até para que construam preconceitos e pré-julgamentos em função da forma como um indivíduo usa a língua na sua modalidade oral ou escrita.
Essa faculdade humana pode ser entendida também como forma de reconhecimento entre pessoas originárias de uma determinada região, o que contribui para o estabelecimento de identidades nacionais. Isso reafirma o caráter em princípio social da língua, ainda que questões de ordem cultural, política e econômica interajam ativamente para o estabelecimento, a mudança ou o prestígio de uma determinada tradição linguística inscrita em um espaço específico em determinado tempo numa dada sociedade.
É importante ressaltar que, a despeito da existência de um sistema de comunicação de regras socializadas e aceitas por dada comunidade, há a presença de um estilo individual submetido às escolhas linguísticas de um determinado indivíduo no que tange aos aspectos léxicos, sintáticos, semânticos, fonéticos, etc., de uma língua, sem, contudo, na maioria das vezes, inviabilizar a comunicação dele com falantes do seu próprio idioma. A língua realiza-se por meio de textos falados e escritos, os quais são chamados de textos verbais.
O texto verbal, nas suas múltiplas formas faladas ou escritas, é uma unidade de sentido em que se ambiciona comunicar uma informação, um sentimento, uma ideia, etc., com qualquer extensão e algum intuito, ou seja, é uma unidade linguística comunicativa básica. Segundo Beaugrande e Dressler, “um documento de procedimentos de decisão, seleção e combinação”. Além disso, a noção de discurso prevê uma série de questões associadas à enunciação de um texto, tais como entonação; as relações sociais, psicológicas e estéticas entre os interlocutores; a origem dos interlocutores; a situação de enunciação; etc., que podem interferir na concepção, recepção ou transmissão de um dado texto.
De outro modo, texto é são criações atribuídas ao invento, à repetição e à intertextualidade de forma combinada ou independente que podem variar de um simples “alô!” em uma conversa telefônica até um ensaio longo e denso sobre a obra de um escritor. Além disso, pode-se afirmar que o texto é produto de três princípios básicos que são: informatividade, que concerne aos conteúdos e informações comunicadas; codificação, que se refere aos aspectos tipológicos e linguísticos de sua construção; e adequação, que se mede pela eficácia e relevância das intenções do locutor em relação ao interlocutor em certa situação comunicativa e de enunciação de um discurso.
Seguem algumas
definições importantes para se conceituar não só o que é um texto, mas algumas
de suas variações.
Texto 1.1.
“Porque constituem uma unidade de linguagem
dotada de sentido e porque cumprem um propósito comunicativo direcionado a um
certo público, numa situação específica de uso, dentro de uma determinada
época, em uma da cultura em que se situam os participantes desta enunciação.” (Mônica
Cavalcante)
Texto 1.2.
“Um evento comunicativo em que se convergem
ações linguísticas, culturais, sociais e cognitivas.” (Beaugrande)
2. Texto verbal e não-verbal
“Note que a leitura não-verbal é uma
maneira peculiar de ler: visão / leitura, espécie de olhar tátil,
multissensível (...) Não se ensina como ler o não-verbal: exige uma leitura, se
não desorganizada, pelo menos sem ordem estabelecida, convencional ou sistematizada.”
(Lucrécia D’Aléssio)
“As línguas constituem sistemas de
comunicação verbal. Conquanto a fala seja da maior importância, fator
fundamental de humanidade do homem, a nossa capacidade de comunicar conteúdos
expressivos não se restringe às palavras; nem são elas o único modo de
comunicação simbólica. Existem, na faixa de mediação significativa entre nosso
mundo interno e o externo, outras linguagens além das verbais.”
(Fayga Ostrowe. Criatividade e processos de criação.)
Todo texto é uma forma de enunciar uma informação com uma determinada intencionalidade comunicativa capaz de ser manifestada com ou sem o auxílio das palavras. Em função dessas características, podemos estabelecer a existência de dois tipos de texto: o verbal e o não-verbal.
O verbal utiliza como código a língua na forma oral ou escrita; já o não-verbal faz uso de outros códigos, diferentes da palavra, tais como a cor, a forma, o movimento, o gesto, o cheiro, etc. Como exemplos concretos de textos não-verbais podem ser citadas as artes pictóricas, a pantomima, a cenografia, a música, etc. O texto verbal também é farto de exemplos como as conversas do cotidiano, os romances, os livros didáticos, os poemas, os bilhetes, etc.
Exemplos:
Texto 2.1.
Texto verbal
O trágico dilema
Quando alguém pergunta a um autor o que este
quis dizer, é porque um dos dois é burro. (Mario Quintana em “Caderno H”)
Texto 2.2.
Texto verbal
“O mundo, no qual nascemos, sofre de século e meio de renúncia e de violência - da renúncia dos superiores e da violência dos inferiores, que é a sua vitória.
Nenhuma qualidade superior pode afirmar-se modernamente, tanto na acção, como no pensamento, na esfera política, como na espéculativa.
A ruína da influência aristocrática criou uma atmosfera de brutalidade e de indiferença pelas artes, onde uma sensibilidade fina não tem refúgio. Dói mais, cada vez mais, o contacto da alma com a vida. O esforço é cada vez mais doloroso, porque são cada vez mais odiosas as condições exteriores do esforço.
A ruína dos ideais clássicos fez de todos artistas possíveis, e portanto maus artistas. Quando o critério da arte era a construção sólida, a observância cuidada de regras - poucos podiam tentar ser artistas, e grande parte desses são muito bons. Mas quando a arte passou de ser tida como criação, para passar a ser tida como expressão de sentimentos, cada qual podia ser artista, porque todos têm sentimentos.” (O livro do desassossego, composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, fragmento 249, Fernando Pessoa)
Texto 2.3.
Texto verbal
"-Você sabe o que eu quero ser? -
perguntei a ela. Sabe o que é que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da
escolha?" Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos
brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo... E eu fico na
beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho de fazer? Tenho que
agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar
a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e
agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser o apanhador no campo de centeio." (J. D. Salinger. "O apanhador no campo de centeio")
Texto 2.4.
Texto não-verbal
Munch, Edvard (1863-1944) pintor norueguês pós-impressionista - 1895 - óleo sobre tela - O assassino.
Texto 2.5.
Texto não-verbal
Pollock, Jackson (1912-1956) pintor norte-americano expressionista abstrato - 1947 - Lucifer.
Além disso, temos as expressões linguísticas que combinam ambas as linguagens. Eis alguns exemplos que unem essas duas formas de comunicação:
Texto 2.6.
Texto não-verbal
A
Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi desenvolvida a partir da língua de
sinais francesa. As línguas de sinais não são universais, cada país possui a
sua.
Texto 2.7.
Texto verbal e não-verbal
Basquiat, Jean-Michel (1960-1988) pintor norte-americano (Grafite-Neo-Expressionismo) - 1981 - Monalisa.
Texto 2.8.
Texto verbal e não-verbal
Texto 2.9.
Texto verbal e não-verbal
Nicanor Parra
3. Texto em prosa e em
verso
"A poética é a atividade
lingüística que tem um objetivo de arte e procura criar com a linguagem um
estado psíquico de emoção estética por meio da aplicação sistemática de
processos de estilística. (...) A expressão lingüística tende a organizar-se em
frases ritmadas, na base da entonação, do número de sílabas, da distribuição
mais ou menos regular das sílabas acentuadas, constituindo-se séries de versos;
mas a poesia, ou atividade poética em sentido lato, se faz também em prosa,
isto é, sem essa organização rítmica das frases."
(Mattoso Câmara Júnior)
“Narrativa ou discurso, história ou
demonstração, a prosa é um desfile, uma
verdadeira teoria de idéias ou fatos. A
figura geométrica que simboliza a prosa é
a linha: reta, sinuosa, espiralada,
ziguezagueante, mas sempre para diante e com
uma meta precisa. Daí que os arquétipos
da prosa sejam o discurso e a narrativa,
a especulação e a história. O poema,
pelo contrário, apresenta-se como um
círculo ou uma esfera – algo que se
fecha sobre si mesmo, universo auto-suficiente
no qual o fim é também um princípio que
volta, se repete e se recria.”
(Octavio Paz, “O arco e a lira”)
São muitas as possibilidades de abordagem dos conceitos de prosa e verso. Quanto às características editoriais e estruturais, pode-se dizer que a prosa é comumente organizada em parágrafos de extensão variada, que ocupam uma mancha tipográfica de forma comumente horizontal. Já o verso é cada uma das linhas do poema, por isso é considerado uma unidade rítmica de um texto poético, são dispostos geralmente em estrofes, que podem assumir as mais variadas formas e tamanhos. O verso é musical por excelência, já que altera e artificializa o ritmo natural da fala.
A prosa, ainda, pode ser entendida como imitação do ritmo natural da fala, ou seja, o texto em que a musicalidade não é comum, até porque, quando ela ocorre, vê-se isso como um equívoco ou deslize do produtor. O texto em prosa é contínuo e não fragmentado, tende a ter mais períodos na ordem direta e é organizado em parágrafos. Já o verso pode ser visto como a criação de um ritmo estranho à fala, porque é musical e, por vezes, metrificado, em função dos recursos rímicos necessários para uma obra ser considerado poesia ou poema. Normalmente, é organizado em estrofes. São exemplos de texto em verso o cordel, o poema, o “jingle”, a letra de música, etc. Quanto à prosa, os exemplos são os romances, o discurso jornalístico, o discurso didático, o texto científico, etc.
Texto 3.1.
Texto em prosa
"Como a fotografia é capaz de reproduzir
a realidade com mais precisão do que nunca para mostrar a verdade, esse novo
meio é inimigo mortal da arte, e, na medida em que o desenvolvimento da
fotografia é produto do processo tecnológico, poesia e progresso são como dois
homens ambiciosos que se odeiam. Quando seus caminhos se cruzam, um deles deve
dar passagem ao outro." (Marshall Berman)
Texto 3.2.
Texto em prosa
“Na cultura, as consequências da revolução
digital foram imediatas. O modelo de negócios da ‘indústria cultural’, que
funciona na base do broadcast, poucos-para-muitos, ainda não conseguiu se
adaptar ao mundo das redes, muitos-para-muitos. Por exemplo, o mundo das
gravadoras de discos, que comandava o mercado mundial de música popular,
praticamente desmoronou. Milhares de pequenos estúdios surgiram em todas as periferias.
Seus produtos são distribuídos via internet e fazem sucesso sem precisar de
rádio, imprensa, TV.” (Hermano Vianna)
Texto 3.3.
Texto em verso
Cântico negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns
com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por
aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia
inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos
avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e
sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite
escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos
lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí! (José Régio)
Texto 3.4.
Texto em verso
O uivo
Eu vi os expoentes da minha geração,
destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de
madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer
coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo
antigo
contato celestial com o dínamo estrelado da
maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas,
viajaram
fumando sentados na sobrenatural escuridão
dos
miseráveis apartamentos sem água quente,
flutuando
sobre os tetos das cidades contemplando o
jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o
Elevado
e viram anjos maometanos cambaleando
iluminados
nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos
frios e
radiantes alucinando Arkansas e tragédias à
luz
de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por
serem loucos
& publicarem odes obscenas nas janelas do
crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes
pintura
descascada em roupa de baixo queimando seu
dinheiro em cestos de papel escutando o
Terror
através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas
voltando
por Laredo com um cinturão de marihuana para
Nova Iorque,
Que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
Beberam terebentina em Paradise Alley,
morreram ou
Flagelaram seus torsos noite após noite com
Som sonhos, com drogas, com pesadelos na
vigília,
Álcool e caralhos em intermináveis orgias,
Incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem
trêmula,
E clarão na mente pulando nos postes dos
pólos de
Canadá & Paterson, iluminando
completamente o
Mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peite dos corredores, aurora de
fundo de
quintal das verdes árvores do cemitério,
porre de vinho
nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio
na luz cintilante de neon do tráfego na
corrida de cabeça feita do pazer, vibrações
de
sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de
inverno de Brooklyn, declamações entre latas
de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para
o
infindável percurso do Battery ao sagrado
Bronx
de benzedrina até que o barulho das rodas e
crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a
boca
arrebentada o despovoado deserto do cérebro
esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz
do
Zoológico, que afundaram a noite toda na luz
submarina
de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a
tarde
de cerveja choca no desolado Fuggazi´s
escutando
o matraquear da catástrofe na vitrola
automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao
Museu à Ponte do Brooklyn, (...) (Allen
Ginsberg, tradução de Cláudio Willer)
Texto 3.5.
Texto 3.7.
Poesia em prosa
Texto 3.5.
Prosa poética
"Any where out the world (Em qualquer lugar fora do mundo)
Esta vida é um hospital onde cada doente está possuído pelo desejo de mudar de leito.Este gostaria de sofrer em frente a um aparelho de calefação, aquele outro crê que se curaria em frente à uma janela.
Parece-me que estarei sempre bem lá onde não estou, e essa questão de mudança é um assunto que discuto sem cessar com minha alma.
“Diga-me, minha alma, pobre alma resfriada, que pensarias de morar em Lisboa? Lá deve fazer calor e tu te regozijarias como um lagarto. Essa cidade fica à beira-mar, diz-se que foi construída com mármore e que o povo tem um tal ódio por vegetais que arranca todas as árvores. Eis uma paisagem segundo teu gosto; uma paisagem com a luz e o mineral, e o líquido para refleti-los!”
Minha alma não responde.
“Posto que amas tanto o repouso com o espetáculo do movimento, queres vir habitar na Holanda, essa terra beatificante? Talvez se divertirás nesse lugar cujas imagens freqüentemente admiraste nos museus. Que pensarias tu de Rotterdam, tu que amas as florestas de mastros e de navios amarrados ao pé das casas?”
Minha alma permanece muda.
“Batávia sorriria, talvez mais para ti. Nós encontraríamos lá, então, o espírito da Europa casado com a beleza tropical.”
Nenhuma palavra. Estaria morta a minha alma?
“Chegaste a este ponto de entorpecimento que não te alegras senão com teu próprio malSe é assim, fujamos, então, para os países que são as analogias da morte. Já sei o que devemos fazer, pobre alma! Nós faremos nossas malas para Tornéo. Iremos mais longe ainda, ao extremo fim do Báltico, ainda mais longe da vida, se é possível; nos instalaremos no pólo. Lá o sol não roça senão obliquamente a terra, e as lentes alternativas da luz e da noite suprimem a variedade e aumentam a monotonia, essa metade do nada. Lá nós poderemos tomar longos banhos de trevas, enquanto que para nos divertir as auroras boreais nos enviarão, de vez em quando, seus fachos róseos, como reflexos de fogos de artifício do inferno!”
Enfim minha alma explodiu e sabiamente gritou para mim:
“Não importa onde! Não importa onde! desde que seja fora desse mundo!” (Charles Baudelaire)
Texto 3.6.
Prosa poética
"A sopa e as nuvens
Minha pequena louca bem-amada servia-me o jantar enquanto eu, pela janela aberta da sala, contemplava as arquiteturas moventes que Deus faz com os vapores, as maravilhosas construções do impalpável. E eu me dizia através da contemplação:
“Todas estas fantasmagorias são quase tão belas quanto os olhos da minha bela bem-amada, a louquinha monstruosa de olhos verdes.”
Subitamente senti um violento soco nas costas e ouvi uma voz rouca e charmosa, uma voz histérica, como que enrouquecida pela aguardente, a voz de minha bem-amada que dizia:
“Vamos logo, tome sua sopa, seu bobalhão, negociante de nuvens.” (Charles Baudelaire)
Poesia em prosa
O que mais dói
O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau. (Patativa do Assaré)
O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau. (Patativa do Assaré)
4. Texto denotativo e conotativo
“É com bons
sentimentos que se faz literatura ruim.”
(André
Gide)
Todo texto baseado em linguagem denotativa é caracterizado pelo uso de palavras tal como elas estão previstas no dicionário na sua acepção mais usada e previsível socialmente, de forma objetiva e desprovida de emoção, para que o texto tenha univocidade de sentido e seja, sobretudo, informativo.
Já os textos conotativos são baseados numa linguagem caracterizada pelo uso de palavras subjetivas e plurais quanto ao sentido delas, por isso entende-se que elas foram submetidas a um estilo individual de produção, que possibilita também a individualização da compreensão desse discurso. Isso gera a plurissignificação do texto. Logo, ultrapassa-se a intenção informativa de um texto por causa da amplificação e da pluralização dos sentidos e das interpretações desenvolvidas pelo interlocutor sobre o que lê, ouve ou vê, com o objetivo de que o texto possa ser compreendido também sob uma perspectiva estética.
Dessa forma, é predominantemente denotativa a maioria dos textos científicos, jornalísticos, didáticos e informativos; enquanto são conotativos os textos literários, muitas propagandas, alguns tipos de cartas e as enunciações em que o uso de figuras de linguagens é amplo. Para melhor diferenciar esses dois tipos de linguagens, leia com atenção os exemplos a seguir:
Exemplos:
Texto
denotativo
“A
linguagem é todo sistema capaz de servir à comunicação entre os indivíduos.
Torna possível o desenvolvimento e a transmissão de culturas, bem como o
funcionamento eficiente e o controle de grupos sociais. A linguagem é um fato
exclusivamente humano, um método de comunicação racional de idéias, emoções e
desejos por meio de símbolos produzidos de maneira deliberada.” (Dicionário de Comunicação. SP. Ática, 1987, p.367)
Texto 4.2.
Texto denotativo
“A Propaganda pode ser definida como
divulgação intencional e constante de mensagens destinadas a um determinado
auditório visando criar uma imagem positiva ou negativa de determinados
fenômenos. A Propaganda está muitas vezes ligada à idéia de manipulação de
grandes massas por parte de pequenos grupos. Alguns princípios da Propaganda
são: o princípio da simplificação, da saturação, da deformação e da
parcialidade.” (Adaptado de Norberto Bobbio em “Dicionário de Política”)
Texto 4.3.
“A
linguagem, portanto, é a terceira margem do rio, confluência do sonho e da
realidade, núpcias da pulsão e do Logos, que, no transporte da paixão, engendra
o verbo. Há quem pense que, com a dominância do princípio da realidade, o sonho
se acabe. Em verdade, não acaba nunca. O sonho é centelha que salta do desejo e
é através dela que vou acender as fogueiras através das quais o rosto do mundo
se ilumina. O sonho, levado aos ombros da realidade, que o simboliza, é o
projeto profundo do homem e a teologia da história. O sonho vivido, enraizado
no real, que o suporta, vai ser a matriz da utopia, o eixo das grandes
transformações, que fazem a grandeza do processo civilizatório.” (Hélio
Pellegrino. Édipo e Paixão. In: Os Sentidos da Paixão.)
Texto 4.4.
Texto conotativo
Epílogo
Não, o melhor é não falares, não explicares
coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada agüenta mais nada. E sabe Deus o
que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas!
Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras
vezes senta uma mosca e desaba uma cidade. (Mario Quintana)
5. Texto literário
(ficcional) e não literário (não ficcional)
“A poesia não se entrega a quem a
define.”
(Mario Quintana)
A língua, entendida como matéria para a arte e para a elaboração estética, tem como realização o texto literário, que é uma forma linguística espontânea encontrada das sociedades mais primitivas até as mais avançadas. Ainda que haja uma hierarquia entre elas quanto ao desenvolvimento tecnológico, a produção artística delas não deve ser hierarquizada, justamente porque tal produção, por ser fundamentada na conotação e na subjetividade, também é de forma subjetiva recebida por diferentes indivíduos de modos igualmente diversos. Por outro lado, o uso da língua centrado na informação e na denotação serve a um propósito claro e objetivo, o de garantir a transmissão de conhecimento entre pessoas, povos e gerações. Daí sua especificidade de servir à ciência, ao jornalismo e à produção e à transmissão de conhecimento.
O texto literário, em prosa ou em verso, é geralmente construído sem o estabelecimento de compromisso com o que é visto como expressão da realidade pela maioria das pessoas, além disso, por causa da presença constante de recursos linguísticos subjetivos ou conotativos, permite-se a possibilidade de que ele seja plurissignificativo. Isso ocorre também em virtude da invenção e da criatividade, que são premissas fundamentais para a construção de textos literários, os quais permitem ao autor deles recriar a realidade a partir de seu ponto de vista, levando em consideração a sua idiossincrasia. Nesse tipo de texto, é amplo o uso de figuras de linguagem. Quanto às funções da linguagem, as mais comuns são a metalinguística, a emotiva, a conativa e, em especial, a poética. São exemplos desse tipo de texto os romances, os poemas, as peças de teatro, etc.
Por outro lado, o texto não literário, geralmente em prosa, tem compromisso com a realidade imediata, tende a explicá-la, descrevê-la, discuti-la, etc. Por isso, a linguagem denotativa é muito presente nesse tipo de texto em virtude de seus objetivos, comumente comprometidos com o fato, o dado, o que faz a função referencial ser predominante nessa forma de produção textual. São exemplos desse tipo de texto as receitas, os manuais, as dissertações, os textos didáticos e jornalísticos, etc.
Exemplos:
Texto 5.1.
Texto não-literário
"O desenvolvimento da moda foi um dos
eventos mais decisivos da história do mundial, porque indicou a direção da
modernidade. Há na moda um traço vital da modernidade: a abolição de tradições.
Nietzche a enfatizou como uma característica do moderno porque ela é uma
indicação da emancipação, entre outras coisas, de autoridades. Mas a moda
encerra também em elemento que a modernidade não teria gostado de reconhecer.
Ela é irracional. Consiste na mudança pela mudança, ao passo que a modernidade
se vê como constituída por mudanças que conduzem a uma autodeterminação cada
vez mais racional." (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")
Texto 5.2.
Texto não-literário
“Se foi tão nobre a invenção do barco que
leva de um lugar a outro as riquezas e os prazeres da vida e comunica entre si
as regiões mais distantes para que compartilhem seus diversos produtos, muito
mais deve-se exaltar aos livros que, como os navios, atravessam os extensos
mares do tempo e permitem aos homens participar da sabedoria, das luzes e dos
descobrimentos das idades mais remotas.” (Francis Bacon)
Texto 5.3.
Texto não-literário
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a
mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe
para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre
meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade,
o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos
e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da
desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm
elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a
fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que
tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu
desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a
mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na
medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne
feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são
preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a
mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança;
manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários;
recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos.
Até os doze anos a menina é tão robusta
quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno
em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às
vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente
especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à
passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na
vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é
imperiosamente insuflada.” (Simone de Beauvoir)
Texto 5.4.
Texto literário
Teu Segredo
Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis,
encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais
perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que
nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse
eu. Assim como tu és o meu. (Clarice Lispector)
Texto 5.5.
Texto literário
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também... (“Da discrição”,
Mário Quintana)
Texto 5.6.
Texto literário
"Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre." (Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa)
6. Texto oral e texto escrito
“...o homem, em suas práticas orais e escritas de interação, recorre ao sistema lingüístico – com suas regras fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico.”
(Orientações Curriculares para o Ensino Médio; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, MEC)
"A palavra oral não dá rascunho."
(Manoel de Barros)
Pode-se dizer que as expressões de uma língua em suas modalidades faladas e escritas respeitam variáveis significativamente distintas, tanto no que concerne a preparação do que será dito ou escrito quanto na própria conformação gramatical e discursiva do que foi comunicado. Isso ocorre porque tais possibilidades de expressão atendem a objetivos específicos em contextos igualmente singulares, o que exige níveis e maneiras diferentes de organizar e expressar um determinado conteúdo. Para facilitar a compreensão dessas diferenças, segue estudo sobre as características de cada uma dessas modalidades de expressão da língua.
Texto oral ou modalidade falada da linguagem
_Forte dependência contextual.
_Pouco ou simultâneo planejamento relativo à produção da fala, pautado na espontaneidade, o que pode gerar: fluxo fragmentado, mudança abrupta de construção, frases quebradas, hesitações, etc.
_Coesão por meio de recursos paralinguísticos (entonação, gestos, olhares, etc.).
_Predomínio de frases curtas, ordem direta do discurso, período simples e orações coordenadas.
_Presença de elementos fáticos que mantêm ou não a conversação aberta: "cê tá me ouvindo?", "Alô", “ahã”, “hum”, “né”, “tá”, etc.
Texto escrito ou modalidade escrita da linguagem
_Pouca dependência contextual.
_Permite planejamento prévio; fluxo das informações organizado e contínuo.
_Coesão por meio de conectivos, de estruturas sintáticas, etc.
_Períodos longos com forte presença de orações subordinadas, frases com estrutura complexa e encadeamento de várias orações sucessivas.
_Forte influência das convenções linguísticas, técnicas, estruturais, etc., ou seja, respeita de forma mais abrangente a norma padrão da língua.
Abraços,
Professor Estéfani Martins
opera10@gmail.com
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