Texto 01.
“O professor de pesquisa social da
Universidade de Loughborough (Inglaterra) Alan Bryman explica, em A
Disneyficação da Sociedade (2004), que o processo “retromaníaco” tem razões
econômicas. Em um estágio do capitalismo dominado cada vez mais por serviços
semelhantes, a economia passa a funcionar como “economia de experiências, em
que os consumidores buscam serviços que os entretenham e sejam memoráveis. Do
ponto de vista dos prestadores de serviços, eles sabem que muitos consumidores
estão se cansando dos serviços e ambientes padronizados que encontram o tempo
todo. A tematização ajuda a diferenciar um serviço, ou contexto, dos demais”.
O
resultado é a disseminação do espírito de Las Vegas em mares nunca dantes
imaginados. Você pode ir para Paris e, além de conhecer o Louvre,
transportar-se, como em um passe de mágica, ao reino encantado de Walt Disney,
sem sair do Velho Continente. Basta escolher um hotel, como o Cheyenne, e você
já estará no “lendário Velho Oeste” – norte-americano, of course – apesar de
estar na Europa no século 21. Se não apetecer, pode escolher o Santa Fé, que
promete “noites estreladas do Novo Mundo entre conquistadores espanhóis e índios
americanos”. Imperdível.
Emerge
daí um presente não necessariamente assombrado pelo fake e pelo vintage, mas um
processo de esvaziamento da história, em que ao passado cumpre apenas a função
de fornecer uma capa divertida ao presente. Restaura-se tudo, de GIFs animados
– tecnologia de animação da primeira época da internet – a filmes clássicos e
blockbusters, a estéticas do VHS e games populares dos anos 1980, como o Atari.
Entre lixos e obras-primas, fica a pergunta: do que sentiremos saudade no
futuro, se o nosso presente é pura “re”produção do passado?”
Fonte:
http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/um-museu-de-grandes-novidades-velhas?page=5
Para ter acesso à íntegra dessa publicação, clique no "link" abaixo à esquerda.
Texto 02.
"Falando de modo geral, é possível que a mais
velha forma de manipulação do passado consista em sua utilização religiosa ou
ideológica com fins políticos (entendendo por “fins políticos” se manter ou
afirmar-se no poder), dado que o relato que se faça do ocorrido exerce um papel
crucial na interpretação do presente e em sua possível legitimação. E ainda que
tenham ocorrido muitos outros tipos de poetização do passado com intenções de
autolegitimação, por exemplo, no campo da estética (a reconstrução da Idade
Média durante o romantismo, sem ir mais além), também é quase certo que a
última e hoje mais corrente destas manipulações é a que tem objetivos
econômicos: converter o passado não apenas em um país estrangeiro – como
sugeriu precocemente David Lowenthal – mas em um parque temático virtual, cujas
atrações são as diferentes épocas (não apenas a antiguidade ou o feudalismo,
mas os alegres anos 20, os obscuros anos 30, os dourados 60, os gélidos 80…) e
cujos clientes potenciais são os turistas midiáticos a quem é servida um dia
após outro esta mercadoria com o prestígio do sucesso já pré-cozido.
Não em vão escreveu o mal-humorado Heidegger
que a historiografia se estava convertendo, no século XX, “na ciência que
explora e administra o passado em benefício do presente”. E, mais próximo de
nós, o pensador Fredric Jameson considera que esta transformação do passado
numa coleção de pastiches esclerosados que se repetem como clichês é um dos
rasgos culturais do capitalismo pós-moderno.
A propósito da retromania que inunda a
cultura popular nos últimos tempos, o crítico musical Simon Reynolds chegou a
considerar esta necrofilia da história recente como um obstáculo objetivo para
a criatividade artística.
O fenômeno que assim se aponta, não obstante,
difere das manipulações do passado com fins políticos ou econômicos, e tem a
ver com o fato de que as novas tecnologias da comunicação colocaram ao alcance
de um clique toda uma série de sedimentos culturais, acesso que incluía, até há
não muito tempo, longos protocolos que agora ficaram em curto-circuito. Isto
quer dizer que agora acessamos o passado do mesmo modo que o legista acessa um
cadáver, de maneira desnuda, literal e imediata, mas sem saber absolutamente
nada de quem foi em vida o finado que estamos dissecando na mesa de misturas.
Ou, dito de outra maneira, sem considerá-lo em absoluto como passado (pois o
passado não é reprodutível tecnologicamente, reside exclusivamente na memória e
tem como essência justamente sua irreversibilidade).
De maneira que o problema – o problema que
lastreia a criatividade da cultura popular contemporânea – não é tanto a moda
dos revivals que Reynolds não aprecia, não é a inflação do passado, mas sim a
hipertrofia do presente, um presente que ficou ao mesmo tempo sem passado e sem
futuro ao ultrapassar todos os limites.
A comparação do passado com um país
estrangeiro volta a ser aqui frutífera: a possibilidade de obter facilmente
dados diretos e em tempo real do lugar mais afastado e exuberante da terra,
ainda que resulte fascinante e até vertiginosa à primeira vista, não é
finalmente mais do que algo superficial, uma vez que essa velocidade diminui
nossa ignorância do lugar no qual fazemos turismo informático, como a
fotografia do visitante ocasional não elimina seu desconhecimento do
fotografado; da mesma forma, a disponibilidade técnica do passado musical ou
literário não nos diz nada acerca de suas condições de gestação, não nos mostra
como tradição nem nos faz seus herdeiros, mas apenas nos converte em
espectadores complacentes de fetiches infrutíferos cujo retorno periódico e
fantasmagórico celebramos sem produzir nenhuma novidade. Porque esta total
disponibilidade (que o passado e o futuro já estejam reduzidos ao presente pela
tecnologia), se não aumenta nosso conhecimento, nos faz mais ignorantes de
nossa própria ignorância, pois confundimos a facilidade e o acesso imediato com
o conhecimento ou a criação cultural, quando estes últimos apenas podem ter
lugar ali onde cabem a estranheza e a interrogação, que são os incentivos do
saber e do fazer criador. E o mais gracioso é que isto mesmo – que sem memória
os arquivos estão mortos e sempre repetem o mesmo – é justamente o que dizia o
Fedro de Platão há mais ou menos 2.500 anos." (José Luis Pardo)
Texto 03.
“O pop deveria ser todo sobre o presente, certo?
Ele ainda é considerado o domínio da juventude, e os jovens supostamente não
deveriam ser nostálgicos, afinal eles não estão por aí há tempo o bastante para
construir um repertório de preciosas memórias.” (Simon Reynolds, “Retromania:
Pop Culture‘s Addiction to Its Own Past”)
Situação
2017SF4 - Dissertação (USP, Unesp, Uniube, UFU, etc.)
Após ler atentamente os textos acima e
refletir sobre o assunto comum a eles, redija sua dissertação sobre a pergunta
abaixo:
A cultura do século XXI é de fato uma cultura
obcecada pelo passado e pouco afeita à novidade? Por quê?
Instruções:
1. Lembre-se de que a situação de produção de
seu texto requer o uso da norma padrão da língua portuguesa.
2. A redação deverá ter entre 25 e 30 linhas.
3. Dê um título a sua redação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário