Redação
Gêneros textuais - UFU 2017 - prova de redação
1. Dissertação - é um gênero textual produto das interações
entre certas tipologias textuais, em especial, a argumentação e a exposição,
ainda que descrição e narração possam ser usadas como recursos para construção particularmente
de argumentos. Este gênero textual é empregado de forma regular para comunicar
e documentar debates de cunho científico, acadêmico, estético, etc., com o
intuito de comunicar a posição de alguém sobre determinado tema de forma
organizada, laica, contundente e respeitosa em relação a princípios do
pensamento lógico, científico e formal. Em função disso, o meio mais
tradicional de abordar a teoria de gêneros textuais em vestibulares é a dissertação argumentativa.
Objetivo – defender uma tese por meio de argumentação
científica e baseada em premissas lógicas e comprováveis.
Estrutura – tem três partes com objetivos bastante
específicos: introdução, desenvolvimento e conclusão. - Deve ser escrita sempre com o mínimo de quatro parágrafos.
Argumentação – baseada em diversos princípios retóricos como
analogias, estatísticas, argumentos de autoridade, referências históricas, etc.
Pessoa do discurso - Linguagem impessoal (3ª
pessoa do singular e plural).
Linguagem - objetiva, denotativa, adaptada ao Novo Acordo
Ortográfico, compatível com a norma padrão prevista nas gramáticas normativas e
com vocabulário ajustado ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(Volp).
Máscara – proibida em função da impessoalidade do texto.
Título - Enem (facultativo). Demais vestibulares (depende de orientações específicas). UFU (obrigatório).
Observação final - as considerações deste
material são aplicáveis integralmente a textos de cerca de 30 linhas. Para os
expressivamente menores ou maiores, é importante salientar que essas
orientações devem ser flexibilizadas.
Texto 01.
Questão indígena: entre injustiças e
negligências
As injustiças
históricas relativas às questões indígenas são uma das discussões mais
relevantes e ao mesmo tempo mais negligenciadas no Brasil contemporâneo, apesar
dos inúmeros desafios urgentes relativos a esse assunto. Por isso, é
fundamental para a existência futura das culturas indígenas que haja debates e
ações públicas humanistas, tolerantes e respeitosas a fim de perpetuar essas
importantíssimas matrizes da sociedade brasileira.
Para tanto, é
imprescindível o reconhecimento da riqueza cultural multifacetada dos
indígenas, com o objetivo de que, por meio de intervenções midiáticas
permanentes, por exemplo, possa haver uma mudança significativa na visão que a
maioria dos cidadãos brasileiros tem desses povos ainda muito submetida a
ideias associadas ao preconceito e à desinformação. Tal fato é evidente por
causa das muitas menções em livros, piadas, etc., a um “índio” visto como
preguiçoso, sujo ou imoral. Isso ainda ocorre por causa da força das concepções
surgidas muitas vezes na pseudociência cientificista do século XIX, que
produziu um evidente paradoxo chamado Racismo Científico.
Outro aspecto
relevante para a compreensão dessa complexa questão é a falta quase absoluta de
representação política dos povos autóctones no Brasil, o que explica e mesmo
fomenta o preconceito e a exclusão social dos quais esses grupos são vítimas.
Isso se amplia quando até na Fundação Nacional do Índio (Funai), eles têm pouca
ou nenhuma interferência direta nas decisões tomadas pelo órgão em relação a
diversas causas muito importantes para eles, como no caso da demarcação de
terras e dos conflitos que têm ocorrido no País por causa de disputas
territoriais, que, aliás, acontecem ao menos desde o tempo das Capitanias
Hereditárias.
Conclusão por meio de propostas de intervenção
Logo, para
que possa ser revertida a situação desumana a que muitos desses povos estão
submetidos, é fundamental que a Funai democratize suas instâncias decisórias a
fim de ampliar a participação de índios no seu cotidiano institucional. Também
é importante a criação de cotas para indígenas em Câmaras Legislativas de forma
proporcional à presença deles na população brasileira, o que ficaria a cargo de
medida provisória apresentada pelo governo federal à Câmara dos deputados.
Conclusão por meio de resumo e ratificação
Dessa forma,
é evidente que há uma origem histórica para a discriminação sistemática sofrida
pelos índios no Brasil, o que produziu uma visão estreita e anacrônica sobre
esses povos por parte da ampla maioria dos brasileiros. Esse processo, enfim,
desencadeou a quase total anulação das culturas dos povos autóctones
brasileiros, por isso o respeito e a preservação do que restou delas devem ser
prioridades absolutas dos órgãos responsáveis e da sociedade civil organizada.
Texto 02.
O ir e vir como direito contitucional
A mobilidade
urbana tem sido no Brasil um dos principais desafios para a transformação
imprescindível das grandes cidades brasileiras em espaços urbanos realmente
democráticos e produtivos. Diante disso, mudanças contundentes dos paradigmas
anacrônicos a respeito desse direito constitucional da população devem ser
discutidas amplamente por toda a sociedade, a fim de se conceber modelos de
transporte urbano multimodais eficientes e acessíveis para todos.
Nesse
sentido, planejar o desenvolvimento da cidade em função da maioria dos cidadãos
que nela habitam, e não em benefício de minorias ou mesmo da cultura do carro é
condição para que muitas das situações críticas mostradas em filmes tão
diferentes como “Taxi driver”, “Um dia de fúria”, “Cidade de Deus”, etc.,
associadas à marginalização das pessoas, ao favorecimento da ocorrência de
episódios estressantes em função do péssimo trânsito, às complicações para o
fluxo de pessoas e mercadorias em função da falta de planejamento urbano, etc.,
não mais sejam tão frequentes em cidades brasileiras como são atualmente.
Além disso,
repensar os sistemas de transporte público das cidades com o intuito de
torná-los mais eficientes, pontuais e sustentáveis é dever da sociedade por
meio dos seus representantes eleitos com sistemas multimodais que combinem
diferentes modais de transporte como ônibus, metrô, bicicleta, etc. Isso é
urgente, porque as cidades, em função da ocupação desordenada desses espaços,
do crescimento descontrolado e da poluição ambiental, têm se tornado no Brasil
espaços cada vez mais hostis, situação para a qual a mobilidade urbana precária
presta evitáveis, mas relevantes contribuições.
Conclusão por meio de propostas de intervenção
Logo, para
que haja meios de transportar pessoas e mercadorias de forma mais eficiente e
produtiva, é fundamental que as Câmaras das cidades médias e grandes criem ou
revisem seus Planos Diretores com o objetivo de condicionar o desenvolvimento
do espaço urbano a interesses sustentáveis, coletivos e democráticos. Sistemas
multimodais também são condição para essa mudança, o que ficaria sob a
responsabilidade dos governos municiais de implantar modelos de transporte
multimodais adaptados a topografia e as condições cultuais e urbanísticas da
cidade, a fim de tornar mais racional e eficiente a locomoção de pessoas.
Conclusão por meio de resumo e ratificação
Assim,
discutir e exigir das autoridades a resolução não apenas dos problemas
produzidos pela falta de mobilidade urbana, como também a remodelação de todo o
sistema de transporte urbano nas grandes e médias cidades brasileiras, é
crucial para se pensar o respeito verdadeiro a direitos previstos na Constituição
brasileira e ao bem comum. Por isso, ser mais exigente em relação ao trabalho
dos gestores desse processo não é o exercício apenas da cidadania, mas também o
de lutar por uma cidade mais humana e democrática.
2. Artigo de opinião ou texto de opinião - é um texto opinativo normalmente assinado e muito assemelhado
estruturalmente à dissertação, ainda que permita algumas liberdades
linguísticas impossíveis em um texto dissertativo científico. Por ser atribuído
a uma pessoa, comunica um ponto de vista particular acerca de um assunto em
primeira pessoa do singular.
Objetivo – comunicar a opinião particular de um
articulista contratado por veículo de comunicação pela relevância dessa pessoa
para um determinado grupo, instituição, etc.
Estrutura – dissertativa-argumentativa.
Argumentação – pode ser construída de diversas
maneiras, desde abordagens mais científicas e fundadas em estatísticas e
discursos de autoridade até formas mais personalistas em que experiências
pessoais, viagens, vivência profissional, etc., possam ser usadas para defender
uma tese a respeito de um assunto atual e normalmente de alta relevância
midiática.
Pessoa do discurso – 1ª pessoa do
singular é obrigatória para explicitar o aspecto personalista do discurso e da
argumentação do texto. É importante que ela ocorra uma vez em cada parágrafo ao
menos.
Linguagem – clara, objetiva e adequada às
normas gramaticais por padrão, ainda que se aceite pontualmente o uso de
expressões como gírias, coloquialidades e oralidades como forma de personalizar
o discurso do articulista. Verbos predominantemente no presente do indicativo
são esperados.
Máscara – desejável e qualificadora (Exemplo:
“como médico”, "na condição de antropólogo", etc.).
Título - UFU (obrigatório).
Assinatura – exigida (UFU) e sem ponto final.
Observação importante: lembro que alguns
exemplos abaixo são oriundos da produção dos alunos, ainda que tenham sido
adaptados para que possam atender melhor aos parâmetros da banca de redação da
UFU a partir de 2017. Os outros são de veículos tradicionais de informação que
não necessariamente repseitam todas as regras exigidas em concursos.
Exemplos:
Texto 01.
Estado laico: uma necessidade
O Estado
laico tem sido nos últimos anos uma discussão frequente em alguns setores
sociais em função de decisões do Superior Tribunal Federal (STF) em favor do
direito ao aborto de anencefálicos e da união civil entre homossexuais. Como
antropólogo, entendo que ainda deve ser considerada a atuação nada laica de
políticos de bancadas religiosas na Câmara Federal contra os interesses da
maioria da população e muitos princípios constitucionais. Por isso, defendo a
necessidade da reafirmação de um pacto civil em defesa da laicidade do Governo
no Brasil.
Essa defesa
sustenta-se não só no fato de muitos países tornados teocracias terem tido
perdas significativas de garantias presentes na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, mas também no fato de haver perda considerável na diversidade
de ideias artísticas, políticas e, evidentemente, religiosas, quando um Estado
deixa de ser laico. Afirmo isso porque a laicidade de instituições é uma defesa
vigorosa da liberdade religiosa, pois, via de regra, todo estado laico de fato
é multirreligioso como ainda é o caso do Brasil.
Defender essa
condição política e ideológica estatal é, dessa forma, um meio eficiente de
prezar pela liberdade religiosa, que, apesar de não ser uma pessoa crente,
entendo ser uma conquista das sociedades democráticas que deve ser defendida
por todos. Vejo essa questão assim, pois reconheço o quanto que crenças
diversas foram e são influentes no campo das artes, dos costumes, da
gastronomia, etc., ou seja, suprimi-las seria o mesmo que suprimir um dos
principais geradores de manifestações culturais que se tem notícia. Por isso,
seria indiscutivelmente um golpe duro contra várias etnias e culturas, contra
milhões de pessoas e contra a cultura brasileira.
Logo, defendo
o Estado laico não por ser contra quaisquer religiões, mas, ao contrário, por
defendê-las como um direito de escolha de todas as pessoas, para que possamos
continuar a ter um país definido e marcado por tradições democráticas,
diversidade cultural e liberdade de pensamento e expressão.
José
Texto 02.
A importância d’água para a espécie humana
A água tem
vital importância para os seres humanos, além de nos nutrir, precisamos dela
para várias ocasiões, como no transporte de pessoas e cargas e na obtenção da
caça e da pesca. Porém, a sociedade moderna vem poluindo os rios, destruindo
recursos hídricos que causam um desequilíbrio no meio ambiente e preocupam
grande parcela da comunidade científica da qual faço parte.
Sobre essa
questão, muitos indivíduos urbanos como eu têm geralmente pouco conhecimento
acerca da preservação da água, por pensarem que esta é uma riqueza inesgotável.
Contudo, essa substância é finita e distribuída de forma irregular no
mundo, o que causa conflitos há milênios de anos entre grupos e sociedades
humanas e mesmo de outros animais. Como é ilustrado na refilmagem de 2016 do
clássico do cinema "Mad Max", em que esse recurso é tão importante
quanto o combustível e é fonte do poder do vilão do filme.
Além disso, a
falta de saneamento básico e de tratamento de esgoto tão comuns em muitas
cidades brasileiras contribui também para a escassez de água em função da
poluição dos rios. Outra forma de poluição é a mineração, que utiliza produtos
químicos poluentes d’água e nocivos a seres vivos, como é o caso do mercúrio, o
que faz com que esse líquido deixe de ser fonte de vida para sê-lo de doenças.
Embora o
Brasil e a América do Sul estejam entre as locais do mundo com maior
disponibilidade de água, sua distribuição é muito desigual, com a maior parte,
no caso brasileiro, concentrada na região amazônica, onde está a menor fatia da
população, evidentemente se forem desconsiderados aquíferos como o Guarani.
Sobre isso, importante ressaltar que essa abundância pode não ser o bastante
para garantir o abastecimento contínuo de água de boa qualidade para todos,
mesmo no Sudeste, como a séria crise de falta de água pela qual passou o estado
mais rico do Brasil recentemente, em função da péssima gestão da água de muitas
cidades e do governo estadual de São Paulo, do uso indiscriminado e
irresponsável de água na agricultura que responde por mais de 70 por cento do consumo de
água no mundo e no Brasil, etc.
Logo, observo
que esse recurso fundamental para a vida deveria ser pensado de uma forma mais
coletiva e democrática para que um dia seja efetivamente pensado como um
direito de todos, e não uma questão de política, de poder ou mesmo de dinheiro.
Por isso, a formação de uma contracultura baseada na utilização consciente da
natureza é imprescindível e urgente a fim de evitar um colapso nos sistemas de
beneficiamento e distribuição de água em muitos lugares do mundo.
Josefa
(Redação adaptada de aluno.)
Texto 03.
Ele não sabe o que faz
Ruth de Aquino
Mais um assassino covarde tira proveito da lei
paternalista no Brasil, que considera os menores de 18 anos incapazes de
responder criminalmente por seus atos. Como não sentir vergonha diante dos pais
do universitário Victor Hugo Deppman, assaltado e morto na calçada de casa em
São Paulo? Como convencê-los a se conformar com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que protege o homicida de 17 anos que deu um tiro na cabeça de seu
filho após roubar seu celular? Como conviver com a perda brutal de um filho e
saber que seu algoz será internado por no máximo três anos porque “não sabia o
que estava fazendo”?
Não consigo enxergar jovens de 16 anos como
“adolescentes” ou “menores”. Eles votam, fazem sexo, chegam em casa de
madrugada ou de manhã. Por que considerá-los incapazes de discernir o certo do
errado? Ao tornar jovens de 16 anos responsáveis por seus atos diante da
Justiça, o objetivo não é encarcerar todos os delinquentes dessa idade, mas,
quem sabe, reduzir os crimes hediondos juvenis. A mudança na lei reforçaria o
status que eles próprios já reivindicam em casa diante dos pais: “Eu não sou
mais criança”. E não é mesmo.
Para quem argumenta que de nada adiantará
reduzir a maioridade penal para 16 anos, respondo com uma pergunta: longas
penas para assassinos adultos acabam com o crime bárbaro? Não, claro. Então,
vamos acabar com as cadeias porque elas são custosas e inócuas? Não, claro.
Longas penas servem para reduzir a impunidade e dar às famílias de vítimas a
sensação de que foi feita justiça. Não se trata de “vingança”. É um ritual
civilizatório. Matou? E ainda por cima por motivo torpe? Tem de pagar.
Um argumento popular contra a redução da
maioridade penal para 16 anos é: e se um adolescente de 14 ou 15 anos matar
alguém, mudaremos de novo a legislação? Sempre que escuto isso, lembro um caso
na Inglaterra, em 1993. Dois garotos ingleses de 10 anos foram condenados à
prisão perpétua por ter mutilado e matado um menino de 2 anos. A repercussão
foi tremenda. Os assassinos foram soltos após oito anos de prisão. Mas não
foram tratados com benevolência no julgamento. O recado para a sociedade era
claro: não se passa a mão na cabeça de quem comete um crime monstruoso. Mesmo
aos 10 anos de idade.
Outro argumento comum no Brasil contra a
redução da maioridade penal afirma que só com boa educação e menos desigualdade
social poderemos reduzir a criminalidade juvenil. Essa é uma verdade parcial.
Há muitos países pobres em que jovens assaltam, mas não matam por um celular ou
uma bicicleta. Eles têm medo da punição, medo da Justiça. Também acho injusto
atribuir aos pobres uma maior tendência ao crime bárbaro. Tantos ricos são
bandidos de primeira grandeza... Melhorar a educação e reduzir a pobreza são
obrigações. Isso não exclui outra obrigação nossa: uma sociedade que valoriza a
vida e a honestidade precisa acabar com a sensação de que o crime compensa.
Para menores e maiores de 18 anos.
Os filósofos de plantão que nunca perderam o
filho num assalto apelam à razão. Dizem que não se pode legislar sob impacto
emocional. Ah, sim. Quero ver falar isso diante de Marisa e José Valdir
Deppman, pais enlutados de Victor Hugo, que ouviram o tiro de seu apartamento,
no 9o andar. Uma família de classe média que livrou o filho da asma com plano
de saúde privado e investiu com esforço em seus estudos. A mãe falava com
Victor Hugo todos os dias pelo celular. “Eu sempre falava para ele não reagir,
porque a vida não vale um celular ou um carro. Ele não reagiu, mas foi morto.
Estou estraçalhada por dentro.”
Victor Hugo, o Vitão, era santista fanático,
um dos artilheiros do “Inferno vermelho”, apelido do time da Faculdade Cásper
Líbero, onde estudava rádio e TV. Sonhava em virar locutor esportivo e estava
apaixonado. A câmera do prédio mostra o momento em que sua vida acabou. Mostra
a covardia do rapaz, cujo nome nem pôde ser divulgado por ser “inimputável”. Na
sexta-feira passada, o assassino de Vitão, infrator conhecido na Febem,
completou 18 anos.
Seu futuro pode ser o mesmo do menor E., que,
aos 16 anos, ajudou a matar no Rio de Janeiro, em 2007, o menino João Hélio.
Ele pertencia ao bando que arrastou João Hélio pelas ruas, pendurado na porta
de um carro que havia sido roubado de sua mãe. Após três anos numa instituição
para jovens infratores, foi libertado. A Justiça o incluiu temporariamente num
programa de proteção a adolescentes ameaçados de morte, o PPCAAM. Ridículo.
Ezequiel Toledo de Lima foi preso em março de 2012, aos 21 anos, por posse
ilegal de arma, tráfico e corrupção ativa. Ezequiel não tinha antecedentes criminais
como adulto – apesar de ter matado com requintes de crueldade um menino de 6
anos. É ou não é uma inversão total de valores?
3 - Carta argumentativa (UFU), impessoal ou formal - é um tipo
de correspondência enviada em caráter formal para pessoas que não são
conhecidas ou não são íntimas do autor dela. Sob alguns aspectos, muito
parecida com a dissertação argumentativa, em especial em função do intuito
persuasivo de ambos os textos.
Para efeito de esclarecimento, o que diferencia a carta argumentativa da
dissertação é o tipo de argumentação que caracteriza cada um desses tipos de
texto e algumas especificidades formais, estruturais e linguísticas que as
definem. O texto dissertativo é dirigido a um interlocutor genérico, universal.
Por outro lado, a carta argumentativa pressupõe um interlocutor específico para
quem a argumentação estará orientada. Essa diferença de interlocutores deve
necessariamente levar a uma organização textual, a escolhas linguísticas e a
preocupações retóricas também diferentes. Até porque, na carta argumentativa, a
intenção é frequentemente a de persuadir um interlocutor específico, a fim de
convencê-lo do ponto de vista defendido por quem escreve a carta ou demovê-lo
do ponto de vista por ele defendido.
Do ponto de vista técnico, é um tipo de correspondência com linguagem
formal, ou seja, exige-se o uso de pronomes de tratamento adequados à posição
ocupada pelo destinatário; o emprego da norma padrão; um processo de
interlocução respeitoso; etc.
É importante justificar por que se solicita que a argumentação seja
feita em forma de carta em situações de avaliação. Isso se dá em função do
pressuposto de que, se é definido previamente quem é o interlocutor sobre um
determinado assunto, há melhores condições de fundamentar uma argumentação e
avaliar a capacidade do candidato de moldar sua linguagem, seus argumentos e a
informação de acordo com seu interlocutor.
Embora o foco da carta seja um determinado tipo de argumentação, ela
implica também algumas expectativas quanto à forma do texto. Por exemplo, é
necessário estabelecer e manter a interlocução, usar uma linguagem compatível
com o interlocutor, empregar referenciais espaciais e temporais, usar marcas de
autoria ao longo de toda a carta, assinar quando for solicitado, etc.
Para o cumprimento da proposta em que é exigida uma carta argumentativa,
não basta dar ao texto a organização de uma carta, mesmo que a interlocução
seja natural e coerentemente mantida; é necessário, acima de tudo, argumentar
por demanda, que é, em princípio, o entendimento sobre as motivações, as
fraquezas e as preferências do destinatário da correspondência.
Características principais da carta argumentativa (impessoal) em
vestibulares, especialmente, na UFU:
1.
Data, vocativos (saudações inicial e final) e assinatura são
obrigatórios;
2.
No corpo do texto, nas saudações e na assinatura, deve-se respeitar o
recuo nos parágrafos, portanto apenas a data deve estar junto à margem
esquerda;
3.
O uso da primeira pessoa do singular deve ser recorrente, ao menos uma
vez em cada parágrafo;
4.
A interlocução com o uso da segunda pessoa do discurso ou de pronomes de
tratamento também deve ser recorrente, por isso deve haver referências ao
interlocutor ao menos uma vez em cada parágrafo;
5.
Formas verbais no presente do indicativo devem predominar;
6.
Linguagem impessoal e de acordo com a norma padrão é obrigatória;
7.
É desejável que haja dados de personificação, ou seja, é importante que
seja criado um locutor que mostre competência para discutir o assunto da carta
(máscara);
8.
O uso adequado de pronomes de tratamento será avaliado;
9.
Neste gênero textual, as informalidades, os coloquialismos e os
regionalismos são penalizados;
10. Devem-se evitar
abreviações de pronomes de tratamento em cartas;
11. A paráfrase é
possível, mas não mais é exigida em qualquer um dos gêneros textuais da UFU a
partir do vestibular de 2017.
Objetivo – comunicar a opinião particular de uma pessoa a respeito de
assunto variado por meio de uma correspondência destinada ao um interlocutor
com o qual o autor da carta não tem intimidade.
Estrutura – rígida e com presença de datação, saudação inicial, corpo do
texto, saudação final e assinatura (quando solicitado).
Argumentação – é construída por demanda, já que o destinatário dela é
conhecido, mas via de regra exige-se as mesmas condutas de outros textos
argumentativos com a possibilidade de usar relações de causa
e consequência, argumentos de autoridade, etc .
Pessoa do discurso – 1ª pessoa do singular é obrigatória para
indicar a autoria da carta, tanto quando a 2ª pessoa ou pronome de tratamento
devem ser usadas com a frequência de ao menos uma vez por parágrafo.
Linguagem – clara, objetiva e adequada às normas gramaticais por padrão,
inclusive com o uso adequado de pronomes de tratamento.
Máscara – desejável, porque é capaz de mostrar a qualificação do
autor da carta para tratar do assunto abordado nela.
Assinatura – exigida (UFU) e sem ponto final.
Observação importante: lembro que os exemplos abaixo são oriundos da produção dos alunos, embora tenha recebido adaptações para adequarem-se mais amplamente às novas exigências da UFU a partir de 2017.
Exemplos:
Texto 01. (padrão de recuos UFU atualizado em 2017)
Uberlândia, 11 de setembro de 2017.
Excelentíssimo Senhor Ministro da
Educação,
Ao analisar os diversos problemas
enfrentados pelos brasileiros, como pedagoga, percebi que a educação
apresenta-se como um dos mais graves. Apesar da queda do analfabetismo na
última década, tão propagandeada pelo Ministério do qual Vossa Excelência é o
líder, ainda assumimos uma posição vergonhosa no “ranking” de desempenho
educacional na América Latina.
Essa questão torna-se complexa, pois
está relacionada a diversos problemas nacionais como a desigualdade na
distribuição de renda, a exploração do trabalho infantil, dificuldades no
acesso às escolas, exploração sexual de crianças e adolescentes,, etc. o que,
penso eu, perfaz um conjunto de severas e preocupantes realidades, que separam
cada vez mais as famílias em situação de vulnerabilidade social do sistema
regular de ensino, como o Excelentíssimo Ministro deve saber.
As deficiências no processo de
ensino-aprendizagem também merecem atenção, Vossa Excelência, principalmente
nos primeiros anos escolares, tais como: metodologias de ensino inadequadas,
carências de recursos humanos e materiais, péssimo sistema de transporte escolar,
além de baixos salários dos profissionais da educação. Para mim, esses são os
elementos mais importantes que contribuem para a evasão escolar e para a má
qualidade do serviço prestado à população.
Diante de tal situação, precisamos,
ainda, percorrer um árduo caminho para que possamos ter um país que trate a
educação com a seriedade merecida. Sendo assim, a valorização do magistério, a
informatização ampla e democrática das escolas, a capacitação profissional
contínua e de qualidade, além de um melhor planejamento para a destinação dos
recursos aparecem como estratégias importantes, para transformar o sistema
educacional em um serviço eficiente e eficaz. Ressalto que esta carta dirigida
ao Excelentíssimo Ministro é apenas uma contribuição sobre o que é de amplo
conhecimento, mas, de toda forma, meu dever como cidadã e eleitora é reforçar o
que entendo que o povo tem como prioridade para os gastos públicos.
Respeitosamente,
Josefa
(Redação adaptada de aluno.)
Texto 02. (padrão de recuos UFU atualizado em 2017)
Uberlândia, 12 de fevereiro de 2017.
Senhor Edward Snowden,
Tendo em vista o ocorrido com o acervo
de informações da Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês) recentemente,
impus-me a tentativa de compreender quais motivos – justificáveis ou não –
levaram o Senhor a denunciar o ataque ao direito de privacidade articulado
pelos Estados Unidos da América por meio dessa instituição governamental. Minha
nacionalidade brasileira e meu diploma de advogado, obrigou-me a considerar
ilegal e antiética a invasão da segurança de nossa presidente Dilma Roussef, e
não menos alarmante o fato de ter ocorrido o mesmo à chanceler alemã, Angela
Merkel.
Agradou-me, pois, coragem do Senhor de
mostrar ao mundo a situação de falta de privacidade na qual a maioria de nós
encontra-se. Foi, portanto, altruísta e elevada a sua atitude. Vale-se dizer
que a espionagem norte-americana atinge a liberdade de expressão e de
privacidade de milhões de indivíduos. Nesse contexto, sendo o controle total
dos sistemas de tráfego de dados o principal objetivo do sistema da agência
NSA, há de se rever a fiscalização constante das “ações-unidas” ratificada por
Navy Pillay, chefe da Organização das Nações Unidas (ONU) para direitos humanos
- como segurança e privacidade.
No âmbito de tal assunto, Senhor
Snowden, aconselho-o a continuar o movimento – o qual talvez não saiba que
iniciou – a favor da segurança e da privacidade, ainda mais, na era digital.
Soma-se a isso o fato de os programas norte-americanos acessarem dados
quaisquer com a alegação de necessidade protecionista no que se diz respeito ao
terrorismo, embora tal interesse (de origem no século passado, no período da
Guerra Fria) seja útil apenas a interesses estadunidenses - na minha opinião.
Desse modo, estimado Senhor Edward
Snowden, aprovo seu ato de defender o direito da população mundial de manter
sua privacidade, portanto ter tornado públicos documentos tidos como provas de
espionagem norte-americana é justo e ético quando se pensa no bem comum e na
Declaração Universal dos Direito Humanos.
Respeitosamente,
Josefa
(Redação adaptada de aluno.)
4 – Relato - Gêneros
narrativos (geral) - o ato de narrar remonta a momentos iniciais de
nosso processo de formação como espécie, o que é confirmado por pinturas
rupestres que claramente apontam para sequências de acontecimentos que
respeitam a temporalidade e a sucessão de fatos típicas do texto narrativo.
Nesse tempo, em que pinturas de diferentes estágios de caçadas ou rituais foram
feitas em paredes de cavernas como narrativas visuais ou mesmo pode-se
especular sobre o começo do processo de comunicação oral, para além de
grunhidos e sons sem associação clara, provavelmente está a aurora dos textos
narrativos como gênero textual. Além disso, para todas as comunidades ágrafas,
essas formas de narrar têm papel central na construção dessas sociedades ainda
na atualidade, até porque eram e são uma forma razoavelmente confiável de
preservar o conhecimento produzido por essas comunidades.
Há muitas formas de narrar: da
ancestralidade do folclore e das narrativas orais até o dinamismo e a
velocidade dos textos produzidos em função do advento da internet. Há ainda
histórias narradas a partir de fatos e acontecimentos verídicos ou associados a
experiências reais ou aquelas que são produto da imaginação criativa e da
invenção despreocupadas muitas vezes com qualquer paradigma da chamada
realidade, ou podem ainda ser fruto da união dessas duas formas.
Por meio dessas características
formais, estilísticas e de conteúdo, foram sendo fixadas formas de narrar que,
a seguir, serão discutidas separadamente, embora sejam notórias as dificuldades
teóricas para a realização plena desse objetivo, em função das fronteiras por
vezes pouco perceptíveis ou mesmo diluídas entre os diferentes textos
compreendidos como narrativos.
Elementos da narrativa - como principio fundador das narrativas, além da temporalidade, devem ser destacados os elementos que as compõe e a estrutura a qual esse gênero textual deve minimamente respeitar. Entretanto, embora esses “parâmetros” tenham sido revistos ou subvertidos por muitos autores especialmente no século XX, ainda serve como um importante referencial para produtores, leitores e analistas do discurso narrativo.
São elementos da narrativa o enredo,
os personagens, o narrador, o espaço e
o tempo. Eles são em alguma medida fundamentais para se
tecer o sequenciamento de eventos, o desenvolvimento de ações e a participação
dos personagens, que são imprescindíveis para se constituir um texto narrativo.
O enredo é o
encadeamento de episódios que constrói a narrativa, ou mesmo a forma de
fazê-lo, com o objetivo de possibilitar geralmente o desenvolvimento de um
conflito que será a razão de existência de uma narrativa. O conflito pode
ocorrer entre pessoas, como no caso do romance “Poderoso Chefão”, de Mario
Puzzo; entre os rigores da natureza e o homem, que é muito bem ilustrado em “Vidas
secas” de Graciliano Ramos; entre o Estado e o cidadão, como no caso da obra “O
processo” de Franz Kafka; entre a pessoa e seu íntimo, como em muitas
narrativas de Clarice Lispector; etc. O enredo pode ser linear quando se
respeita a ideia de passagem mais cronológica ou mesmo física do tempo, como
são os casos de grande parte dos filmes, em especial anteriores a década de
1970, e da Literatura anterior ao século XIX; ou pode ser não-linear como são
os casos de narrativas de filmes como “Efeito borboleta”, “Brilho Eterno De Uma
Mente Sem Lembranças”, “Pulp Fiction”, entre tantos outros exemplos em que
digressões temporais, arranjos não cronológicos dos eventos da narrativa,
inversão da estrutura narrativa, etc., são responsáveis por emprestar uma
sensação não natural ou cronológica no tempo interior à narrativa.
O espaço ou ambiente é
o local ou os locais onde se passa a narrativa, por isso pode ser descrito de
forma detalhada ou displicente de acordo com as intenções do autor. Em algumas
situações, pode ser mesmo um personagem em função da forma como interage e
define comportamentos e escolhas dos outros personagens, como são os casos do
planeta Duna, no romance homônimo de Frank Herbert; do cortiço, de Aluísio de
Azevedo; do Ateneu, de Raul Pompéia; do sul dos Estados Unidos da série
"True detective", etc. O espaço pode ser físico quando ele é real e
concebível de acordo com a experiência humana partilhada desde que temos
informações que permitam reconstruções fidedignas desses ambientes como local
em que se passará uma narrativa, ou pode ser psicológico, quando é produto da
criatividade parcial ou totalmente desconectada do que é entendido como
realidade pela maioria das pessoas, é, portanto, um espaço de fantasia, de
absoluta ficção e não reconhecível pela experiência sensorial das pessoas.
O tempo é outro
elemento crucial em narrativas, até mesmo pelo tipo de temporalidade
imprescindível para esse tipo de texto. Pode ser usado como forma de denunciar
transformações no espaço da narrativa ou nos personagens, o que é perceptível
nos filmes “Era uma vez na América” e “O curioso caso de Benjamim Button”
respectivamente; como mecanismo de controle ou mesmo facilitador do
entendimento a respeito da ordem em que os episódios ocorrem na narrativa, o
que é muito perceptível na série “24h” ou no filme “Matrix”. Pode ser
grosseiramente, quanto a sua abordagem, dividido em dois tipos: tempo
cronológico, que é aquele que pode ser medido, mensurado e percebido em acordo
com a percepção média das pessoas a respeito de sua passagem; ou psicológico,
quando admite-se a interferência de ponto de vista particular na construção ou
mesmo na percepção da passagem do tempo, o que faz com que uma narrativa longa
possa compreender um recorte temporal de um dia ou menos; ou ainda de não ser
possível precisar ou quantificar o tempo passado ao longo da história.
Os personagens são os
responsáveis pela existência do enredo pelo fato de ser nas relações entre eles
que o conflito, o drama ou a trama é desenvolvido num espaço e num tempo em que
se enredam histórias contadas por um narrador, que é o responsável por trazer à
“vida” novamente aqueles personagens históricos já mortos, como é o caso de
Sarah Bernhardt e Dom Pedro II no livro “O xangô de Baker Street”, ou mesmo dar
“vida” a personagens produtos da ficção como o Bento de “Dom Casmurro”.
Personagens podem ser descritos de forma detalhada e criteriosa já no início da
narrativa ou podem ser descobertos ao longo do texto muito mais pelas suas
ações e pela forma como são vistos por outros personagens do que por uma
descrição objetivo do autor. Ainda sobre esse elemento da narrativa,
personagens podem, quanto à relevância e a função ocupada em uma história, ser
protagonistas, antagonistas ou coadjuvantes. Essa classificação tradicionalmente
constrói-se sob dois aspectos: o maniqueísmo e a importância. Assim o
protagonista ou o herói seria a representação do bem na narrativa, e o mal
seria representado pelo antagonista ou vilão, ambos tratados como os
personagens mais importantes dela. Por meio disso, são definidos os
coadjuvantes ou personagens secundários como aqueles de importância variada
numa narrativa, mas de relevância sempre menor do que os que a protagonizam.
Nos últimos séculos e mais intensamente do século XIX em diante, a ideia de herói
e vilão foi sendo, em muitas obras, subvertida em favor da construção de
personagens mais humanos. Tais novos ares foram decisivos em particular para a
figura do protagonista, que de herói passou muitas vezes a anti-herói, não
porque vilão, mas porque humano, como os leitores, portanto há um palco onde
mal e bem digladiam, onde virtudes e defeitos revezam-se ou mesclam-se, isto é,
essa outra configuração do protagonismo narrativo rompe com o cânone clássico
que associa o protagonista ou herói à beleza, à força física e espiritual, à
perfeição, à grande capacidade de solução de conflitos, à liderança social e às
virtudes éticas unicamente. Como decorrência disso, foi constituído esse tipo
de personagem baseado numa conjunção de elementos que muito o aproximam das
pessoas comuns ou mesmo incomuns, mas, sobretudo, reais, que se fazem
anti-heróis não pela maldade, mas pela fraqueza diante das tentações, dos
desejos, dos medos, etc. Logo, anti-heróis são construídos por força da
humanidade e da insignificância de um Gregor Samsa no livro “A metamorfose” de
Franz Kafka; da loucura sábia e lúdica de um Geraldo Viramundo, personagem
principal de “O Grande Mentecapto” de Fernando Sabino; da crueza e da
honestidade moral dos ex-defuntos de “Incidente em Antares” de Érico Veríssimo;
da insensibilidade e frieza de Michael Corleone no clássico “O poderoso chefão”
de Mário Puzzo; do desregramento e do revisionismo de Rémy Girard, o já
clássico protagonista do filme “Invasões bárbaras”; etc. Personagens podem
ainda ser vistos como planos quando nada ou pouco mudam ao longo de uma
narrativa ou redondas quando sofrem alterações significativas na sua forma de
proceder, ser ou pensar ao longo da história.
O foco narrativo pode
ser compreendido de forma simples e didática como uma perspectiva assumida pelo
narrador para apreciar, acompanhar, descrever, enfim, narrar. Uma história pode
ser contada em primeira pessoa do discurso, o que confere ao narrador o papel
também de personagem do relato que conta. Dessa forma, como protagonista ou
coadjuvante da história na qual ele está envolvido, narra sob uma perspectiva
algo privilegiada, que é a de contar uma história da qual fez parte. Por outro
lado, uma narração pode ser feita em terceira pessoa do discurso, quando o
narrador assume uma perspectiva de quem não participa da história. O narrador
em terceira pessoa pode ser observador ou onipresente, quando narra uma
história de acordo com as limitações humanas, ou seja, sem aparentar
conhecimento sobre o futuro ou mesmo sobre o passado dos personagens, sem
narrar eventos simultaneamente e sem conhecimento sobre as sensações,
sentimentos e pensamentos íntimos dos personagens. Este foco narrativo é mais
comum em narrativas centradas na ação e no suspense, assim é um tipo de
narrador muito frequente em histórias policiais, de guerra e de terror. Além
dessa perspectiva, o narrador pode também ser onisciente quando ele aborda uma
história também sob a premissa da onipresença, pois tem um controle sobre o que
narra digno de ser muito superior às capacidades humanas, visto que as supera
em função de que não tem as - já descritas - limitações dela, por isso narra o
que acontece em locais diferentes de forma simultânea, o que se passa no íntimo
dos personagens e sobre o passado e o futuro deles.
Estrutura da narrativa - quanto à estrutura
de textos narrativos, pode-se dizer que a maioria das narrações organiza-se em
torno de uma apresentação, em que um equilíbrio de forças é
sugerido ou mostrado, personagens são apresentados e referências espaço-temporais
são marcadas. O desenvolvimento é a parte em que o conflito
narrativo é estabelecido e desenvolve-se com o objetivo de ser solucionado - em
tese - da forma mais interessante e imprevista possível. O clímax é
o momento mais intenso e crítico da narrativa, dele deriva a solução para o
conflito desenvolvido, embora não se possa esperar apenas resultados positivos
desse processo, porque o equilíbrio alcançado posteriormente pode ser muito
diferente daquele informado ou sugerido na introdução. A última parte
convencionalmente de uma narrativa é a conclusão ou desfecho, em
que se apresenta a solução para o conflito criado pelas ações dos personagens,
o que restabelece, portanto, o equilíbrio na narrativa. Importante informar que
partes de uma narrativa podem ser suprimidas como a conclusão ou a introdução
ou a ordem delas pode ser modificada, como ocorre em muitas produções da
atualidade no cinema e na literatura, são exemplos os filmes “Adaptação”,
“Transpotting”, etc.
Relato - segundo o
dicionário Houaiss, o termo “relatar” refere-se à exposição oral ou
escrita de um fato ou mesmo narrar, expor, referir. Assim, percebe-se que a
tipologia textual narrativa que é o principal mecanismo construtor do gênero
textual relato, no qual se informa o leitor sobre alguma experiência de vida do
escritor ou sobre algum acontecimento que ele tenha presenciado ou sabido.
Diante disso, o relatar deve ser situado no tempo e no espaço.
O relato é um gênero textual em que se
conta um fato que ocorreu com o narrador ou com outra pessoa circunscrito a um
intervalo específico e determinado de tempo, ainda que possa haver, embora
incomuns, relatos construídos a partir de motes ficcionais. Também é comumente
escrito com reflexões acerca das experiências vividas ou vivenciadas. Em outras
palavras, geralmente, tais relatos devem nos servir para refletir sobre
acontecimentos da vida e sobre o que aprendemos ao vivê-los. Um relato tem como
características principais:
- Contextualização inicial do relato, identificando tema, espaço e período;
- Identificação do relator como sujeito das ações relatadas e experiências vivenciadas, ou seja, o narrador deve ser personagem, o que deve ser confirmado pela proposição geral da proposta de redação;
- O discurso indireto é a única possibilidade de comunicação das falas dos personagens do relato. O discurso direto será penalizado.
- É importante reforçar o uso de tempos verbais predominantemente no passado e com expressões temporais, como “Naquela manhã”, “Depois”, “Em seguida”, etc.;
- Linguagem informal é mais comum, ainda que isso dependa das orientações da banca sobre como proceder na confecção do texto.
Exemplos:
Texto 01.
“João Carlos Martins herdou a paixão
pela música de seu pai José, que teve seus estudos de piano interrompidos ainda
na infância, quando perdeu um dos dedos da mão direita em uma máquina de
corte, na gráfica onde trabalhava.
A paixão pela música, no
entanto, seria passada para a próxima geração e o acidente ocorrido com
sua mão foi o primeiro de uma série que iria marcar a história da família.
Em 1940 nasceu João Carlos Martins, 4º
filho de José, que logo se tornou amante da música, assim como seu irmão,
José Eduardo. Desde as primeiras aulas de piano João já demonstrava grande
talento, e aos 8 anos venceu seu primeiro concurso tocando obras de Bach.
João se tornou o maior intérprete
mundial de Bach, mas teve vários incidentes ao longo da vida envolvendo suas
mãos, que hoje estão atrofiadas.
Aos 63 anos João iniciou uma nova
carreira, como regente e mais uma vez surpreendeu a todos com sua dedicação.
Hoje com 69 anos, ele se sente agradecido por ser brasileiro e poder continuar
levando a música às todas as camadas sociais, provando que ‘A música venceu’.”
Texto 02.
A reta final
Quando chegou meu primeiro dia de ir
para escola estava muito ansiosa pensando o que iria encontrar pela frente.
Crianças, iguais a mim, meus futuros amigos, professores, obstáculos e uma
grande insegurança, pois estava deixando o aconchego da minha casa para
compartilhar parte do meu dia com pessoas estranhas e diferentes.
Desde que iniciei na escola até hoje
sempre gostei de estudar, aprender, trocar ideias acho que sempre temos algo á
aprender e á ensinar. Pensava em dar continuidade aos estudos, em cursar nível
superior, mas sem muitas condições financeiras, acabei adiando este sonho como
tantas outras pessoas que lutam pra ingressar em uma faculdade, mas se limita a
isso, apesar de minha família sempre me incentivar a estudar.
No ensino fundamental estudei em três
escolas e no ensino médio em duas, apesar dos obstáculos que encontrei, como a
mudança de uma escola para outra, a conquista de novas amizades e novos professores,
nunca desisti, procurava me esforçar e conseguir terminar no mínimo o segundo
grau. Foi o que fiz.
Passados alguns anos, depois de fazer
alguns cursos, fui incentivada pelo meu namorado a prestar o vestibular, me
inscrevi já com orgulho de mim mesma, pela coragem de encarar mais este
obstáculo. Não imaginava que iria passar devido aos vários anos longe da
escola. Além disso, surgia à dúvida entre qual curso eu escolheria. Fiz minha
inscrição e decidi fazer Pedagogia, para minha surpresa passei em 1ª chamada,
fiz minha matrícula e ingressei no curso.
Durante a minha caminhada tive algumas
dúvidas se era realmente este caminho que gostaria de seguir, pensava: Vou ser
professora, será que é isso que realmente quero... Ficava um pouco confusa,
pois além da dúvida, havia as pessoas que criticavam as minhas escolhas,
dizendo: Tu vai ser professora para ganhar uma miséria? Tranquei minha
matrícula por dois anos, pensei, repensei e pensei de novo. Quando surgiram
algumas especializações na área, decidi voltar, pois haveria mais opções de
escolha dentro da área de Pedagogia e não somente dar aula. Se não me saísse
bem na sala de aula, teria outras opções.
Hoje estou a um passo de concluir meu
curso e sinto muito orgulho quando as pessoas perguntam quando vou me formar e
posso responder: “Me formo ano que vem...”. Achava que este dia não iria chegar
tão cedo. Imagino o dia da minha formatura, que as pessoas que eu amo estarão
lá me assistindo, penso nos amigos torcendo por mim, pela minha conquista.
Imagino a música tocando no momento que chamarem meu nome. Quero que este dia
seja inesquecível, pois tenho certeza que naquele momento as pessoas próximas
vão lembrar do quanto custou minha caminhada até realizar este sonho, as
desilusões, as perdas e ganhos, as decepções até conseguir chegar aonde
cheguei.
Relembro o início da minha vida como
estudante e da satisfação em estar conquistando mais um sonho na minha vida,
que quase estava sendo deixado de lado.
Mas não deixo de citar uma pessoa muito
importante na realização desta conquista. Uma pessoa que sempre me ajuda muito
que preciso, meu namorado Wagner, hoje meu marido. Graças ao incentivo dele, da
sua insistência, da sua compreensão durante todos estes anos, estou na reta
final da realização de mais um dos nossos sonhos, e espero que este seja apenas
um alicerce que sustente os próximos sonhos que pretendemos realizar juntos. (Keli
Cristina Till)
Texto 03.
[...] Em Santos, onde morávamos, minha
mãe me lia histórias, meu pai gostava de declamar poesias. Foi em um momento da
escola - 6ª série hoje – que li do começo ao fim um romance: Inocência,
de Taunay. Essa é minha mais remota lembrança de leitura de um romance
brasileiro. Lia o livro aberto nos joelhos, afundada numa poltrona velha e
gorda, num quartinho com máquina de costura, estante cheia de livros e
quinquilharias e vez ou outra atrapalhada por uma gata branca chamada Minnie.
Até então leitura era coisa doméstica.
Tinha a ver apenas comigo mesma, com os livros que havia na estante de meu pai
e com os volumes que avós, tias e madrinhas me davam de presente. No cardápio
destas leituras, Monteiro Lobato com seu sítio do pica-pau amarelo, as
aventuras de Tarzan, gibis e mais gibis.
Mas um dia a escola entrou na história.
Dona Célia, nossa professora de
português, mandou a gente ler um livro chamado Inocência. Disse que
era um romance. Na classe tinha uma menina chamada Maria Inocência. Loira
desbotada, rica e chata. Muito chata. Alguma coisa em minha cabeça dizia que um
livro com nome de colega chata não podia ser coisa boa.
Foi por isso que com a maior má vontade
do mundo é que comecei a leitura do romance. O livro começou bem chatinho, mas
depois acabei me interessando por ele. Não o incluo entre os melhores livros
que li, mas foi ele quem me ensinou a ler romances e a gostar deles,
desconfiando primeiro, abrindo trilhas depois e, finalmente, me entregando à
história.
Depois vieram outros, em casa e na
escola. Com o tempo virei uma profissional da leitura, dando aula de literatura
em colégios, cursinhos e faculdades.
Assim, livros e leituras foram ocupando
espaços cada vez maiores. Na minha casa e na minha vida. A estante do quartinho
dos fundos ampliou-se. Falar de livros virou profissão e muitos outros romances
brasileiros continuaram a construção da leitora que sou hoje. (Marisa Lajolo)
Texto 04.
“Noite escura, sem céu nem estrelas.
Uma noite de ardentia. Estava tremendo. O que seria desta vez? A resposta veio
do fundo. Uma enorme baleia, com o corpo todo iluminado, passava exatamente sob
o barco, quase tocando-lhe o fundo. Podia ser sua descomunal cauda, de
envergadura talvez igual ao comprimento do meu barco, passando por baixo, de um
lado, enquanto do outro, seguiam o corpo e a cabeça. Com o seu movimento verde
fosforescente iluminando a noite, nem me tocou, e iluminada seguiu em frente.
Com as mãos agarradas na borda, estava completamente paralisado por tão
impressionante espetáculo— belo e assustador ao mesmo tempo. Acompanhava com os
olhos e a respiração seu caminho sob a superfície. Manobrou e voltou-se de novo,
e, mesmo maravilhado com o que via, não tive a menor dúvida: voei para dentro,
fechei a porta e todos os respiros, e fiquei aguardando, deitado, com as mãos
no teto, pronto para o golpe. Suavemente tocou o leme e passou a empurrar o
barco, que ficou atravessado a sua frente. Eu procurava imaginar o que ela
queria.” (Amir Klink)
Muito obrigado por disponibilizar esse texto, ele foi de muita utilidade pra mim
ResponderExcluirAjudou demais!! Esclareceu minhas dúvidas, muito obrigada.
ResponderExcluirO relato precisa de paráfrase?
ResponderExcluirTodos os gêneros propostos na prova de redação da UFU possuem como elemento obrigatório a paráfrase dos textos motivadores.
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