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A música popular
brasileira: uma breve introdução
“(…) Os musicólogos
gastam tempo demais debruçados sobre a música que vem ‘de cima para baixo’ e
não tempo suficiente sobre a que vem ‘de baixo para cima’, a qual coexiste com
a música erudita (…).”
(Joseph Kerman, em
“Musicologia”)
A música brasileira constituiu-se e desenvolveu-se nos
últimos 500 anos a partir da premissa da mistura, da “mestiçagem”, da mescla,
da fusão, da troca cultural, da mixagem, etc., o que não só determinou uma
grande diversidade de expressões e movimentos musicais, como individualizou a
música brasileira ao constituí-la como uma expressão artística ao mesmo tempo
global e regional.
Esse processo iniciou-se com o encontro de tradições
culturais e estéticas europeias com as indígenas – expressão musical mais
antiga e autóctone do Brasil - e posteriormente africanas em solo brasileiro.
Todavia, apesar de nativa e rica, a tradição musical indígena foi timidamente
incorporada às tradições musicais que viriam a definir o que se chama
genericamente de música brasileira. Isso ocorreu e ainda ocorre em função do
preconceito contra a cultura indígena e também pela resistência relativa - por
parte do índio - aos referenciais culturais europeus, o que dificultou, por
outro lado, que ele pudesse expor e de forma dialética influenciar também o
português como o fez o negro africano. Por isso, as tradições musicais dos
índios do Brasil ficaram de forma mais evidente isoladas em ritmos de caráter
folclórico e regional.
Essa importância do português como uma espécie de
involuntário organizador ou mesmo possibilitador dessas intensas trocas
culturais também se deve ao fato de que Portugal era a ponte, até o século XIX,
para a maior parte das influências estéticas eruditas e populares europeias que
chegavam ao Brasil como a polca, a modinha, a opereta italiana, etc.
Até o século XIX, os portugueses também foram, junto com
a inequívoca e potente influência estética e cultural das muitas etnias de
negros africanos trazidas ao Brasil, os introdutores da ampla maioria dos
instrumentos musicais que ajudariam a definir a música brasileira - com exceção
do tambor e do consequente batuque, que são africanos em cada timbre e síncope –
são responsáveis por introduzir na cultura brasileira diversos sistemas
harmônicos e melódicos; tradições poéticas; vários ritmos e andamentos
musicais; incontáveis formas de dançar; etc.
Com as imigrações de outras nacionalidades europeias para
o Brasil, ao longo do século XIX até a metade do XX; com o enfraquecimento da
influência portuguesa no Brasil e com o advento das tecnologias facilitadoras
das trocas culturais, que trouxeram a contundente e, por vezes sufocante,
contribuição da cultura pop norte-americana para a cultura brasileira; outras
culturas passaram a diretamente influenciar a música brasileira e um
intercâmbio estético intenso e dinâmico começou a ocorrer, daí elementos
artísticos estrangeiros muito mais numerosos e diversos seguiram sendo
incorporados, diluídos, interpretados, copiados e modificados pelos músicos
brasileiros. Como é o caso do Tango da Argentina, do Bolero da Espanha, da
música erudita moderna da Europa, do Jazz e do Rock estadunidenses, do Reggae
da Jamaica, dos ritmos latinos da América Central, da música eletrônica
europeia, do Miami Bass e da música negra (Rhythm’n’Blues, Funk, Soul, RAP,
etc.) estadunidenses, do Heavy Metal europeu, etc.
Na aurora do século XX, a influência africana na música
brasileira passou a ficar não só mais evidente como se tornou praticamente
hegemônica na maioria dos ritmos mais populares ao longo do século XX. Aliás,
foi justamente em função desse processo que a música feita no Brasil passou a
ter contornos essencialmente brasileiros e autorais, menos pela novidade e mais
pela ousadia de compor misturas até então inéditas na música ocidental como são
os casos do Choro e da Bossa Nova. Concomitantemente, o Samba se elevaria como
a síntese de todo esse processo e também se tornaria não só o símbolo máximo da
produção musical brasileira, como também seria seu fio condutor.
Depois Segunda Guerra, a sociedade brasileira passou a
ter uma mais farta inserção dos meios de comunicação dentre a população mesmo
de lugares distantes do interior com o advento da popularização do rádio, o que
determinou a Era do Rádio, quando cantores e cantoras tornaram-se ídolos
nacionais, graças ao talento e a nova exposição possibilitada pela capilaridade
e pelo alcance inéditos desse meio de comunicação. Mais tarde viriam a Bossa
Nova, a Jovem Guarda, a Era dos Festivais, o Tropicalismo, o desenvolvimento do
rock e do rótulo MPB, a música “black” que viria a dar origem ao Funk carioca e
ao RAP, os desdobramentos e ramificações do samba, o tecnobrega, o axé, o pop
sertanejo, etc.; os quais enfaticamente decretaram a alma plural, controversa e
mestiça da música brasileira.
Dentro desse contexto, do diálogo, da interação e da
competição entre variados gêneros musicais estrangeiros nasceu uma enorme
diversidade de estilos, movimentos ou outros gêneros musicais brasileiros, que
se diversificam quanto mais eles se relacionam para produzir subestilos, novas
expressões ou mesmo tendências, por vezes, tão fugazes quanto bem sucedidas,
ainda que por um breve período apenas.
Portanto, a música brasileira, desde sempre, foi produto
de diversas influências e fusões desde os momentos iniciais do processo
colonizatório português quando jesuítas trouxeram a música sacra europeia como
recurso de evangelização e dominação dos índios brasileiros até a miríade de
possibilidades ofertadas pela internet nos tempos atuais. Assim, múltiplas
referências estéticas estrangeiras e locais foram fundadoras da música
brasileira, mesmo porque o símbolo que define grande parte da música feita no
Brasil é justamente a mistura, o amálgama, a síntese, etc., que são produtos da
diversidade étnica e cultural representada primeiro pelos índios, depois pelos
negros africanos e mais tarde, para além da influência portuguesa, pelos muitos
aventureiros, imigrantes, conquistadores, degredados, fugitivos, idealistas dos
mais diversos confins do planeta que, em terras brasileiras, por escolha ou por
falta dela, ajudaram a desenvolver uma cultura estética e artística híbrida,
mestiça e singular. Dessa forma, não só convém como se justifica o estudo de
estilos, movimentos e concepções musicais estrangeiras para melhor entender a
música brasileira.
Professor Estéfani Martins
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