domingo, 19 de fevereiro de 2017

Redação - Argumentação e retórica, por Estéfani Martins

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“A argumentação não age sobre evidências. O que é evidente não necessita nem de demonstração nem de apresentação de argumentos a favor ou contra. A argumentação não pode ser a afirmação da verdade, porque todo o verdadeiro diálogo nunca esgota a possibilidade de investigação da verdade.”
(Carlos Ceia)

“Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões, em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente.”
(Othon M. Garcia)

A Retórica é a ciência que reúne técnicas de organização do discurso utilizadas com o intuito de convencer um interlocutor por meio de estratégias linguísticas, argumentativas e estruturais, chamados neste estudo recursos retóricos ou argumentativos, que fazem determinado conteúdo ou informação mais potente e persuasivo. Ainda que na Antiguidade Clássica, em especial na Grécia, esteja a origem dessa ciência e o uso consciente e predominantemente oral dessas técnicas, na maioria das vezes, em favor da dialética e da democracia, posteriormente, ela passou a ser vista como sinônimo de discursos empolados, vazios ou mal intencionados.
Essa concepção equivocada era frequentemente associada aos estudos retóricos até o início do século XX, quando princípios dessa ciência passaram a ser estudados com mais seriedade e menos afetação. Hoje, além de ser amplamente estudada na academia, ela pode ser percebida também com grande intensidade no processo de construção de diversos discursos escritos, ou mesmo em naqueles que contenham linguagem verbal e não verbal ao mesmo tempo, como é o caso muito frequentemente estudado do discurso da propaganda e da arte sequencial.
Assim, a Retórica manifesta-se em diversos contextos e por muitos meios na sociedade atual, são exemplos os casos de letras de bandas como O Rappa e Rage Against the Machine, como “Lado B Lado A” e “Freedom” respectivamente. Grande parte da obra de Chico Buarque também pode ser vista como detentora de uma intenção, às vezes, velada, de argumentar em favor de uma causa ou de uma ideologia, são exemplos as músicas “Deus lhe Pague”, “Construção”, “Cálice”, etc. Ainda que, pode-se entender que quaisquer textos carregam uma intencionalidade, o que faz deles, mesmo que de forma sutil ou quase imperceptível, exemplos de argumentação, muitas vezes, inclusive mais potentes, justamente por serem reconhecidos como não providos de argumentos ou de defesas de uma dada e determinada concepção de mundo, são exemplos a maioria das narrativas literárias que para muitos são desprovidas de argumentação, mas são, ao contrário, carregadas de concepções de mundo e de argumentação como é o caso do machismo e do maniqueísmo típicos dos contos de fadas.
Nas artes visuais, foram vários os artistas que tiveram o objetivo de, com suas obras, expor um ponto de vista acerca de um fato, um acontecimento histórico ou mesmo uma pessoa, são exemplos.

Clique abaixo para ter acesso à publicação completa.

Texto 01.
Gentileschi, Artemisia (1593-1652) pintora barroca italiana - 1620 - Judite degolando Holofernes.

Texto 02.
Freud, Lucian Michael (1922) pintor alemão - ost - Supervisora de benefícios dormindo.

Texto 03.
Manzoni, Piero (1933-1963) artista italiano (Arte Conceitual) - 1961 - Merda do Artista.

A Retórica, junto a dialética e a gramática, era uma das "três artes liberais" ou "trivium" ensinadas em diversas faculdades da Idade Média. Atualmente, um dos espaços mais privilegiados para o emprego Retórica é a publicidade, já que ela é um elemento crucial para alcançar o objetivo de uma propaganda e mesmo da linguagem publicitária. A Retórica, nesta área do conhecimento humano, é usada amplamente no sentido de tornar produtos ou ideologias mais atraentes para seus consumidores, ainda que alguns processos de construção de argumentos para se justificar o consumo sejam construídos por meio de exageros, falácias, mentiras ou manipulações, como é o caso das propagandas de sabões em pó até o início do século XXI, ainda assim recursos retóricos foram empregados. É importante ressaltar que, quando empregada de forma eticamente responsável, ela pode ajudar tanto a construir mensagens muito persuasivas quanto ricas estética e ideologicamente, como é o caso das polêmicas e instigantes campanhas da Benetton a seguir:

Texto 04.
Texto 05.



Texto 06.

Importante também é ressaltar que a imagem, dessa forma, pode constituir uma peça retórica em virtude das ideias que implícita ou explicitamente ela defende ou evoca. O século XX é chamado por muitos de “século da imagem” graças a certa popularização de tecnologias como a fotografia, o cinema e a televisão, que foram responsáveis por ampliar o universo da imagem reproduzida para além do escopo da arte. Assim, popularizaram-se também imagens como veículos de contestação, denúncia ou inspiração, provenientes primordialmente do jornalismo, o qual foi acrescido de grande força em função do poder persuasivo e sedutor da imagem oriunda da fotografia, da ilustração e da arte sequencial, como é o caso dos exemplos abaixo:

Texto 07.
Malcolm W. Browne, USA, The Associated Press.
Nota: Saigon, Vietnã do Sul, 11 de junho de 1963. O monge budista Thich Quang Duc ateia fogo no próprio corpo em protesto contra a perseguição religiosa operada pelas forças do governo sul-vietnamita.

Texto 08.
(Nick) Ut Cong Huynh, Vietnam, The Associated Press.
Nota: Trangbang, Vietnã do sul, 8 de junho de 1972. Phan Thi Kim Phuc (no centro) corre após ter sofrido sérias queimaduras em função do bombardeio com napalm sofrido por sua vila.

Texto 09.
Jean-Marc Bouju, França, The Associated Press.
Nota: An Najaf, Iraque, 31 de Março de 2003. Homem iraquiano conforta o seu filho em um centro de detenção, controlado por forças norte-americanas, de prisioneiros de guerra.

Texto 10.
World Press Photo of the year (2017)
Santi Palacios, Espanha.
Nota: Irmãos nigerianos choram a morte da mães em um barco de resgate de refugiados no mar do Mediterrâneo próximo à Líbia.

Texto 11.
Texto 12.

Texto 13.
Resultado de imagem para imagens históricas

Texto 14.
Resultado de imagem para propaganda cigarro
Fonte: http://hypescience.com/10-inacreditaveis-anuncios-propagandas-cigarros/

Logo, a Retórica é uma ciência fundamental para se entender não só as intenções e os argumentos que constroem a maior parte dos discursos com os quais se pode ter contato em sociedade, mas também fornece elementos para que seja possível o debate de maneira civilizada e pacífica. Com isso, o domínio de recursos argumentativos ou retóricos faz não só o produtor ou leitor dos mais variados textos mais atento aos recursos linguísticos usados de forma argumentativa, mas também garante que as pessoas se socializem sem perderem a autonomia intelectual, estética e ética que as faz indivíduos únicos e hábeis produtores e decodificadores de discursos.
Nesse contexto, entende-se a argumentação como um grupo de processos pelos quais um locutor, por meio do discurso e de estratégias objetivas ou subjetivas, almeja convencer um interlocutor a respeito de um ponto de vista. A maioria dos processos argumentativos eficientes sustenta-se na solidez do raciocínio e na confiabilidade das comprovações dele. Tais recursos são entendidos como todos os fatos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos (tabelas, números, mapas, etc.) e os testemunhos que sirvam para auxiliar a validação de argumentos que visem confirmar determinada hipótese por meio de relações de causa e consequência; de considerações históricas; de analogias; de discursos de autoridade; de enumerações; etc.
Portanto, a Retórica, sustentada por uma série de mecanismos argumentativos, é uma ciência não só atual, mas necessária para a construção de uma sociedade mais justa, mais democrática e mais consciente do poder da linguagem. Por outro lado, também é conhecimento indispensável para candidatos a vagas em universidades, tendo em vista que não mais só nas redações, mas também nas provas de Língua Portuguesa ou Códigos e Linguagens são exigidos conhecimentos apurados sobre como se constrói um processo argumentativo.

Texto 15.


Recursos (estratégias) retóricos ou argumentativos

“Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.”
(Machado de Assis)

“Argumentar é, pois, em última análise, a arte de, gerenciando informação, convencer o outro de alguma coisa no plano das idéias e de, gerenciando relação, persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa que nós desejamos que ele faça.”
(“A arte de argumentar”, Antônio Suárez Abreu)


Recursos retóricos (tipos de argumentos, estratégias argumentativas, etc.) são ferramentas empregadas especificamente para tornar o discurso mais convincente e eficaz, servem também como mecanismos capazes de moldar uma ideia de forma que ela se torne mais razoável, lógica, palpável, etc., para seus receptores. Para muitos, tais estratagemas não são normalmente definidos por meio do processo pelo qual se estabelecem ou se organizam, mas pelas razões que justificam o seu uso, o que é equivocado, já que eles são ferramentas sem qualquer caráter, mesmo porque dependem do homem para existir, enfim são estratégias que podem ser usadas para causas nobres, fúteis, escusas, etc., e isso não depende delas, mas da pessoa que as emprega em seu discurso.
Vale lembrar que são muitos os recursos retóricos fundamentados na razão e na lógica, além disso, vários deles são fundamentados em ferramentas subjetivas como emoções, no contexto da enunciação, nos costumes, na intenção comunicativa, no conhecimento dos interlocutores, na desqualificação do interlocutor, etc. Diante dessa grande diversidade, é importante informar que os recursos retóricos listados a seguir são aqueles mais utilizados no âmbito científico, jornalístico, artístico e mesmo no cotidiano. Tal diversidade de formas de se argumentar é muito bem lembrada no “Sermão da Sexagésima” em que Padre Antônio Vieira teoriza categoricamente sobre quais ferramentas garantem a criação de um sermão vigoroso e convincente, em última instância, um texto argumentativo eficiente e capaz de convencer os interlocutores.

“Há-de tomar o pregador uma só matéria; há-de defini-la, para que se conheça; há-de dividi-la, para que se distinga; há-de prová-la com a Escritura; há-de declará-la com a razão; há-de confirmá-la com o exemplo; há-de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há-de responder às dúvidas, há-de satisfazer as dificuldades; há-de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há-de colher, há-de apertar, há-de concluir, há-de persuadir, há-de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.”

1 – Emprego de variações linguísticas (competência linguística)
Os recursos retóricos linguísticos são determinados pelo uso consciente que se faz do respeito ou não em relação às normas gramaticais brasileiras, ou seja, são estratégias qualificadoras do discurso por meio do emprego de variação linguística adequada a uma dada situação comunicativa em função das condições de enunciação e dos interlocutores típicos dela. Isso é fato mesmo porque o simples uso da norma padrão é um meio de se afirmar e, muitas vezes, potencializar um discurso em função da forma como ele é comunicado, de modo alheio ou até independente do seu conteúdo. Contudo, a junção de variação linguística adequada e conteúdo pertinente, lógico e bem referenciado é razão de existência de textos não apenas eficientes quanto às suas intenções, mas valiosos para a sociedade como veículos de debates, novas ideias e desenvolvimento.
Por outro lado, diversos poemas de autores modernistas brasileiros, por exemplo, foram transgressores em relação às regras gramaticais para defender uma arte menos controlada por regras e imposições estéticas, mesmo as da Gramática. Para tanto, conscientemente, autores como Oswald de Andrade e Mário de Andrade romperam com a norma padrão da língua em muitas de suas criações, especialmente com o discurso erudito, que dominou a poesia do século XIX, em especial a parnasiana, a qual é - de forma sistemática - criticada pelos poetas modernistas brasileiros em seus poemas escritos com palavras oriundas do discurso da oralidade ou dos padrões linguísticos típicos das classes sociais mais humildes e menos abastadas. Eis um exemplo desse recurso linguístico e argumentativo:

Vício da fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados. (Oswald de Andrade)

2 – Ordenação das ideias, informações e percepções
A forma como as ideias são ordenadas mostra uma série de intenções argumentativas. Esse processo pode se dar de variadas formas, seguem algumas possibilidades de ordenação do discurso por razões argumentativas.
No plano sintático, pode-se entender que a escolha por colocar as ideias na ordem direta pode sugerir intenções de se construir um texto de forma clara e precisa com o intuito de favorecer o entendimento da maior parte possível de interlocutores a respeito dele. Por outro lado, a ordem indireta, que pode ocorrer em diversos níveis de intensidade, sugere certa preocupação do autor em dizer ou escrever de modo menos convencional do que o usual, o que pode produzir desde alguma dificuldade por parte do interlocutor para decodificar o texto até a completa incompreensão do enunciado. Tais escolhas podem sugerir diversas intenções por parte do locutor, as quais incluem o desejo de mostrar erudição para submeter pela forma do discurso seus interlocutores ou a orquestração de um meio de selecionar aqueles que podem ou devem compreender um texto daqueles que não podem ou ainda dar destaque maior a uma parte de uma sentença. Como no caso das seguintes sentenças:

Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido, embora fosse um extraordinário poeta.
Embora fosse um extraordinário poeta, Mario Quintana nunca teve em vida o reconhecimento merecido.

A ordem do discurso pode ser também temporal, quando as ideias são organizadas de modo cronológico com o intuito de propiciar ao leitor mais facilidade e conforto para compreender uma determinada tese. Esse recurso pode configurar o início de um processo de convencimento calcado no didatismo e na historicidade da ideia ou conceito a ser defendido ou questionado.

“As Copas do Mundo são ricos observatórios. Em 1938, o goleiro das Índias Holandesas Orientais, futura Indonésia, pretendeu proteger seu gol do ataque húngaro amarrando na rede uma boneca como amuleto. Como parte do equipamento que a Escócia levou para a Copa da Argentina, estavam 456 garrafas de uísque. Na Espanha, em 1982, a seleção do Kwait queria que, antes da partida de estreia, seu mascote, um dromedário, desse a volta em torno do campo.” (H. Franco Jr.)

“Na era pós-moderna, a configuração da identidade pessoal é num sentido decisivo, um projeto corporal. Podemos observar que o corpo tende a se tornar cada vez mais seminal para uma compreensão da identidade pessoal. O ego é constituído em grande parte por meio da apresentação do corpo. É possível ver isto em relação a varias práticas, como o ascetismo ou uma dieta, que outrora tinham uma finalidade mais espiritual, mas agora tem a ver principalmente com a moldagem do corpo. Foi só no fim do período vitoriano que as pessoas começaram a fazer dietas com o objetivo de alcançar um ideal especificamente estético. Sem dúvida, na cultura helênica, a aristocracia mantinha um ideal de moderação de consumo de alimentos porque isso indicava autocontrole. De maneira semelhante, jejuar era uma prática cristã central na Idade Média, indicando que o espírito era mais forte que a carne. Mas a diferença decisiva era que essas práticas tinham menos a ver com o corpo por si só que com o espírito nele alojado. Além disso, elas eram observadas sobretudo nos escalões mais altos da sociedade. A dieta do final do período vitoriano, por outro lado, foi um fenômeno que se difundiu na classe média e estava relacionada com a regulação do consumo de alimentos, de tal modo que disso resultasse um corpo idealizado, esbelto. Seus aspectos ‘espirituais’ eram claramente secundários. Isso não quer dizer que conotações ‘espirituais’ estivessem de todo ausentes. A obesidade era considerada, e em grande medida ainda é, um indicador de qualidades morais e mentais como preguiça e falta de força de vontade. O importante é que não era para combater essas qualidades mentais que a dieta era empreendida: o que a motivava era o desejo de moldar o corpo, não a alma. Desde então, essa tendência só se intensificou.” (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")

Um discurso pode ser argumentativo em função de uma ordem lógica construída em torno de relações de causa e consequência como meio de explicitar as ações e as reações de indivíduos, grupos e instituições em determinados contextos. Tal estratégia, que é uma das mais utilizadas em variada sorte de argumentações, pode servir para tornar determinada tese mais potente em função das relações causais estabelecidas para defendê-la ou refutá-la, o que pode facilitar o convencimento do interlocutor a respeito de determinado ponto de vista por causa do pragmatismo desse recurso retórico. Exemplos interessantes desse uso são o trecho do discurso de posse do presidente dos EUA Barack Obama e os aforismos extraídos das obras de Fernando Pessoa e Herbert Blumer respectivamente.

“Que estamos no meio de uma crise agora já se sabe muito bem. Nossa nação está em guerra contra uma extensa rede de ódio e violência. Nossa economia está muito enfraquecida, uma conseqüência da ganância e irresponsabilidade por parte de alguns, mas também de nossa falha coletiva em fazer escolhas difíceis e em preparar a nação para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos cortados; empresas fechadas. Nosso sistema de saúde é caro demais; nossas escolas falham demais; e cada dia traz mais provas de que a maneira como utilizamos energia fortalece nossos adversários e ameaça nosso planeta.”

“O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.”

“Os esforços de uma classe de elite para se diferenciar na aparência não são a causa do movimento da moda, mas ocorrem dentro dele. O prestígio de grupos de elite, em vez de estabelecer a direção do movimento da moda, só é eficaz na medida em que esses grupos são reconhecidos como representando e retratando esse movimento. As pessoas de outras classes que seguem conscientemente a moda o fazem porque ela é a moda e não por causa do prestígio distinto do grupo de elite. A moda morre não por ter sido rejeitada pelo grupo de elite, mas por ter dado lugar a um novo modelo mais de acordo com o gosto em desenvolvimento. O mecanismo da moda aparece não em resposta a uma necessidade de diferenciação e emulação, mas em resposta a uma necessidade de estar na moda, de estar em dia com o que é bem-visto, de expressar novos gostos que estão emergindo num mundo em mudança.”

A ordem também pode ser estabelecida por força de uma figura de linguagem chamada gradação que, quando ascendente, também é conhecida como clímax, ou como anti clímax, quando descendente. Assim, ao apresentar os argumentos de forma que, em função de algum fator comum a eles, seja dada a impressão de aumento ou perda de intensidade, produz-se a sensação de que a argumentação cresce em importância ou força. Exemplos dessa prática são muito comuns em sermões, em que a intensidade aumenta em função do fervor religioso e do conteúdo emotivo do discurso; em textos argumentativos nos quais a ordem dos argumentos respeita variáveis como grandeza e abrangência dos exemplos que ilustram e fundamentam os argumentos; entre muitas outras possibilidades. Eis dois exemplos desse recurso:

"(...) um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!" (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)

"Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia." (Antônio Cândido)


3 - Ilustração (recursos narrativos, expositivos, descritivos, etc.)
Neste recurso para conferir confiabilidade ao que se afirma são usados recursos como histórias de amplo conhecimento ou pertinentes o bastante para ilustrarem com vigor a afirmação feita. Servem a esse propósito descrições de locais, eventos ou situações ou exposições pormenorizadas de algo que possa reforçar o argumento em questão.

"A condescendência com que os brasileiros têm convivido com a corrupção não é propriamente algo que fale bem de nosso caráter. Conviver e condescender com a corrupção não é, contudo, praticá-la, como queria um líder empresarial que assegurava sermos todos corruptos. Somos mesmo?
Um rápido olhar sobre nossas práticas cotidianas registra a amplitude e a profundidade da corrupção, em várias intensidades.
Há a pequena corrupção, cotidiana e muito difundida. É, por exemplo, a da secretária da repartição pública que engorda seu salário datilografando trabalhos para fora, utilizando máquina, papel e tempo que deveriam servir à instituição. Os chefes justificam esses pequenos desvios com a alegação de que os salários públicos são baixos. Assim, estabelece-se um pacto: o chefe não luta por melhores salários de seus funcionários, enquanto estes, por sua vez, não funcionam. O outro exemplo é o do policial que entra na padaria do bairro em que faz ronda e toma de graça um café com coxinha. Em troca, garante proteção extra ao estabelecimento comercial, o que inclui, eventualmente, a liquidação física de algum ladrão pé-de-chinelo." (Jaime Pinksky/Luzia Nagib Eluf)

“O carnaval é uma festa moderna, que cresceu mesmo a partir do final do século XIX. O primeiro desfile de escola de samba aconteceu em 1929, e o patrocínio dos jornais foi importante para sua popularização e ‘oficialização’. Antes era algo menor no calendário cultural do Rio. A grande festa da cidade era o Divino, que ocupava o Campo de Santana durante várias semanas. Desapareceu. Nem por isso o Rio deixou de ser o Rio. Tudo muda. E muitas novidades importantes têm origem em desrespeito a tradições. O baiano Hilário queria botar seu terno de Reis nas ruas cariocas. Notando que o 6 de janeiro não era dia de folia no Rio, resolveu sair no carnaval. Deu nos ranchos, nas escolas de samba e assim por diante. Se fosse fiel às regras tradicionais, a cultura da cidade hoje seria bem diferente. Eu adorava o carnaval no Centro do Rio no início dos anos 80. Cacique de Ramos e Bafo da Onça desfilavam gigantescos, empolgadíssimos. Aquilo foi minguando, melancolicamente. Houve ano que não escutei nenhum som de blocos na rua. Hoje há cada dia mais blocos, cada vez maiores. A garotada carioca, de todas as classes, voltou a ter no carnaval sua melhor festa. Você não gosta de blocos comerciais? Não se preocupe, há muitos outros que fogem do comércio. Neste ano vai ter até bloco que só canta marchinhas baseadas em tragédias gregas.” (Hermano Vianna)

4 - Senso comum
O senso comum também é um recurso argumentativo sem rigor crítico muito contestado por causa de sua origem derivada normalmente da tradição, das generalizações, do preconceito, do continuísmo, da superficialidade, etc., muito frequente em provérbios populares, ditados, máximas, etc. Apesar de sua fragilidade lógica e falta de comprovação empírica ou mesmo teórica na maioria dos casos, o senso comum pode ser usado como argumento, especialmente em situações e ambientes onde a tradição, os costumes, os valores socialmente estabelecidos, etc., tenham grande valor. São exemplos, afirmações e suas respectivas defesas como “O brasileiro não gosta de trabalhar”; “O amor é a solução para todos os problemas.”; “A união faz a força.”; “As drogas são um poço sem fundo e um caminho sem volta.”; etc.

5 - Consenso
O consenso é produto de um fato que é normalmente irrefutável tanto pelo universo da ciência quanto pela sabedoria popular. São evidentes e óbvias para a maioria das pessoas, por isso dispensam longas argumentações em seu favor. Ainda que possam ser compreendidos como clichês, dado o seu amplo uso, são pertinentes e produto de uma observação e comprovação cuidadosa da realidade. Ainda que sejam muito utilizadas, há de se ter cuidado com o fato de, para muitas pessoas, ser considerado redundante argumentar exclusivamente por meio de consensos. São exemplos “A escola é a base da sociedade.”; “O continente americano é maior que o Brasil.”; "A alimentação saudável é importante para as pessoas manterem-se saudáveis", "O cuidado no trânsito diminui a chance de acidentes", etc.

6 - Dados científicos e provas concretas
São argumentos sustentados por referências a estatísticas, dados científicos, constatações lógicas, etc., preferencialmente oriundas de instituições de pesquisa e pesquisadores idôneos e competentes.

“Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.” (Frei Betto)

“As estatísticas indicam que entre 33% e 80% de todas as tentativas de suicídio são impulsivas, com menos de cinco minutos entre a decisão e o ato em 24% dos casos, e menos de uma hora em 70% deles. Impedir suicidas de ter fácil acesso a uma arma de fogo durante um momento de crise é crucial para salvar vidas, insistem os médicos.” 
(Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/armas-nova-lei-evitaria-suicidio)

7 – Dedutivos (silogismos)
Argumento baseado na organização lógicas das ideias no discurso de forma que proposições universais ou o mais amplas possível impõe deduções que informam proposições mais particulares e derivadas logicamente das mais gerais. É um tipo de argumentação mais afeita a ciência do que a indução por ser aquela de ordenação mais lógica e com menor possibilidade de sofrer distorções e manipulações do que esta.

“A história da cultura renascentista nos ilustra com clareza todo o processo de construção cultural do homem moderno e da sociedade contemporânea. Nele se manifestam, já muito dinâmicos e predominantes, os germes do individualismo, do racionalismo e da ambição ilimitada, típicos de comportamentos mais imperativos e representativos do nosso tempo.” (Nicolau Sevcenko)

8 – Indutivos
Argumentos indutivos são baseados em premissas menores das quais deriva uma regra geral ou coletiva.

“Os relógios mecânicos dos séculos XV e XVI eram  engenhos bastante complexos e traziam uma inovação em seu mecanismo: graças ao emprego do foliot e da roda de escape, eram sensivelmente mais precisos do que as máquinas antigas de movimento contínuo. Esse sistema interrompia regularmente a decida do peso do relógio, transformando as horas em medidas praticamente idênticas. Com isso, o tempo passou a ser percebido como algo isolado da vida, em sua forma pura. Foi a partir do relógio mecânico, precisamente através do uso desse instrumento de medida, que a idéia de exatidão tomou posse desse mundo, transformando-o no mundo da precisão.  O relógio é essencialmente o instrumento da modernidade.” (Isabel Hargrave Gonçalves Da Silva)

9 – Antítese e paradoxo
Usar ou opor ideias contrárias é uma forma clássica de construir um discurso argumentativo. Pela oposição de ideias confrontam-se abertamente conceitos com o intuito, na maioria das vezes, de defender um deles, mesmo que, para isso, valorize-se um a partir da denúncia e do apontamento das falhas ou incongruências do outro.
No caso da antítese, o uso de ideias opostas ou a oposição delas resulta num recurso retórico de mais fácil entendimento, já que são confrontadas ideias de forma verossímil e conciliável com a realidade imediata comum à maioria das pessoas. Esse recurso é muito empregado no discurso religioso cristão, quando as ideias de bem e mal, céu e inferno são confrontadas de forma moralista e rígida. A partir desse dualismo religioso, mas antes retórico, construiu-se o maniqueísmo, que foi e é ainda importante para referenciar a moral, as escolhas e os pontos de vista de milhões de religiosos cristãos do passado e na atualidade. Contudo, argumentos fundados na antítese são usados também com frequência em ambientes acadêmicos e científicos. São exemplos desse recurso os seguintes trechos:

“Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se: Et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos.” (Padre Antônio Vieira)

''Aquele que está disposto a matar pela sua fé é um crente falso. Persegue os outros porque não tem certeza em sua crença. Um cientista nunca se disporá a lutar pelos fatos que aponta. Nenhuma guerra foi originada pela solução de um teorema geométrico. Mas existe a arrogância de se assassinar semelhantes por um sistema de teologia que não passa de um mito e por um conjunto de dogmas que não são mais que opiniões.” (Voltaire)

“A argumentação deve basear-se nos sãos princípios da lógica. Entretanto, nos debates, nas polêmicas, nas discussões que se travam a todo instante, na simples conversação, na imprensa, nas assembléias ou agrupamentos de qualquer ordem, nos Parlamentos, a argumentação não raro se desvirtua, degenerando em ‘bate boca’ estéril, falacioso ou sofismático. Em vez de lidar apenas com idéias, princípios ou fatos, o orador descamba para o insulto, o xingamento, a ironia, o sarcasmo, enfim, para invectivas de toda ordem, que constituem o que se costuma chamar de argumento ad hominem; ou então revela o propósito de expor ao ridículo ou à execração pública os que se opõem às suas idéias ou princípios, recorrendo assim ao argumento ad populum. Ora, o insulto, os doestos, a ironia, o sarcasmo por mais brilhantes que sejam, por mais que irritem ou perturbem o oponente, jamais constituem argumentos, antes revelam a falta deles. Tampouco valem como argumentos os preconceitos, as superstições ou as generalizações apressadas que se baseiam naquilo que a lógica chama, como já vimos, juízos de simples inspeção.” (Othon M. Garcia)

“Todo homem nasce original e morre plágio.” (Millôr Fernandes)

Quanto ao paradoxo, é outra figura de linguagem associada à oposição de ideias, ainda que, nesse caso, elas sejam empregadas de forma inconciliável, impossível ou irrealizável. A intenção dessa associação de termos imprevisível, porque absurda ou inverossímil, é atrair a atenção do interlocutor em função do desafio da decifração do paradoxo, que é, por meios estéticos e refinados, um mecanismo importante de argumentação que auxilia no convencimento do outro por meio das suposições oriundas da decodificação da contradição estabelecida no paradoxo.

“O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, (...) o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (...) O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. (...) E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor.” (“Sermão de Santo Antônio aos peixes”, Padre Antônio Vieira)

10 – Comparação ou analogia
A comparação, seja objetiva ou subjetiva, é um meio comum de, ao aproximar duas realidades, pessoas ou situações, pelas similaridades e disparidades encontradas, argumentar em favor de um ponto de vista. É um recurso de fácil uso, presente desde a comparação entre a atuação do crime organizado na Itália confrontada com a do crime organizado brasileiro até a construção de metáforas para se enfatizar uma ideia pelo viés conotativo, como é o caso do posicionamento de Albert Einstein sobre o nacionalismo, clara e enfaticamente exposto na expressão: “O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da humanidade.”. São exemplos desse tipo de recurso:

“Se naturezas grosseiras e embrutecidas pelo trabalho diário e sem encanto encontram no ópio grande consolo qual não será então o seu efeito num espírito sutil e letrado, numa imaginação ardente e cultivada?” (Charles Baudelaire, “Paraísos artificiais”)

“É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.” (Honoré de Balzac)

"Como a fotografia é capaz de reproduzir a realidade com mais precisão do que nunca para mostrar a verdade, esse novo meio é inimigo mortal da arte, e, na medida em que o desenvolvimento da fotografia é produto do processo tecnológico, poesia e progresso são como dois homens ambiciosos que se odeiam. Quando seus caminhos se cruzam, um deles deve dar passagem ao outro." (Marshall Berman)

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam–se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos.
Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada.” (Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967, 2ª edição, pp. 9-10.)

11 – Intertextualidade
Formas de intertextualidade explícita como a epígrafe, a citação, a alusão, a epígrafe, a paráfrase e a paródia são recursos retóricos muito eficientes e, por isso, muito usados principalmente porque produzem argumentos de autoridade amparados em afirmações tidas como verossímeis e merecedoras de respeito.
Quanto à citação (argumento de autoridade) e à alusão, é perceptível o emprego delas mais frequentemente em textos de caráter científico, visto que eles são construídos com o amparo de argumentos e descobertas anteriores tornados pontos de partida de pesquisas e textos subsequentes. Por isso, especialmente a citação é um pilar do pensamento científico.

"Em apresentações de utopias, a moda em geral está ausente. Já podemos ver isso na 'Utopia' de Thomas More, em que todos usam o mesmo tipo de roupas funcionais que não foram tingidas e não mudaram de forma por séculos. More frisa também que todas as roupas são usadas até que se estraguem. Regimes totalitários também tenderam a levar todos os cidadãos do país a usar uniformes. O 'terno Mao' é um exemplo típico. Borus Goys descreve a moda como antiutópica e antiautoritária porque sua constante mudança solapa a possibilidade da existência de verdades universais que seriam capazes de determinar o futuro." (Lars Svendsen em "Moda: uma filosofia")

"O velho Marx tinha razão quando disse: 'A religião é o ópio do povo.'. Fiéis, no seu fundamentalismo bíblico, encobrem o rosto com o véu do fanatismo e da alienação e ainda acham que tudo não passa de uma tramóia... É lamentável. O neopentecostalismo com a Teologia da Prosperidade não venceu a desilusão do mundo pós-moderno, onde ainda imperam poder, ganância e corrupção." (Celmo Antônio de Araújo, Veja cartas, 24/01/07, p.32)

"Sou contra a descriminalização do aborto porque entendo que a vida humana começa com a fecundação e que, por isso mesmo, é um direito natural que deve ser juridicamente protegida e garantida. Portanto, a descriminalização seria uma legalização às avessas, pois, o que o ordenamento jurídico não tipifica como crime passa a ser permitido. E o que passa a ser permitido? A prática do aborto. E o que é pior: sem nenhuma limitação. Seria o pior dos mundos para os nascituros que, sem defesa, estariam sujeitos a serem eliminados em qualquer fase de sua gestação. Sou contra esta proposta de plebiscito sobre o aborto porque entendo que é inconstitucional uma vez que a Constituição Brasileira, em seu art. 5°, dispõe que o direito à vida é inviolável." (Jaime Ferreira Lopes, Coordenador nacional do Movimento Brasil Sem Aborto)

Quanto à epígrafe, percebe-se que a intertextualidade entre esse texto introdutório e o que ele introduz diz sobre uma compreensão do autor sobre a sua própria obra e sobre como, a partir da intertextualidade, ela pode ser entendida. É um recurso possível em todos os tipos de texto, ainda que mais presente na Literatura, em especial em contos e poemas.
Sobre a paráfrase (argumento de autoridade), entendem-se as razões justificadoras do seu uso de forma muito semelhante às da citação, já que o procedimento de transpor as ideias de alguém para um discurso diferente no mesmo idioma do texto original é um meio de ratificar que as afirmações de alguém sobre um determinado assunto são razoáveis e pertinentes para que esses argumentos sejam recebidos pelos interlocutores de forma mais respeitosa e aberta. A paráfrase pode ser usada ainda como um mecanismo de adaptação de uma mensagem a um novo contexto para atualizá-la ou torná-la mais adequada a ele.

"O desenvolvimento da moda foi um dos eventos mais decisivos da história mundial, porque indicou a direção da modernidade. Há na moda um traço vital da modernidade: a abolição de tradições. Nietzche a enfatizou como uma característica do moderno porque ela é uma indicação da emancipação, entre outras coisas, de autoridades. Mas a moda encerra também em elemento que a modernidade não teria gostado de reconhecer. Ela é irracional. Consiste na mudança pela mudança, ao passo que a modernidade se vê como constituída por mudanças que conduzem a uma autodeterminação cada vez mais racional." (Lars Svendsen)

"Sou pessimista diante da idéia de que o homem, quando nasce, já começa a morrer, como notou Jean Paul Sartre. Mas, na vida, caminhamos rindo e chorando o tempo todo: é preciso, então, aproveitar o lado bom da vida, usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são. Sempre digo: o importante é o homem sentir como é insignificante, é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto, tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica! Tenho conversado sobre astronomia. Como é imprevisível o que ele pode criar!" (Oscar Niemeyer)

Já no caso da paródia, há uma intenção humorística, ou até sarcástica, na escolha de produzir um texto sob uma perspectiva intertextual, que é de criticar, satirizar as ideias e as concepções do autor de um filme, uma música, um livro, etc. Bandas como Língua de Trapo e Mamonas Assassinas, grupos humorísticos como o Casseta e Planeta, TV Pirata, Porta dos Fundos, Parafernalha, entre outros, usam a paródia para demarcarem posicionamentos sobre diversos assuntos, em especial os costumes de um povo, a vida política de um país, as celebridades, etc. Uma paródia pode ser usada para produzir uma caricatura de alguém com a ajuda de uma figura de linguagem chamada hipérbole ou mesmo para criticar discurso preexistente ao recriá-lo numa versão que hipertrofia, maximiza, ignora, extrapola ou agrava determinada característica com o objetivo de conseguir um efeito ao mesmo tempo cômico, difamatório e crítico em diferentes intensidades que dependem de um lado do interesse do autor de um texto em relação á intensidade com que quer criticar o texto, a pessoa ou a manifestação a ser parodiada e, de outro lado, da capacidade do interlocutor de percebê-los e relacioná-los com a obra parodiada.

12 – Retificação e ratificação
A retificação é um recurso argumentativo mais comum ao discurso espontâneo e oral, como meio de mostrar atenção ao que se diz, ou mesmo como forma de corrigir a si mesmo antes que outros o façam e enfraqueçam ainda mais a tese defendida em um texto.

“Se foi tão nobre a invenção do barco que leva de um lugar a outro as riquezas e os prazeres da vida e comunica entre si as regiões mais distantes para que compartilhem seus diversos produtos, muito mais se deve exaltar aos livros que, como os navios, atravessam os extensos mares do tempo e permitem aos homens participar da sabedoria, das luzes e dos descobrimentos das idades mais remotas.” (Francis Bacon)

Quanto à ratificação, é um recurso mais contundente e acertado de produzir impressões positivas em relação a determinado posicionamento, que, por ser reforçado e confirmado, ganha maior chance de alcançar confiabilidade por parte dos seus receptores.

Pequeno decálogo político
por Luís Carlos Maciel, filósofo brasileiro

1.queremos liberdade, queremos que todas as pessoas tenham o poder de determinar o seu próprio destino,
2.queremos justiça, queremos o fim de qualquer repressão política, cultural ou sexual sobre todos os oprimidos do mundo, especialmente a repressão contra as mulheres, os negros e todas as "minorias",
3.queremos uma transformação completa do chamado sistema legal, de maneira que as leis, os tribunais e a polícia atuem unicamente em função dos interesses do povo, queremos o fim de toda e qualquer violência contra o povo,
4.queremos uma economia mundial livre, baseada na livre troca de energia e dos materiais e o fim do dinheiro,
5.queremos um sistema educacional livre, que ensine a todos os homens, mulheres e crianças da terra exatamente o que todos nós devemos saber para sobreviver e crescer com todo o nosso potencial de seres humanos,
6.queremos libertar todas as estruturas do domínio das grandes companhias e transferir todos os edifícios e a terra para o povo,
7.queremos um planeta limpo, queremos um povo são,
8.queremos acesso livre a todas as informações a todos os meios de comunicação e a toda tecnologia,
9.queremos a liberdade de todos os prisioneiros mantidos injustamente em prisões e estabelecimentos penitenciários, queremos que todos os perseguidos sejam devolvidos à comunidade,
10.queremos um planeta livre, uma terra livre, comida, teto e roupa para todos, queremos arte livre, cultura livre, meios de comunicação livres, tecnologia livre, educação livre, assistência médica livre, corpos livres, pessoas livres, tempo e espaço livres, tudo livre para todos.


13 – Familiaridade ou proximidade
É o recurso retórico capaz de, com a ajuda de exemplos, descrições, figuras de linguagem, etc., tornar familiar, mensurável, palpável um assunto para determinado interlocutor como nas seguintes expressões: “ele queimou o céu da boca”, “... isso se assemelha à reação química ocorrida nos motores a combustão.”, etc. Outro exemplo seria a definição de educação do poeta inglês Joseph Addison:

“A educação é para a alma o que a escultura é para um bloco de mármore.”

14 - Enumeração
A enumeração é um recurso capaz de estimar a quantidade, a diversidade ou a grandeza de determinada ação, conceito ou processo com o intuito de reforçar determinada posição ou argumento. A enumeração geralmente adiciona palavras ou expressões de mesma função gramatical e do mesmo campo léxico com o objetivo de ilustrar ou argumentar em favor de um posicionamento. Esse é o caso dos aforismos a seguir, de Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista brasileiro, e de Jack Kerouac, escritor norte-americano:

"A mulher se corrompe menos do que o homem. Na mais degradada das mulheres sobrevive algo de intacto, de intangível, de eterno. Esse mínimo de inocência sempre a salva."

“Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.”

15 – Editoriais
Quanto a recursos editoriais, podem ser vistos como retóricos os elementos gráficos e espaciais usados para realçar um determinado trecho; destacar uma determinada informação das mais variadas formas; colocar uma palavra ou parte de um texto em negrito, sublinhada ou em itálico; manipular de determinada forma a mancha tipográfica, que é o espaço ocupado na página pelo texto; etc. São exemplos marcantes desse recurso a poesia concreta, o discurso jurídico, entre muitos outros.

16 – Sinais de pontuação
O uso de sinais de pontuação pode se tornar um recurso retórico quando, intencionalmente e por razões estilísticas, são utilizadas reticências para gerar expectativa ou suspense; hifens em vez de vírgulas para dar mais ênfase a uma determinada passagem de um texto; pontos de exclamação para demonstrar surpresa, admiração, estados emocionais ou algum tipo de ênfase; etc.

17 – Circulares
É um tipo de argumento normalmente em que conclusões forçadas são extraídas de uma relação entre duas afirmações tem uma dependência tamanha que uma existe na sentença como razão de ser da outra. É uma argumentação muito usada em textos religiosos. É uma forma de argumentação muito questionada, especialmente em meios acadêmicos.

“A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui seminat, seminare. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? - o conceito que de sua vida têm os ouvintes.” (Padre Antônio Vieira).

18 – Ironia
A ironia é uma figura de linguagem de uso cotidiano em que se diz algo com o intuito de que os interlocutores entendam justamente o contrário. É um recurso retórico em que se realça o que não se quis ou não se pôde claramente dizer, por isso é muito dependente do contexto da enunciação. Por isso, é uma ferramenta argumentativa muito mais presente no discurso oral.
Para que se bem entenda uma ironia, é importante que o autor dela gere marcas editoriais, sonoras ou gestuais sutis no discurso a fim de que o dito não seja entendido de forma convencional pelos interlocutores. Como é o caso de grande parte da obra do escritor brasileiro Millôr Fernandes, que afirmava ironicamente: “O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde.”
A ironia é muito presente em contextos nos quais se quer ser engraçado, sarcástico ou mesmo indireto em relação a uma pessoa, assunto ou situação. São exemplos desse recurso, muitos momentos da obra de grupos como Parlapatões, Porta dos fundos, CQC, Monty Python, etc.; a obra de muitos cartunistas como Angeli, Jaguar, Maurício Ricardo, Henfil, Valtênio; e muitos personagens da obras literárias como Brás Cubas, Gregor Samsa, Bentinho, Geraldo Viramundo, etc.
Um ótimo exemplo de ironia como recurso argumentativo é o texto “Acabou a baderna” de Gregório Duvivier, que discute ironicamente o apoio da esquerda às manifestações de rua nos anos de 2013 e 2014 no Brasil.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2014/02/1413111-acabou-a-baderna.shtml

Outro exemplo de ironia usada como recurso argumentativo está no trecho abaixo da música da banda punk The Clash e na sentença atribuída a Oscar Wilde, respectivamente:

“Estou completamente perdido no supermercado
Não posso mais fazer compras alegremente
Vim aqui em busca daquela oferta especial
Uma personalidade garantida.”

“Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão de que estou errado.”

Exemplo anedótico de um uso extremo da ironia, que a tornou sarcasmo trocado em telegramas por Bernard Shaw (maior dramaturgo inglês do século 20) e Winston Churchill (maior líder inglês do século XX).

Convite de Shaw para Churchill:
“- Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para a primeira apresentação minha peça ‘Pigmaleão’. Venha e traga um amigo, se tiver.” (Bernard Shaw)

Resposta de Churchill para Shaw:
“- Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer primeira apresentação. Irei à segunda, se houver.” (Winston Churchill)

19 - Hipérbole
A hipérbole pode ser usada como recurso retórico, porque, a ideia de excesso e exagero quase sempre irrealizável transmitida por ela torna-se um mecanismo argumentativo muito comumente usado na oralidade e na escrita com o intuito de convencer um locutor sobre o esforço, a dedicação de alguém na prática de alguma ação ou procedimento. De outro lado, pode dizer sobre a intensidade de algo no sentido de extrapolar quantitativa ou qualitativamente a descrição dele. São exemplos: “Essa pizza demorou um século para chegar, por isso não vou pagar o total da conta.”; “Fiz esse exercício mil vezes, e não o consigo acertar. Por isso, vou desistir.”; etc. Ou ainda:

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa. O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande. Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil. Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.” (Oswald de Andrade, “Manifesto antropofágico”)

20 – Alegóricos
A alegoria é um recurso de expressão em que, de forma subjetiva, conotativa ou figurada, uma ideia é representada de forma velada e distante da literalidade. Pode ser um sistema de metáforas que domine toda extensão de um livro ou uma metáfora com uma importância mais pontual em um determinado discurso.
Nesse recurso retórico, podem ser usados ditados populares como maneira de convencer sobre determinado tema de forma indireta e sustentada numa ideia associada ao senso comum que é apresentada como resultado de uma sabedoria produzida pela experiência da coletividade. É um exemplo o ditado: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”, que sugere primeiramente ser necessário refletir sobre se não é melhor contentar-se com o que se tem do que perder tudo ao tentar conseguir mais, ou seja, é uma forma de sugerir às pessoas que se acomodem e se conformem com as suas posses e conquistas. Outro exemplo é o trecho abaixo do discurso de posse do presidente dos EUA Barack Obama:

“Quarenta e quatro americanos já fizeram o juramento presidencial. As palavras já foram pronunciadas durante marés crescentes de prosperidade e nas águas tranqüilas da paz. Ainda assim, com muita freqüência o juramento é pronunciado em meio a nuvens que se aproximam e tempestades ferozes. Nesses momentos, a América seguiu em frente não apenas devido à habilidade e visão daqueles em posição de poder, mas porque Nós, o Povo, continuamos fiéis aos ideais de nossos fundadores e aos documentos de nossa fundação.
Tem sido assim. E assim deve ser com esta geração de americanos.”

Outra forma de alegoria é a muito presente na literatura, como é o caso discutido pelo estudioso Radamés Manosso, a saber:

“Consideremos o livro A Metamorfose, de Kafka. Numa certa manhã, o personagem Gregor Samsa acorda transformado num repulsivo inseto. Será que Kafka, gênio da literatura, pretendia exclusivamente contar uma pitoresca história de um homem transformado em inseto? É provável que estejamos diante de um recurso literário, que também é recurso de Retórica, que consiste em dizer uma coisa querendo dizer outra. Neste caso, a situação é bem diversa da que ocorre na emissão das alegorias contextualizadas. Para a alegoria de Kafka não está determinado o contexto em que ela se aplica. É o leitor que deve, por sua conta e risco, definir o que substitui o enunciado alegórico kafkiano. Trata-se de uma alegoria com semântica aberta.”

21 – Supressão de ideias, informações e procedimentos estruturais ou linguísticos
O silêncio e o não dizer também são recursos retóricos importantes. Prova disso são os aforismos abaixo que atestam sobre o poder fundador de argumentos ou de razoáveis defesas de posições por que o silêncio pode ser responsável:

"As eternas, as boas, as santas criações do espírito e do coração são todas geradas nas forças misteriosas e fecundas do silêncio." (Graça Aranha)

"Uma palavra vale uma moeda. O silêncio, duas." (Talmud)

“Ao dizer alguma coisa, cuide para que suas palavras não sejam piores que o seu silêncio.” (Anônimo)

Podem ser vistas como supressões argumentativas a intenção de evitar recursos rítmicos e rímicos, trocadilhos, métricas, ecos em uma dissertação argumentativa, porque se sabe serem características nocivas para o pensamento dissertativo; a supressão de premissas religiosas como base de sustentação de argumentos em um ambiente científico; a análise criteriosa e contextual sobre em que situação de enunciação é adequado usar clichês, xingamentos, gírias, jargão técnico ou regionalismos; a reflexão sobre quando não usar a linguagem subjetiva, como é o caso do discurso jornalístico, didático e científico, os quais ganham qualidade geralmente quanto mais objetiva é a forma de enunciá-los; etc.

22 – Concretização
Recurso retórico capaz de dar a uma ideia ou expressão abstrata significados associados à concretude com o objetivo de que elas se tornem mais contundentes ou convincentes. São exemplos as expressões “proposta sólida”, “cláusula pétrea”, etc.

23 – Repetição
A repetição de termos ou expressões é um muito comum recurso retórico, justamente porque é um dos de mais simples confecção. Tal estratégia é usada de acordo com inúmeras razões, dentre elas, eis as mais importantes: expressar a convicção ou a obsessão do autor de um texto em relação a determinado argumento; criar musicalidade em um texto com o intuito de, por exemplo, favorecer a assimilação de um conteúdo dado; sugerir a ausência ou a pouca quantidade de contra-argumentos para se defender um ponto de vista; reforçar a autoria de um feito; enfatizar uma ideia; criar paralelismo; entre outras possibilidades.
Esse recurso retórico pode produzir efeitos positivos ou negativos na percepção do interlocutor em relação a um texto. Na Literatura, especialmente na poesia, a repetição, porque cria musicalidade, não é só aceitável como também desejável. No caso de textos científicos, repetir termos com frequência sugere pobreza vocabular e dificuldades de expressão e articulação por parte do autor. Quando o efeito é negativo, o recurso retórico da repetição sugere obviedade, redundância, descuido, incapacidade, falta de formação linguística adequada por parte do autor, discurso prolixo, falta de ideias ou informações relevantes, etc. Por outro lado, o efeito é positivo se produzir musicalidade, suspense, ênfase ou reforço.

“Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes” (Marilena Chauí)

“A linguagem é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador.” (Louis Trolle Hjelmslev)

24 – Plurissignificação ou polifonia
Pode ser usada como recurso retórico quando é benéfico para um texto e para uma intenção comunicativa que determinadas ideias sejam entendidas de modo dúbio ou mesmo polissêmico. Tal efeito é conseguido com a utilização de uma linguagem conotativa, múltipla de sentido e subjetiva. É um meio de dar ao leitor parte do controle da decodificação de uma obra para que ele seja conquistado por essa, muitas vezes, falsa ou limitada sensação de controle.

"Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos." (“A Repartição dos Pães”. In: “Felicidade Clandestina”. Clarice Lispector)

25 – Interjeições e ocorrências fáticas
As interjeições são elementos fáticos que podem tornar-se recursos retóricos em função do emprego expressivo da linguagem que é peculiar a esse tipo de estrutura marcada pela comunicação de estados de espírito, de emoções, etc. Entre as características do uso argumentativo das interjeições ou das frases interjetivas, a mais evidente e facilmente percebida em muitos tipos de discurso é a comunicação de estados de ânimo do autor de uma tese com o objetivo de seduzir, emocionar ou sensibilizar seu interlocutor;
São ocorrências fáticas todas as formas de chamar-se a atenção dos interlocutores ou mesmo de conferir se há interesse por parte do interlocutor em relação ao que é dito. Eis alguns exemplos: “Vocês estão me ouvindo...”, “Escutem bem...”, “Prestem atenção...”, “Todos entenderam...”, “Ficou claro...”, etc. Para esse fim também se pode usar o vocativo, como nos exemplos a seguir: “Você, preste atenção no que digo...”, “Minha cara, vamos pensar nisso juntos...”, etc.

26 – Segmentação do discurso
O discurso pode ser segmentado de várias formas com intenções argumentativas, os principais recursos retóricos de segmentação são as pausas e os silêncios, muito usados na comunicação oral; a pontuação que pode ser usada para dar maior ênfase a um trecho de um texto; a construção de parágrafos e a relação deles com a concepção dos argumentos; a programação editorial; a separação de uma obra em capítulos, livros, etc.; a organização de ideias em um discurso em verbetes, texto ou esquema; etc.

27 – Personificação, prosopopeia ou animismo
Como recurso retórico, essa figura de linguagem pretende, ao atribuir características humanas ao que não é humano ou animadas ao que é inanimado, chamar a atenção para a intensidade de determinada situação pela força das imagens construídas com essa técnica. São exemplos as expressões “...o governo tremeu ao saber do ocorrido...”, “uma tempestade cruel dirigia-se para a vila...”, “...numa melancólica manhã, soube do falecimento da amiga...”, etc.

28 - Metalinguagem
Esse recurso tem como intuito a exploração da própria linguagem como mecanismo argumentativo, tanto pelo uso de expressões que ambicionam explicar as próprias escolhas linguísticas do autor em um texto com o objetivo de engrandecê-las, quanto como ferramenta capaz de estabelecer coesão e coerência a um texto em virtude de expressões que tornam um discurso não só mais fácil de entender como mais sedutor e contundente.

29 – Título
Um título é recurso retórico na medida em que, como termo isolado do discurso que intitula, pode cumprir uma ou mais das funções seguintes: nomear um texto, atrair o leitor, gerar suspense ou interesse sobre o conteúdo do que intitula, auxiliar na compreensão do texto intitulado, etc.

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