Por Estéfani Martins
“(…)
Os musicólogos gastam tempo demais debruçados sobre a música que vem ‘de cima
para baixo’ e não tempo suficiente sobre a que vem ‘de baixo para cima’, a qual
coexiste com a música erudita (…).”
(Joseph
Kerman, em “Musicologia”)
A música
brasileira constituiu-se e desenvolveu-se nos últimos 500 anos a partir da
premissa da mistura, da “mestiçagem”, da mescla, da fusão, da troca cultural,
da mixagem, do choque, etc., o que não só determinou uma grande diversidade de
expressões e movimentos musicais, como individualizou a música brasileira ao
constituí-la uma expressão artística ao mesmo tempo global e regional. Esse
processo iniciou-se com o encontro de tradições culturais e estéticas europeias
com as indígenas e posteriormente africanas em solo brasileiro. Todavia, apesar
de nativa e rica, a tradição musical indígena foi tímida e indiretamente
incorporada às tradições musicais que viriam a definir o que se chama
genericamente de música brasileira na contemporaneidade. Isso ocorreu e ainda
ocorre em função do preconceito contra a cultura indígena e também pela
resistência relativa - por parte do índio - aos referenciais culturais
europeus, o que dificultou, por outro lado, que ele pudesse expor e de forma
dialética influenciar também o português como o fez o negro africano. Por isso,
as tradições musicais dos índios do Brasil ficaram de forma mais evidente
isoladas em ritmos de caráter folclórico e regional.
Essa importância
do português como uma espécie de involuntário organizador, mediador ou mesmo catalizador
dessas intensas trocas culturais também se deve pelo fato de que Portugal era a
ponte, até o século XIX, para a maior parte das influências estéticas eruditas
e populares europeias que chegavam ao Brasil como a Polca, a Opereta italiana, o
Lundu, o Fado, etc.
Até o século XIX,
os portugueses também foram, junto com a inequívoca e potente influência
estética e cultural das muitas etnias de negros africanos trazidas ao Brasil,
os introdutores da ampla maioria dos instrumentos musicais que ajudariam a definir
a música brasileira, com exceção dos tambores, que são africanos em cada timbre
e síncope; de novos sistemas harmônicos e melódicos; de tradições poéticas; de
vários ritmos e andamentos musicais; de incontáveis formas de dançar; etc.
Com as imigrações
de outras nacionalidades europeias para o Brasil, ao longo do século XIX até a
metade do XX; com o enfraquecimento da influência portuguesa no Brasil e com o
advento das tecnologias facilitadoras das trocas culturais, que trouxeram a
contundente e, por vezes sufocante, contribuição da cultura musical
norte-americana para a cultura brasileira; outras culturas passaram a
diretamente influenciar a música brasileira e um intercâmbio estético intenso e
dinâmico começou a ocorrer, daí elementos artísticos estrangeiros muito mais
numerosos e diversos seguiram sendo incorporados, diluídos, interpretados,
copiados e modificados pelos músicos brasileiros. Como é o caso do Tango da
Argentina; do Bolero de origem hispânica; da música erudita moderna da Europa;
do Jazz e do Rock estadunidenses; do Reggae da Jamaica, dos ritmos latinos da
América Central; da música eletrônica europeia; do Miami Bass e da música negra
(Rhythm’n’Blues, Funk, Soul, RAP, etc.) estadunidenses; do Heavy Metal europeu;
etc.
Na aurora do
século XX, a influência africana na música brasileira passou a ficar não só
mais evidente como se tornou praticamente hegemônica na maioria dos ritmos
populares ao longo do século XX. Aliás, foi justamente em função desse processo
que a música feita no Brasil passou a ter contornos essencialmente brasileiros
e autorais, menos pela novidade e mais pela ousadia de compor misturas até
então inéditas na música ocidental como são os casos do Choro e da Bossa Nova.
Concomitantemente, o Samba se elevaria como a síntese de todo esse processo e
também se tornaria não só o símbolo máximo da produção musical brasileira, como
seu fio condutor.
Ao longo do
século XX, o Brasil passou a ter uma mais farta inserção dos meios de
comunicação dentre a população mesmo de lugares distantes do interior com o
advento da massificação do rádio, o que determinou a Era do Rádio, quando
cantores e cantoras tornaram-se ídolos nacionais, graças ao talento e a nova
exposição possibilitada pelas ondas do rádio. Mais tarde viriam a Bossa Nova, a
Jovem Guarda, a Era dos Festivais, o Tropicalismo, o desenvolvimento do rock e
do rótulo MPB, a música “black” que viria a dar origem ao Funk carioca e ao
RAP, os desdobramentos e ramificações do Samba, o Tecnobrega (Tecnomelody), o
Axé, o Pop sertanejo, etc.; os quais enfaticamente decretaram a alma plural,
controversa e mestiça da música brasileira.
Dentro desse
contexto, do diálogo, da interação e da competição entre variados gêneros
musicais estrangeiros, brasileiros e autóctones nasceu uma enorme diversidade
de estilos, movimentos ou outros gêneros musicais no Brasil, que se
diversificam quanto mais eles se relacionam para produzir subestilos, novas
expressões ou mesmo tendências, por vezes, tão fugazes quanto bem sucedidas,
ainda que, muitas vezes, por um breve período apenas.
Portanto, a
música brasileira, desde sempre, foi produto de diversas influências e fusões
desde os momentos iniciais do processo colonizatório português quando jesuítas
trouxeram a Música Sacra europeia como recurso de evangelização e dominação dos
índios brasileiros até a miríade de possibilidades ofertadas pela internet nos
tempos atuais. Assim, múltiplas referências estéticas estrangeiras foram
fundadoras da música brasileira, mesmo porque o símbolo que define grande parte
da música feita no Brasil é justamente a mistura, o amálgama, enfim, a síntese
que é produto da diversidade étnica e cultural representada primeiro pelos
índios, depois pelos negros africanos e mais tarde, para além da influência
portuguesa, pelos muitos aventureiros, imigrantes, conquistadores, degredados,
fugitivos, idealistas dos mais diversos confins do planeta que em terras
brasileiras, por escolha ou por falta dela, ajudaram a desenvolver uma cultura
estética e artística híbrida, mestiça e singular.
Para ler, ver e ouvir:
Estilos e movimentos da
Música Popular Brasileira
"O Brasil é um absurdo
Pode ser um absurdo
Até aí tudo bem
Nada mal
O Brasil é um absurdo
Mas ele não é surdo
O Brasil tem um ouvido musical
Que não é normal..."
Música indígena
A música indígena
brasileira é parte integrante do multifacetado universo cultural do índio
brasileiro, daí a impossibilidade de alcançar de forma precisa uma definição
que abarque todas as nuances e possibilidades da música feita pelos povos
autóctones do território brasileiro. Diante disso, de forma extremamente
generalista, a música feita nas milhares de tribos indígenas diferentes do
Brasil muito anteriores à chegada dos portugueses no século XVI pode ser
caracterizada da seguinte forma, a saber: determinada pelo estado emocional das
tribos; de razão pragmática porque associada a celebrações relativas à agricultura,
ao luto, à guerra, etc.; produzida com a ajuda de uma diversidade considerável
de instrumentos como flauta, apito, chocalho , tambor, etc.; uma das formas mais
importantes de memória coletiva desses povos; normalmente é executada em grupo;
quanto à autoria, é vista como um processo tão ancestral e coletivo que é impossível
determiná-la, mesmo porque parece ser um produto do acúmulo das vivências e
sensibilidades de muitas gerações, além do fato de que a ideia de propriedade
intelectual nos termos ocidentais nada valer na cultura indígena; etc.
Para ler, ver e ouvir:
Modinha
“Nascida no
Brasil no século XVII, a modinha teve seu primeiro momento de glória na década
de 1770, quando foi apresentada na corte de Lisboa pelo poeta, compositor,
cantor e violeiro Domingos Caldas Barbosa (1740-1800). O grande sucesso
alcançado pelo gênero – denominado modinha para diferenciar-se da moda
portuguesa – levou músicos eruditos portugueses a cultivá-lo, só que de forma requintada,
adicionando-lhe características da música de ópera italiana. Assim, aproximaram
a cantiga colonial das árias portuguesas, praticamente transformando-a em
canção camerística. Foi com esse feitio que ela voltou ao Brasil no início do
século XIX.
Ao mesmo tempo suave e romântica, chorosa
quase sempre, a modinha seguiu então pelo resto do século como o nosso melhor
meio de expressão poético-musical da temática amorosa. Composta geralmente em
duas partes, com predominância do modo menor e dos compassos binário e
quaternário, a modinha do período imperial jamais se prendeu a esquemas
rígidos, primando pelas variações.”
Para ler, ver e ouvir:
Silvio Caldas - “Casinha pequenina” (anônimo)
Nara Leão - “A mulata” (Xisto Bahia/ Melo
Moraes Filho)
https://www.youtube.com/watch?v=pwoR0aGiICU
Maxixe (Tango Brasileiro)
Desenvolvido no
século XIX e em voga em meados do século XX, foi uma forma de dançar baseado em
umbigadas, palmas e estalar de dedos de influência ampla na música brasileira e
na dança de salão, que são produtos da fusão de influências da música e dança
afro-brasileiras com traços de ritmos musicais trazidos ao Brasil por
imigrantes e viajantes como o Lundu, a Polca, o Tango, a Habanera, etc. Tem uma
relação umbilical com o Choro já que influenciou o estabelecimento desse ritmo
a ponto de hoje ser considerado uma espécie de sub-estilo do Choro. Dentre os
compositores notabilizados pelos seus Maxixes estão Ernesto Nazareth e Patápio
Silva, ainda que o maior nome dessa tradição seja a maestrina e compositora
Chiquinha Gonzaga, que não só revolucionou a música brasileira como foi uma
mulher de notável ousadia e autonomia para a sociedade carioca da transição
entre os séculos XIX e XX. Tal como o Lundu, foi por muito tempo considerado um
ritmo de gosto duvidoso por sua malemolência e lascividade e pelos passos
provocantes que sugeria aos casais de dançarinos, por isso foi conhecido como a
“dança proibida”. Normalmente, executado de forma exclusivamente instrumental,
ainda pode ser ouvido com distinção nas Gafieiras em cidades como o Rio de
Janeiro.
Para ler, ver e ouvir:
Programa As Muitas histórias da música
popular – O maxixe
Orquestra J. Thomaz – 1931 – “Levanta, meu
nego” (Pixinguinha)
Originais do Samba – 1977 – “Nego veio quando
morre”
Os maxixes de Ernesto Nazareth
Samba
Símbolo maior e
referencial mais amplo e significativo da música brasileira, além de ser uma
das principais manifestações artísticas do Brasil, é também principal motivo e
trilha sonora da maior festa popular do Brasil: o carnaval.
É definido grosso
modo como um tipo de canção popular de ritmo geralmente sincopado e andamento
variado, surgido a partir do início do século XX da união de ritmos
afro-brasileiros como o Lundu, o Maxixe, os cantos e batuques de religiões
afro-brasileiras somados a influências musicais europeias e indígenas. De
origem controversa, parece ter se desenvolvido ao longo do século XIX de forma
anônima e coletiva no Recôncavo Baiano em torno dos chamados Sambas de Roda e
em outros lugares sob o manto de tradições afro-brasileiras em áreas rurais e
remotas de São Paulo e Minas Gerais, em especial. No fim do século XIX, chegou
ao Rio de Janeiro, onde, de forma veloz, amadureceu rítmica e poeticamente na
região do centro da cidade chamada Pequena África em meio à profusão de
terreiros de Candomblé que existiam por lá. Portanto, como estilo musical, o samba,
na sua forma mais conhecida, genericamente, é uma manifestação artística
urbana, percussiva, periférica, de origem plural; oriunda do início do século
XX e produto da fusão de diversos ritmos musicais folclóricos, estrangeiros e
de várias regiões do Brasil apenas possível na cosmopolita e conturbada cidade
do Rio de Janeiro.
Contudo, é
importante ressaltar que o Samba desenvolveu-se de forma bastante peculiar em
quase todo o país, com a incorporação de inúmeras tradições musicais regionais
ao batuque africano diversificado devido às diversas etnias negras trazidas
para o Brasil pelo tráfico negreiro, o que o tornou um estilo musical plural e
de definição múltipla ao se observar a sua variedade em solo brasileiro, como
bem mostram estudos de Mário de Andrade, Hermano Vianna, Marcus Pereira, etc.
São exemplos desse processo o Coco no Ceará; o Samba-de-roda na Bahia; o Jongo,
o Partido-alto e o Miudinho no Rio de Janeiro; o Samba-rural em São Paulo; o
Tambor-de-crioula no Maranhão; o Coco-de-parelha e o Samba de Coco em
Pernambuco; etc.
Todavia, ainda
que hoje seja reconhecível a diversidade de subestilos do que se chama
genericamente de Samba, a versão carioca é a variante que passou a condição de
ícone da identidade nacional brasileira a partir dos anos de 1930 e que foi
empossada com o significado do que a maioria das pessoas no mundo inteiro
reconheceriam como Samba brasileiro. Isso porque era o tipo dominante na
capital do país naquela ocasião, o que dava a essa variedade uma vantagem
natural sobre outros subestilos e mesmo outros estilos musicais, isso porque o
Rio contava com muitas das rádios mais influentes do período, além de contar
com interesses governamentais para que alcançasse o “status” que em alguns anos
assumiria.
De volta à
tentativa de organizar uma cronologia sobre a evolução desse que é a espinha
dorsal da música brasileira, a partir da segunda metade do século XIX,
intensifica-se a migração de negros de várias regiões do Brasil para o Rio em
especial da Bahia e do Vale do Rio Paraíba, em função da decadência de culturas
como a do Café, em busca de emprego, além do retorno dos combatentes de Canudos
e da Guerra do(no) Paraguai. Esse processo fez crescer de modo significativo o
número de negros e mestiços na cidade do Rio de Janeiro, além de aumentar o
intercâmbio cultural entre regiões diferentes do Brasil com etnias negras
dominantes e distintas em cada uma delas. Esses agrupamentos ocupariam
imediações de morros como o da Conceição e áreas próximas às Praças Mauá e
Onze, além da Zona Portuária e de cortiços no centro da cidade do Rio. Desse
processo de ocupação geográfica, terá origem muitas das chamadas favelas
cariocas, em especial com o processo de reurbanização que passaria o Rio no
início do século XX e que expulsaria para as periferias ou para os morros os
pobres, os negros e os mestiços. Nessas comunidades, constituiu-se um ambiente
profícuo para o desenvolvimento de uma cultura urbana, brasileira e mestiça de
origem evidentemente africana, em torno dos ritmos musicais dos ritos da religiosidade
afro-brasileira, do Lundu, da Modinha e do Maxixe. Nesse contexto, é que as
famosas “Tias Baianas” da Pequena África ganham importância no amadurecimento
de uma forma carioca e urbana de Samba, como organizadoras de espaço
privilegiado e libertário para a execução e criação, muitas vezes coletiva e de
improviso, de Sambas nos terreiros dos quais essas senhoras eram líderes
influentes. Tais festas eram uma oportunidade para louvar os ancestrais; rir do
cotidiano; aliviar tensões provenientes do trabalho e do preconceito; cantar e
dançar. Dentre elas, destacaram-se Tia Amélia, mãe de Donga; Tia Prisciliana,
mãe de João da Baiana; Tia Rosa Olé; Tia Veridiana, mãe de Chico da Baiana e
Tia Ciata. Desse processo de intensas e espontâneas trocas culturais, nasceria
o Samba como gênero musical brasileiro, ainda que fosse carioca, era uma
síntese de diversas tradições musicais de regiões distintas do Brasil e do
exterior.
A primeira
gravação em disco de um samba ocorreu em 1917, era “Pelo telefone”, que já foi
muito bem sucedida nesta época. Segundo a Biblioteca Nacional, deu-se por
intermédio do sambista Donga. Era um Samba-maxixe, que denunciava as origens
híbridas, mestiças e paradoxais que fazem tão brasileiro o Samba. Nesse
momento, o Samba era visto com reservas pela classe média e pelas elites, pois
era reconhecido e criminalizado como uma música lasciva, licenciosa e
corruptora da moralidade branca e cristã de então.
Concomitantemente,
consolida-se nas reuniões nas casas das Tias o Samba de partido-alto, que é uma
variante do Samba muito próxima dos batuques africanos com uma origem que se
confunde com as próprias festas ou pagodes embalados por música, dança, comida,
bebida e improviso que sucediam muitas vezes ritos sagrados conduzidos pelas
Tias em suas casas. O Samba de Partido-alto é dividido em duas partes chamadas
refrão e versos improvisados, em que se unem, a partir de uma linha melódica
preexistente, a um refrão que é seguido de versos improvisados pelos
componentes da roda de samba formada.
Mais tarde, a
partir da década de 1920, ocorre uma revolução no Samba, quando ele toma
contornos do que mais facilmente é reconhecido na atualidade como Samba de
Raiz. Esse processo deu-se por meio da intervenção de sambistas dos bairros
Estácio de Sá e Osvaldo Cruz e dos morros da Mangueira, Salgueiro e São Carlos,
que modificaram a estrutura do Samba ao impor determinada forma poética e
melódica ao ritmo, bem diferente da espontaneidade e da improvisação peculiares
ao Partido-alto. Nessas comunidades, uniram-se, misturaram-se, fundiram-se
experiências estéticas que consolidaram o Samba urbano e carioca tal como é
conhecido e mais executado atualmente. Delas a mais importante foi a de Estácio
de Sá a ponto da tal “Turma do Estácio” ter ganhado “status” de lenda na
história do Samba, muito porque além das mudanças estéticas no Samba, foi nesse
bairro que foi criada a Deixa Falar, primeira escola de samba brasileira e
responsável pelo primeiro desfile ao som de uma orquestra de surdos, pandeiros,
maracanãs, cuícas, tamborins, etc., a qual viria a ser chamada de bateria. Foi
formada por sambistas como Alcebíades Barcellos (o Bide), Armando Marçal,
Ismael Silva, Nilton Bastos, Baiaco, Brancura, Mano Edgar, Mano Rubem, entre
outros responsáveis por impor uma cadência mais marcada e ordenada ao Samba.
Outra mudança fundamental operada pela “Turma do Estácio” foi a valorização do
compositor em função da atenção à segunda parte do samba não mais improvisada,
porque composta e estável. O Samba, assim, tornaria-se o grande cronista da
vida brasileira das próximas décadas.
Mais tarde, o
Samba carioca seria tomado como símbolo cultural nacional, por vontade e
interesse do Estado, paulatinamente indo além do Samba-enredo para também
ocupar a vida das pessoas para além do carnaval com o Samba-canção, também
chamado de Samba do meio do ano; e o Samba-exaltação ou Samba legalista, pelo
seu caráter assumidamente ufanista e defensor do “status quo”. Outra mudança
foi temática, por força do governo varguista, em especial durante o Estado
Novo, temas como a malandragem, o ócio, a apologia aos pequenos golpes, o sexo,
etc., passaram a ser mal vistos e mesmo punidos com a censura ou a prisão de
seus criadores e intérpretes, para dar espaço para temáticas patrióticas,
valorizadoras do trabalho e do “status quo”, etc.
O rádio também
tem papel fundamental nesse processo de aceitação e massificação do Samba, além
da importante oficialização em 1935 do desfile de carnaval no Rio de Janeiro.
Nesse período, destacam-se Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva, Silvio
Caldas, Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira, Noel Rosa, Ary
Barroso, Lamartine Babo, Braguinha, Ataulfo Alves, Assis Valente, entre muitos
outros. Em função desses eventos, interesses e modificações, o Samba passou de
maldito a querido pelas elites brasileiras, inclusive dentro do programa
oficial de eventos culturais até no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, além de
fazer parte da campanha de propaganda sobre o Brasil impetrada por programas de
rádio encomendados por Getúlio Vargas. Cassinos e o cinema também muito
ajudaram no estabelecimento do Samba como símbolo nacional brasileiro e como
elemento da propaganda oficial.
Nesse tempo, o
Samba-canção - que era uma forma mais cadenciada, lenta e melodiosa de Samba -
firma-se como uma expressão das mais populares em função não só do apelo
radiofônico confirmado pelos sucessos de cantores como Francisco Alves, Mário
Reis, Dolores Duran, Ismael Neto, Lupicínio Rodrigues, etc., com composições de
Noel Rosa, Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, etc., que emulavam com
elegância e talento as dores de amor com requinte e fina elaboração estética.
Posteriormente, surgiriam o Samba-choro, oriundo da mistura entre o sincopado
do Samba com o fraseado elaborado do Choro; e o Samba de breque, fortemente
sincopado e com paradas bruscas que serviam a intervenções do cantor para
conferir humor e criticidade à letra do música.
Na década de
1930, rapidamente, depois da criação da Deixa falar, surgiram várias escolas de
Samba como a Mangueira, Portela, Império Serrano, Salgueiro e, na sequência,
Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense e Mocidade Independente de Padre Miguel.
Nessa época, a organização do desfile foi assumida pelo Estado que impôs regras
e condutas a ser observadas, dentre elas estabeleceu a lógica do Samba-enredo
como elemento condutor do desfile, que sempre deveria ter um tema associado à
história oficial do Brasil como fio condutor da apresentação.
Em 1940, uma prova
do prestígio desse ritmo musical como realização estética, mesmo no exterior, seria
dada pelo grande maestro Heitor Villa-Lobos, que organizou a gravação para o
também maestro estadunidense Leopold Stokowski no navio Uruguai de Sambas
interpretados por gênios como Cartola, Donga, João da Baiana e Pixinguinha.
A partir da
década de 1950, o Samba volta a ser alvo de intensas trocas culturais com
ritmos latinos como o Bolero e com ritmos norte-americanos como o Jazz que
produziriam novas possibilidades como a Bossa Nova, o Samba-Jazz, Sambolero, etc.
Com o preciosismo
da Bossa Nova, o Samba distancia-se de suas origens periféricas, mestiças e
populares, para incorporar técnicas eruditas e outras típicas de ritmos
norte-americanos. Na contramão do sucesso internacional da Bossa Nova, no
Brasil, artistas como Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola e Martinho da
Vila passam a defender a revalorização e o resgate do chamado Samba de Raiz que
remete ao Partido Alto, ao Samba de breque, ao Samba-canção, ao Samba-choro,
etc. Assim, gênios como Candeia, Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Nelson
Sargento, etc., passam a ser revisitados da forma como suas obras únicas e de
alta relevância cultural exigem. Ao longo da década de 1960, outros símbolos
desse processo proliferam-se, são o "Movimento de Revitalização do Samba
de Raiz" organizado pelo Centro Popular de Cultura; o restaurante
Zicartola, epicentro da boemia carioca da época; os espetáculos no Teatro de
Arena; o musical “Rosa de Ouro”, com sua constelação de bambas do Samba como
Clementina de Jesus; e a Bienal do Samba. Ainda no final dessa década,
surgiriam blocos carnavalescos como o Bafo da Onça (Catumbi), o Cacique de
Ramos (Olaria) e o Boêmios de Irajá (Irajá), que muito bem executariam sambas comprometidos
com o aspecto democrático, caótico e descompromissado do carnaval de rua.
Simultaneamente, o pianista Dom Salvador mesclaria o Funk norte-americano com o
suingue e o sincopado do Samba, daí surgiria o Samba-Funk, que alcançaria na
década posterior popularidade e excelência estética com a banda Black Rio.
No final também
da década de 1960, influenciado pela Bossa Nova e pelo R&B norte-americano,
surge o músico, cantor e compositor Jorge Ben com o Samba-Rock. Nesse momento,
surge também o Tropicalismo que soma antropofagicamente o Samba a um grande número
de ritmos brasileiros e estrangeiros para criar um movimento sem paralelo na
cultura brasileira até então. Ao mesmo tempo, também ocorre o reconhecimento de
São Paulo como uma região sensível ao Samba e capaz de produzir música de
qualidade e autêntica como mostram a obra de grandes como Adoniran Barbosa e
Geraldo Filme.
Na década de
1970, cantoras como Clara Nunes, Beth Carvalho e Alcione, além das grandes
damas do Samba Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus e Jovelina Pérola Negra,
alcançariam vendagens expressivas de discos, o que mostraria não só o vigor do
Samba como das mulheres nesse ambiente até esse momento prioritariamente
dominado por homens. Destacam-se nesse período também Martinho da Vila, Bezerra
da Silva, Nei Lopes, João Nogueira, Os Originais do Samba, Zeca Pagodinho,
Arlindo Cruz, etc., como divulgadores, compositores ou intérpretes do Samba de
Raiz.
Na década de
1980, surge o chamado Pagode, com letras geralmente românticas; estrutura de
banda pop em função do teclado, baixo, guitarra e bateria muito utilizados; às
vezes, algum elemento do Samba-Rock; etc., bandas como Art Popular,
Exaltasamba, Harmonia do Samba, Karametade, Negritude Jr, Só Pra Contrariar, Os
Travessos, Molejo e Katinguelê seriam grandes vendedoras de discos nas décadas
de 1980 e 1990.
No início do
século XXI, o Samba seria mais uma vez alvo de intensas fusões como o Samba-RAP
de Marcelo D2 e de incursões ousadas na fronteira do Samba com outros ritmos de
grandes cantoras como Alcione e Elza Soares. Além disso, surgem inúmeros grupos
e intérpretes muito compromissados com a rica herança do Samba como o Grupo
Semente, Quinteto em Branco e Preto, Marisa Monte, Roberta Sá, Diogo Nogueira,
Clube do Balanço, Casuarina, etc. Em 2004, o governo brasileiro solicitou o
tombamento do Samba como Patrimônio Cultural da Humanidade, na categoria
"Bem Imaterial", por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Além disso, no dia 2 de dezembro, passou a se comemorar o
Dia do Samba em todo o território brasileiro.
Para ler, ver e ouvir:
A verdadeira história do samba
Brasil Brasil - 2007 - Documentário BBC – Do
Samba à Bossa
O mistério do Samba
Marchinha
Um dos elementos
mais importantes do Carnaval no Brasil, especialmente ao longo das seis
primeiras décadas do século XX, para muito além dos Sambas-enredo, era a
Marchinha o símbolo maior do espírito carnavalesco ingênuo, brincalhão e
familiar que, ao menos no imaginário popular, figurou nos carnavais até a
Segunda Grande Guerra. Seus compositores são responsáveis por muitas das
melodias e letras mais conhecidas da música brasileira, tais como “Ô abre
alas”, de Chiquinha Gonzaga; “Cidade maravilhosa”, de André Filho; “Pierrô
apaixonado”, de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres; “Chiquita bacana”, de João de
Barro e Alberto Ribeiro; “O teu cabelo não nega”, Irmãos Valença e Lamartine
Babo; “Sassaricando”, de Luís Antônio, Jota Júnior e Oldemar Magalhães; “Alá-Lá-Ô”,
de Haroldo Lobo e Nássara; “Mamãe eu quero”, de Jararaca e Vicente Paiva; “Eu
dei”, de Ary Barroso; “Me dá um dinheiro aí”, de Homero Ferreira, Glauco
Ferreira e Ivan Ferreira; “Cabeleira do Zezé”, de João Roberto Kelly e Roberto
Faissal; “Maria Sapatão”, de Chacrinha, “Balancê”, de João de Barro e Alberto
Ribeiro; entre muitos outros. A marchinha caracteriza-se pelo compasso binário
assemelhado ao da marcha militar; pelo ritmo acelerado; pelas melodias simples
e alegres; pelas letras com abordagens humorísticas, jocosas e atentas ao
cotidiano das pessoas comuns; além da despretensão associada a uma produção
musical focada no entretenimento e adesão rápida das pessoas.
Para ler, ver e ouvir:
Orlando Silva – 1938 – “A jardineira”
Dalva de Oliveira – 1970 – “Bandeira branca”
Choro
Ritmo normalmente
instrumental de temática melancólica, por vezes pitoresca ou jocosa, que
estrutura-se a partir da junção de arranjos densos e ricos com harmonizações
complexas e com execuções de grande sofisticação. A instrumentação é baseada em
metais e cordas, ainda que se possa notar a presença marcante de instrumentos
percussivos como o pandeiro. Os expoentes desse ritmo são Pixinguinha, Jacob do
Bandolim, Waldir Azevedo, Paulo Moura, Radamés Gnattali, Altamiro Carrilho,
Garoto, Rafael Rabello, Hamilton de Holanda, Henrique Cazes, entre muitos
outros. Foi criado na transição entre o século XIX e o XX a partir da mistura
de elementos musicais de danças europeias (como a Valsa, o Minueto e,
especialmente, a Polca), da música popular portuguesa e, evidentemente, da
música afro-brasileira.
Para ler, ver e ouvir:
Brasil Choro - Documentário
Brasileirinho - Grandes Encontros do Choro
Na levada do choro
Gafieira
Baile de caráter
urbano onde se executava vários tipos de Samba, em especial aqueles muito
sincopados com acompanhamento de naipes de metais responsáveis pelo som
malemolente algo inspirado no maxixe. Segundo registro de Mário de Andrade, no
Rio de Janeiro, era visto como um “baile muito ordinário”, que era dedicado às
classes “baixas” da sociedade.
Para ler, ver e ouvir:
Jorge Veiga – “Piston de gafieira”
Raul de Barros – 1974 – “Na glória”
Bossa Nova
Em 1958, João
Gilberto, até então um violonista baiano pouco conhecido, lançou um disco
fundamental para a música ocidental que seria o marco de um novo movimento
estético na música brasileira: “Chega de Saudade”. Importante salientar que
Elizeth Cardoso, Johnny Alf, entre outros já ensaiavam a estética
“bossanovista” em espetáculos em boates cariocas ao longo da segunda metade da
década de 1950, inclusive a grande Elizeth gravaria pouco mais um ano antes o
disco monumental “Canção do amor demais”, com música e letra de Tom Jobim e
Vinicius de Moraes, além do violão do próprio João Gilberto.
O ritmo surgiu da
união improvável de referências baseadas na música formal e erudita (Debussy,
Ravel, etc.); no Jazz norte-americano; e em ritmos afro-brasileiros. Assim
nasceu a Bossa Nova, que, além de mudar os rumos da música brasileira,
contribuiu decisivamente para uma renovação da música instrumental em grande
parte do mundo, além de ter sido uma referência importante de muitos astros do
Jazz a partir de então.
Outro destaque
desse movimento foi o caráter urbano, individualista e intimista das
composições “bossanovistas”, além disso pode-se dizer que foi na e pela classe
média, incentivada pelo clima de euforia propiciado pelo governo de Juscelino
Kubitschek, que o ritmo foi construído. A Bossa Nova seria reconhecida a partir
de então pelas harmonias elaboradas, pelo ritmo sincopado, pela poesia
despretensiosa política e socialmente e pelo jeito inovador de tocar de seus
violonistas e de cantar de seus intérpretes. Além disso, a influência desse
movimento é sentida até a atualidade nos inúmeros grupos brasileiros e
estrangeiros assumidamente influenciados por essa estética musical. Seguem
alguns nomes fundamentais desse movimento: Antônio Carlos Jobim, Vinicius de
Moraes, Baden Powell, Dóris Monteiro, Nara Leão, João Bosco, Carlos Lyra, Toquinho,
Sylvia Telles, Miúcha, Luís Bonfá, Roberto Menescal, João Donato, dentre muitos
outros.
Para ler e ouvir:
Festivais de Música Popular Brasileira (“Era dos Festivais”)
Os Festivais,
especialmente, os do final da década de 1960 foram responsáveis não só por dar
espaço para novos compositores, intérpretes e tendências da música popular
brasileira, como também foram responsáveis por definir o conceito de MPB
largamente usado mais tarde. Dentre eles, os mais importantes foram os
festivais da Record entre 1967 e 1969, ainda que várias redes de televisão como
a Globo e a Excelsior tenham tidos os seus festivais de forma intermitente
entre 1965 e 1985.
Além de reafirmar
a diversidade estética da música brasileira e dar espaço para experimentações
inéditas, a “Era dos Festivais” foi responsável por tornar notáveis jovens
músicos como Tom Zé, Mutantes, Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Tony Tornado, entre outros. Foi
também palco para exposição de muitas ideias estéticas e políticas que tornaram
os festivais plataformas para de diversas opiniões durante o conturbado e
controverso período posterior ao Golpe Militar de 1964.
Outro destaque
sobre esses eventos é a apaixonada e intensa participação do público que torcia
fervorosamente por suas músicas e intérpretes favoritos, além da grande
audiência que as transmissões televisivas alcançavam.
Para ler, ver e
ouvir:
Uma noite em 67
Tropicalismo
Movimento central
na história da música popular brasileira. Representado pela gravação de um dos
álbuns mais importantes da história da música mundial, porque resultado de
criação coletiva inspirada e impulsionada pelo impacto estético e político que
Caetano Veloso e Gilberto Gil causaram com suas apresentações no III Festival
de Música Popular da Record no ano de 1967 somado a manifestações tradicionais
da cultura brasileira como a Música Caipira, o Baião, etc.; às ideias antropofágicas
da Semana de 22; a inovações estéticas radicais daquela época associadas a correntes
artísticas de vanguarda da cultura nacional e estrangeira, como é o caso da
obra de Hélio Oiticica e das composições de Rogério Duprat; à influência
musical da Bossa Nova; além da psicodelia oriunda do Rock e do movimento Hippie,
absorvida por meio do disco “Sgt Pepper’s of Lonely Hearts Club Band”, dos
Beatles.
Antes de fins
sociais e políticos, a Tropicália foi um movimento nitidamente estético e
comportamental. Em maio de 1968, começaram as gravações do disco que seria o
manifesto musical do movimento, do qual participaram artistas como Gilberto
Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes, Tom Zé - além dos
poetas Capinan e Torquato Neto e dos maestros Rogério Duprat, Damiano Cozzella
e Júlio Medaglia (responsáveis pelos arranjos do disco “Tropicália ou Panis et
Cirsensis”). Segundo o Dicionário Cravo Albin: “O movimento ressaltou, em sua
estética, os contrastes da cultura brasileira, trabalhando com as dicotomias
arcaico/moderno, nacional/estrangeiro e cultura de elite/cultura de massas.
Absorveu vários gêneros musicais, como samba, bolero, frevo, música de
vanguarda e o pop-rock nacional e internacional, e incorporou a utilização da
guitarra elétrica. Estabeleceu uma interlocução com a poesia concreta paulista,
tendo recebido apoio crítico de seus expoentes, Augusto de Campos, Haroldo de
Campos e Décio Pignatari. O histórico remonta a discussões estéticas mantidas
entre Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Torquato Neto, Rogério
Duarte e o empresário Guilherme Araújo, em que eram colocadas em pauta questões
como a necessidade de universalização da música brasileira em um contexto
marcado hegemonicamente pela preocupação nacionalista de rechaçar a influência
estrangeira.”
Para ler, ver e
ouvir:
Tropicália – 1968 – “Tropicália ou Panis et circenses”
Programa o Som do Vinil sobre o disco “Tropicália ou
Panis et circenses”
Brasil Brasil - 2007 - Documentário BBC –
Revolução tropicalista
Soul
e Funk (Black Music)
Da união entre as
tradições musicais afro-americanas com a música sacra de origem protestante,
mais elementos do Blues e, mais tarde, do R&B, na transição da década de
1950 para a de 1960, desenvolveu-se uma música profana notabilizada pelas orquestração
elaborada, harmonias elegantes e pelos vocais angelicais, além das letras ora
políticas, ora sentimentais, muito em função do trabalho de Berry Gordy Jr. na
gravadora Motown Records (fundada em 1959) de Detroit que foi fundamental para
o estabelecimento desse novo estilo musical, o Soul, também chamado justamente
de “O som da Motown”. São ótimos exemplos da grandiosidade da Motown sucessos
como "ABC", do Jackson Five; "You Keep Me Hangin' On", com
Diana Ross e The Supremes; "Let´s Get it On”, de Marvin Gaye; "I
Can´t Help Myself" com os The Four Tops; "My Girl", com The
Temptations; além de centenas de outros.
Portanto, o Soul
é resultado da união das experiências profanas e envolventes da versão
acelerada e festiva do Blues, o Rhythm and Blues; com o Gospel, a música
protestante negra, consequência eletrificada e pungente dos Spirituals, quase
sempre cantada por coros efusivos e vibrantes com o intuito de adorar a Deus,
além do toque da Motown que tornou essa música um sucesso para muito além da
comunidade negra. Tal processo cultural é a prova das infinitas e imprevisíveis
possibilidades de aproximação entre as referências culturais ou ideológicas
mais distintas. São
exemplos: Ray Charles, Otis Redding, Sam Cooke, Curtis Mayfield, Smokey
Robinson, The Temptations, The Comodores, Jackson 5, Marvin Gaye, Gladys Knight
& the Pips, Martha Reeves & The Vandellas, The Marvelettes, Diana Ross
(e o grupo The Supremes), Aretha Franklin, The Four Tops, Booker T and the MGs,
Solomon Burke, Nina Simone, Dusty Springfield, Stevie Wonder, etc.
Ao longo da
década de 1960 e 1970, o Soul foi sendo modificado por várias influências que
potencializaram outro ritmo mais dançante, mais agressivo e com letras
politicamente ainda mais engajadas, que passou a ser chamado mais tarde de
Funk. Com batida fortemente sincopada e com grandes e agitados “nipes” de
metais, construiu-se uma música que ao mesmo tempo que era defensora da causa
dos negros nas décadas de 1960 e 1970 especialmente, era um ritmo enérgico,
alegre e sedutor, perfeito para celebrações agitadas, dançantes e vigorosas.
Por vezes, é difícil separar as influências Funk e Soul em uma mesma música,
até porque muitos artistas não tiveram qualquer interesse em separá-los de
forma clara ao longo de sua produção musical. São exemplos: James Brown, mestre maior desse
ritmo; Sly and Family Stone; Funkadelic; Parliament, Kool and the Gang;
Kashmere Stage Band; The Metters; Average White Band; Maceo Parker; Hank
Ballard; Jimmy "Bo" Horne; etc.
No Brasil, esses
estilos musicais desenvolvem-se na periferia de grandes cidades como o Rio de
Janeiro e São Paulo, nos famosos Bailes Black ou Bailes da Pesada ou ainda
Festas Hi-Fi, onde se ouvia uma grande gama de estilos de música de origem
invariavelmente negra como o Funk de Sugarhill Gang, KC and Sunshine Band, War,
Funkadelic, Sly and Family Stone, James Brown, etc.; o Soul de Wilson Pickett,
Otis Redding, The Commodores, Marvin Gaye, etc.; o R&B de Aretha Franklin,
Diana Ross, Jackson 5, etc., o Samba-Rock de Jorge Ben, Bebeto, Trio Mocotó,
etc.; o Samba-Funk de Dom Salvador e Grupo Abolição, Black Rio, etc.; o Miami
Bass de 2 Live Crew, DJ Magic Pike, etc.; e o RAP de Kurtis Blow, Grandmaster
Flash, Afrika Bambaataa, etc. Esse som tocava nos toca-discos (pick-ups) de DJ
como Ademir Lemos e Big Boy, em paralelo surgiriam as equipes de som,
inspiradas nos “Sound Sytems” jamaicanos e norte-americanos, como são os casos
da Chick Show, Cash Box, Zimbabwe, Furacão 2000, etc.
Nesse contexto,
os Bailes Black desenvolveram-se velozmente, ainda que com pouco do aspecto
político muito presente no Soul e no Funk norte-americanos em função da
revolução que ocorria em paralelo com seu desenvolvimento em função da
mobilização política de grupos e pessoas como Black Panthers, Nação Islã, Rosa
Parks, Martin Luther King, Malcolm X, Muhamad Ali-Haj, etc. Além dessa questão
ideológica, importante ressaltar que, no Brasil, as fronteiras entre esses
estilos ficaram sutis graças ou mesmo ignoradas graças às multifacetadas obras
de Tim Maia, Wilson Simonal, Gerson King Combo, Hyldon, Cassiano, Dom Salvador
e Orquestra Abolição, Sandra Sá, Trio Ternura, Banda Black Rio, etc. Isso
porque o que viria a ser chamado com o intuito simplificador de Black Music,
por parte da mídia brasileira, seria também influenciado por ritmos brasileiros
como o samba, por exemplo. É nesse ambiente que vão surgir como decorrência do
que se ouvia o RAP e o Funk Carioca no Brasil.
Para ver, ouvir e ler:
Playlist sobre a influência da música negra
norte-americana na brasileira
Playlist sobre a música negra brasileira
O nascimento da Motown
"You Keep Me Hangin' On", com Diana
Ross e The Supremes
"ABC", do Jackson Five
"Let´s Get it On”, de Marvin Gaye
"My Girl", com The Temptations -
3’18’’
"I Can´t Help Myself", com The Four
Tops – 4’23’’
(Eu assistiria tudo, desde o primeiro
minuto.)
Playlist de um Baile Black no início da
década de 1980.
Bailes Black ou da Pesada
Bailes Black (SP) – uma história
Bailes da Pesada (RJ) – breve história
Tim Maia
James Brown no Soul Train
Uma curiosidade, James Brown no Brasil (1988)
Funk Carioca
Primeiramente, é
crucial afirmar que esse ritmo musical brasileiro guarda pouca relação com o
Funk do mestre James Brown, porque o Funk Carioca desenvolveu-se da convivência
e da confusão entre muitos ritmos como o Miami Bass, o Soul, o Samba-Rock, o
Charm (Rhytmn’n’Blues) e o próprio Funk, que animavam os famosos Bailes Black,
Bailes da Pesada ou Festas Hi-Fi na virada da década de 1970 para 1980 no Rio
de Janeiro. Nessas oportunidades, todas as músicas que eram executadas pelos
DJs, tais como Ademir, Cidinho Cambalhota, Mr. Funk Santos, Messiê Limá, etc.,
eram chamadas genericamente de Funk, ainda que o Funk Carioca seja mais ligado
a ritmos como o Miami Bass, ritmo nascido na Flórida caracterizado por batidas
rápidas e graves e letras com forte apelo sexual. Ao longo do desenvolvimento
do Funk carioca, os bailes - até então, realizados em casas de show em locais
centrais do Rio, mais tarde seriam "banidos" para as periferias da
capital fluminense e da região metropolitana. Mais tarde, expandiram-se para
áreas onde equipes de som rivais (Chic Show, Soul Grand Prix, Furacão 2000,
Black Power, Equipe Modelo, Cash Box, etc.) enfrentavam-se para saberem quem
tinha o som mais potente, o MC mais inspirado, o melhor DJ ou o “melô” mais
popular.
No fim do século
XX, os bailes funk tornaram-se um fenômeno cultural que alcançaria a classe
média, o que permitiu a realização frequente de bailes também em áreas nobres
da cidade. Para explicar esse processo, tem grande destaque o DJ Marlboro, um
dos muitos protagonistas do Funk Carioca, o qual inclusive foi um dos
principais responsáveis pela internacionalização desse ritmo. Atualmente, esse
importante fenômeno cultural tem se diversificado por causa do trabalho de MCs
e DJs com produções com batidas e temas bem brasileiros, ainda que se mantenham
as batidas graves e repetitivas e as músicas com forte apelo sexual, ainda que
a violência, a vida na periferia, também sejam assuntos alcançados pelo Funk
Carioca que se estabeleceu no Brasil como um ritmo muito popular no país
inteiro a partir do início do século XXI.
Convivem com essa
versão hegemônica manifestações mais politizadas, hedonistas; apológicas do
crime organizado, da violência e das drogas (“Proibidão”); ou mesmo os que, de
forma bem humorada, tratam do cotidiano de grupos alvos de preconceitos como as
mulheres. Os primeiros “melôs” foram “Feira de Acari”, “Melô do tagarela”, etc.
São exemplos de diferentes formas desse ritmo: Latino, Copacabana Beat, MC
Marcinho, Claudinho e Bochecha, Mr Catra, Tati Quebra-Barraco, MC Leozinho,
etc.
Para ler, ouvir e ver:
Baile do Furacão 2000 com MC Marcinho
Breve História do Funk Carioca
Funk Ostentação
RAP
(“Rhythm and Poetry”
ou "Rime and Poetry")
Ritmo nascido na
periferia de cidades norte-americanas, especialmente New York, produto de uma
cultura urbana, negra e periférica que é parte de tradições culturais
caracterizadas por expressões corporais ligadas à dança (Break), musicais (RAP)
e visuais (grafite), as quais são os pilares de movimento cultural chamado Hip
Hop. O RAP é resultado de várias e evidentes influências de tradições musicais
e comportamentais dos chamados “Sistemas de Som” jamaicanos, que nada mais eram
que festas populares feitas na periferia de Kingston, voltadas para um público
jovem sem muitas oportunidades de lazer, que via naquelas grandes aparelhagens
de som comandadas por um Disc-jóquei (DJ) e um Mestre de Cerimônia (MC) tanto
uma oportunidade de diversão como um canal de expressão. Esses DJs e MCs, entre
versos improvisados e discos inicialmente de R&B, conseguiam divertir e
inspirar milhares de pessoas a, mais tarde, construir pontes entre músicas folclóricas
jamaicanas como o Mento e as influências norte-americanas que ouviam.
Como evento
musical, o RAP consiste no cantar falado e ritmado de um MC acompanhado por DJ
que usava bases presentes em “Long Plays” (LPs) geralmente de bandas e
intérpretes clássicos do Funk como James Brown, Sly and Family Stone, The
Metters, Kashmere Stage Band, etc., ainda que com a aplicação de texturas,
novos andamentos e os famosos “scratches”, para que os MCs
"cantassem" sobre essas construções musicais de intenso e marcado ritmo.
No início, a partir de vozes de Gil Scott-Heron e Kurtis Blow, o RAP foi uma
espécie de porta-voz das angústias, das insatisfações e do estilo de vida dos
negros das comunidades pobres e urbanas dos EUA, ou seja, tinha um componente
político indiscutível. Mais tarde, ao longo da década de 1990, nos EUA, o RAP
perdeu em parte seu aspecto politizado para dar lugar a letras de caráter
hedonista, revanchista, misógino, etc., que foram responsáveis pela
consolidação de um subestilo do RAP chamado Gangsta. Atualmente, o RAP
tornou-se um dos elementos mais importante da cultura pop mundial, a ponto de
ser uma forma de inspiração em revoltas populares em países de culturas
aparentemente tão diferentes como os árabes Tunísia e Egito. Exemplos: DJ Grandmaster
Flash, Afrika Bambaataa, DJ Kool Herc, Public Enemy, Run DMC, De La Soul,
N.W.A. - Niggas With Attitude, The Notorious B.I.G., Tupac Shakur, The Roots,
Dr. Dre, etc.
No Brasil,
desenvolveu-se a partir dos Bailes Black ou Festas Hi-Fi na periferia
especialmente de São Paulo no início da década de 1980. A cultura Hip-Hop
desenvolveu-se em torno do break primeiramente, nas saídas de estações de metrô
paulistanas. Mais tarde, expoentes dessa cultura como Thaíde e DJ Hum seriam um
dos primeiros a cantar o novo ritmo musical em português, ainda que muito fieis
às ideologias que fomentaram o RAP na periferia de cidades como New York.
Atualmente, no Brasil, o RAP continua fiel aos princípios básicos do ritmo
quanto à temática e ao plano melódico e rítmico, quase sempre politizada a
partir de um ponto de vista marcadamente negro e periférico. Quanto ao som,
experiências de união com o samba, como é o caso de alguns discos de Marcelo
D2, apresentaram novas possibilidades para o desenvolvimento desse gênero
musical. São referências fundamentais no RAP brasileiro: Thaíde e DJ Hum,
Racionais MCs, Pavilhão 9, Planet Hemp, Instituto, Sabotage, Camorra, etc.
Para ler, ver ou ouvir:
Freesstyle
Batalha de MCs
Breves histórias do
RAP
Rock Brasileiro
O contexto
ideológico e histórico que antecede a chegada do Rock no Brasil no final da
década de 1950 inscreve-se num ambiente que fora muito propício para um intenso
processo de americanização da cultura brasileira, em função de acordos feitos
entre os governos brasileiros de então e os EUA com a anuência da elite
brasileira que tinha muito interesse nessa importação cultural e material que objetivava
“modernizar” o Brasil ao gosto do que os EUA articulavam mundialmente no campo
diplomático. É nesse contexto que o rock chega em terras brasileiras. Soma-se a
isso outro contexto, ligado ao “surgimento” da adolescência e da contracultura
muito bem definidos nesse trecho de texto de Carlos Primati:
“‘Contra o que você está se rebelando, Johnny?’,
uma moça pergunta ao motoqueiro interpretado por Marlon Brando no filme ‘O
Selvagem’ (‘The Wild One’). ‘Contra o que você quiser’, responde o malvado.
Lançado no final de 1953, o filme tornou-se um símbolo da inquietação juvenil,
antecipando o conflito de gerações que seria detonado definitivamente pela
explosão do rock’n’roll, alguns anos depois.
A ressaca do
pós-guerra trouxe embutida a necessidade de contestar antigos valores. A perda
da inocência e a conseqüente desconfiança nos mais velhos ampliaram o abismo
entre gerações. Nada mais perfeito do que o frenético, indecente, imoral e
excitante rock’n’roll para selar esse conflito. O cinema não demorou para
perceber o potencial desse novo filão e a indústria de Hollywood tratou de
estampar nas telas o inconformismo.
O drama
estudantil Sementes da Violência (Blackboard Jungle) estipulou o marco zero do
rock’n’roll nas telas ao exibir ‘Rock Around the Clock’. O filme captava o
clima tenso entre os “rebeldes sem causa” e as instituições conservadoras. A
cena do delinqüente que quebra uma coleção de discos de jazz não deixa de ter
um forte simbolismo.
Atento a todo o
alvoroço provocado pelo novo ritmo, o veterano produtor Sam Katzman decidiu
investir no primeiro filme sobre a febre do rock’n’roll. Em março de 1956, ‘Ao
Balanço das Horas’ (‘Rock Around the Clock’) levava o verdadeiro rock às telas,
contando a história (um pouco ingênua, deveras fictícia) da ascensão e
descoberta de Bill Haley e seus cometas. No filme, o rock’n’roll é tratado como
uma ‘onda’, à qual todo artista que quer fazer sucesso deve aderir o quanto
antes. Mais ou menos como aconteceu com Haley, um cantor caipira de meia-idade,
alçado da noite para o dia ao posto de ‘ídolo da juventude’.
Claro que
detalhes como esse pouco importavam aos produtores; os filmes de rock não
defendiam ideais ou estilos de vida. O objetivo era faturar com a nova mania.
Eram garotos entre os 13 e 25 anos que lotavam os drive-ins, então nada mais
lucrativo do que fazer filmes para esse público rejuvenescido.
Foi o cinema que
cuidou de transformar o rock numa manifestação sociológica perene. O espírito
inquieto do novo ritmo se manifestava por meio da arruaça promovida durante as
sessões. Assim, os filmes ajudaram a definir o famoso jargão ‘o rock não pode
parar’”.
O rock para
efeitos midiáticos e televisivos começou com a primeira aparição nacional nos
EUA do então quase desconhecido Elvis Presley, era janeiro de 1956, dia
chuvoso, apesar disso a plateia do The Dorsey Brothers Stage Show, em Nova York,
estava lotada. Naquela noite, o “Rei do Rock” cantou “Shake Rattle & Roll”,
“Flip Flop & Fly” e “I Got A Woman”. Nascia nesse dia para o grande público
o que viria a ser chamado de Rock’n’Roll, ainda que suas origens negras tornem
natural e justo entender o rock como uma consequência direta do Jump Blues, do
R&B e de outras versões - do inicio da década de 1950 - aceleradas e
eletrificadas do blues rural do sul profundo dos EUA, ou seja, a origem mais
contundente do rock está nas comunidades negras dos EUA. Em todo caso, para a
maioria das pessoas até hoje, o rock nasceu em 1956 com essa apresentação
histórica de Elvis, o que atestaria a relação seminal entre o rock e os meios
de comunicação como o rádio e a televisão.
O rock no Brasil
começou “cinematográfico” graças ao sucesso arrebatador do filme “Sementes da
violência”, “Blackboard jungle” em inglês, que depois de fazer um alvoroço
estrondoso em cinemas norte-americanos a ponto de ser proibido em diversas
cidades dos EUA, chegava ao Brasil com estardalhaço menos amplo, mas não menor,
em virtude das reações estupefatas e indignadas contra o que se pensava ser uma
corrupção tremenda dos “bons costumes”, o que de fato era.
O Rock em terras
brasileiras nasceu “fonograficamente” com uma versão do clássico de Bill Haley
& His Comets “Rock Around the clock”, que ficou mundialmente conhecido por
fazer parte do sucesso do cinema “Blackboard jungle”. Era 1956, quando a respeitada
cantora de samba-canção Nora Ney lançou “Ronda das horas” em ritmo diferente do
original, porque mais parecia um Foxtrot do que um Rock. Mais tarde Cauby
Peixoto com “Rock and Roll em Copacabana”; Sérgio Murilo com “Broto legal” e
Cely Campelo com os clássicos “Estúpido cupido” e “Banho de lua” seriam
transformados em ídolos da juventude brasileira nos anos posteriores. No meio
da década de 1960, o primeiro movimento organizado desse gênero musical, a
Jovem Guarda, seria desenvolvido no Brasil em torno das figuras de Erasmo e
Roberto Carlos, responsáveis pela produção mais autoral entre seus pares, ainda
que fosse uma música distante do que se fazia à época nos EUA e na Inglaterra,
porque ingênua, apolítica e, para muitos, mera cópia do que se fez nesses
países dez anos antes, fazia um sucesso estrondoso no Brasil, por isso pode ser
considerado o primeiro fenômeno cultural pop e jovem em terras brasileiras que
alcançou um sucesso em escala nacional, em grande medida graças ao programa da
TV Record intitulado Jovem Guarda lançado em agosto de 1965 .
Ainda nessa
época, também vale destacar o Tropicalismo que dialogaria intensamente com a
vanguarda roqueira norte-americana e inglesa, em especial com a inovadora
proposta estética do disco “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” dos Beatles.
De diversas formas influenciados pela Tropicália e pelo Hard Rock de bandas
como Cream, Led Zeppelin, Deep Purple, etc., e pelo Rock Progressivo de bandas
como Pink Floyd, Yes, Jethro Tull, Focus, etc., sem, na maioria das vezes,
desconectarem-se das raízes da cultura brasileira, bandas como Secos e
Molhados, Mutantes, Novos baianos, O terço, Som nosso de cada dia, A Barca do
Sol, A Banda, Som Imaginário, Ave sangria, Casa das máquinas, etc., e
intérpretes como Raul Seixas, Zé Ramalho, Rita Lee e Alceu Valença, em seus
primeiros discos, definiriam o Rock, agora sim brasileiro, feito na década de
1970 no Brasil.
Ainda nessa
década, destacaram-se a música do Clube da Esquina, em Minas Gerais,
declaradamente influenciada pela música dos Beatles. Além disso, como uma
consequência direta do movimento tropicalista, surgem os Novos Baianos com uma
mistura inspirada e radical de MPB com ritmos derivados do rock.
A década de 1980
foi profundamente marcada pela abertura política com o fim da Ditadura Militar;
pelo sucesso da Fluminense FM, da casa de shows Disco Voador e do filme “Menino
do Rio”; e pela consolidação de uma juventude menos tensa e pressionada, em
especial no Rio de Janeiro. Esse contexto provocou por um lado certo “desbunde”
e valorização do hedonismo em grande parte da geração de jovens da década de
1980, mais uma vez especialmente no Rio, o que muito influenciou a produção de
bandas como a Blitz, o Barão Vermelho, o Ultraje a rigor, Kid Abelha, etc.
Por outro lado,
especialmente em São Paulo e Brasília, surgiriam diversas bandas influenciadas pelas
condições urbanas mais conflituosas dessas cidades. Assim, surgem influenciadas
pela compleição urbana de capital do país, pela condição de jovens de classe
média de seus protagonistas e pela cena pós-Punk inglesa bandas como Aborto
Elétrico, Plebe Rude, Capital inicial e Legião Urbana. Em São Paulo, produto da
cidade de inúmeros conflitos urbanos; do olhar periférico e operário de garotos
de subúrbio, da profunda desigualdade social instalada na capital paulista e do
Hardcore e do Punk inglês e norte-americano, nascem bandas seminais como Olho
Seco, Ratos de Porão, Inocentes, etc.; além disso, das influências do cenário
“underground” do rock inglês e da cultura Mod, surgem bandas como Ira e
Violetas de Outono. Alcançaria o sucesso também a banda brasileira mais
jamaicana desse período que eram os Paralamas do Sucesso.
Ainda na década
de 1980, com a influência do som de Black Sabbath, Motörhead, Iron Maiden,
Metallica, Judas Priest, Venom, Diamond Head, entre outras bandas de Metal
europeias e estadunidenses, desenvolveu-se no Brasil uma das cenas mais
profícuas de Metal do mundo, graças à qualidade e o pioneirismo de bandas como
Sepultura, Sarcófago, Overdose, Angra, Viper, entre muitas outras bandas que
ajudaram no processo de estabelecimento do Heavy Metal no Brasil e de muitos de
seus subgêneros como o Thrash Metal, Death Metal, Black Metal, etc.
Do Sul, ainda na
década de 1980, viria o Rock intelectualizado e requintado dos Engenheiros do
Hawaii; o Punk vigoroso dos Replicantes; o Rock seminal do Defalla; o Poprock
radiofônico do Nenhum de nós; entre muitas outras bandas.
Na década de
1990, o Rock da década mais bem sucedida da história desse gênero musical no
Brasil, a de 1980, seria gradativamente substituído nas rádios e televisões por
gêneros musicais como o Sertanejo, o Axé, a Música Eletrônica e o Pagode, que
se tornariam grandes sucessos entre a maioria dos jovens brasileiros. Nesse
contexto, ainda destacam-se bandas como o Rappa, o Jota Quest, o Pato Fu, entre
outras poucas que ainda manteriam o Rock com alguma presença na grande mídia.
Nesse período, o Rock volta ao “subterrâneo”, ao “underground” por meio de
festivais independentes como o Abril Pro Rock que teve sua pioneira edição em
1993, o que influenciaria a cena roqueira no Brasil profundamente, já que após
esse marco diversos festivais similares seriam realizados no Brasil até o
presente momento. Nessa década, surge também um ritmo muito ligado ao Rock, mas
mais conectado ao multiculturalismo e as referências múltiplas e imprevistas
oriundas da música jamaicana, da Música Eletrônica, do RAP, etc., a partir do
Recife, que seria intitulado Manguebeat, que teria como bandas chave a Chico
Science & Nação Zumbi e o Mundo Livre S.A. Mais tarde, outros grupos de
forma multifacetada serão consequências estéticas e sonoras desse primeiro
impulso criativo de pensar e criar uma cena de música jovem na “cidade estuário”,
são elas: Cordel do Fogo Encantado, Móveis Coloniais de Acaju, Sheik Tosado, Mombojó,
Querosene Jacaré, Cabruêra, Mestre Ambrósio, Otto, Orquestra Santa Massa, Orquestra
Contemporânea de Olinda, etc.
Como consequência
dessa independência estética, fonográfica e organizacional, muitos festivais
seriam criados a partir de 1994 e continuam sendo criados sob a égide do
multiculturalismo, da experiência de produção artística colaborativa, do
estímulo à diversidade musical e da distribuição independente e por meio da
internet do conteúdo que produzem, são os casos do JuntaTribo, BHRIF, Humaitá
pra peixe, Gioânia Noise, Bananada, Boom Bahia, Calango, Festival Demo Sul, Do
Sol, Eletronika, Grito Rock, Jambolada, Mada, Porão do Rock, Porto Musical, Rec
Beat, Varadouro, Festival Quebramar, Timbre, etc. Nesse ambiente, tiveram seus
primeiros espaços bandas como Funk Fuckers, Raimundos, Los Hermanos,
Detonautas, Planet Hemp, Cachorro Grande, Pata de Elefante, Uganga, Burro Morto,
Porcas Borboletas, Macaco Bong, Krow, Tulipa Ruiz, Vespas Mandarinas, entre
muitas outras.
Ainda na década
de 1990, surgiu no Brasil uma cena underground de Hardcore Melódico e Punk Rock,
mais tarde chamada de forma simplificadora de Emo, no início com músicas
cantadas exclusivamente em inglês, depois predominantemente em português, também
associada à independência em relação às grandes gravadoras, ao menos no início
de sua história. São exemplos bandas como Garage Fuzz, Blind Pigs, Dance of
Days, Blind Pigs, Hateen, Holly tree, Carbona, Mukeka di rato, Sugar Kane, CPM
22, Dead Fish, Glória, etc.
Para ler, ver e ouvir:
Discografia selecionada
Bill Haley & this comets – 1955 - “Rock
around the clock”
“Sementes da Violência” – trailer – de
Richard Brooks
Elvis Presley – 1956 – no The Dorsey Brothers
Stage Show
Nora Ney – 1955 – “Rock around the clock”
Heleninha Silveira – 1955 – “Ronda das horas”
Cauby Peixoto – 1957 – “Rock’n’Roll em
Copacabana” (primeiro rock composto originalmente em português.)
Betinho e Seu Conjunto - 1957 – “Banho de lua”
https://www.youtube.com/watch?v=c8YPKCvnYy4
Celly Campello - 1959 - "Lacinhos cor de rosa"
https://www.youtube.com/watch?v=K-FLU9AxXQE
Sérgio Murilo – 1960 – “Querida” (versão de “Believe me”)
Celly Campello - 1959 - "Lacinhos cor de rosa"
https://www.youtube.com/watch?v=K-FLU9AxXQE
Sérgio Murilo – 1960 – “Querida” (versão de “Believe me”)
Sérgio Murilo – 1960 – “Broto legal”
https://www.youtube.com/watch?v=FVXxZmnr7J4
Ronnie Cord - 1963 - Rua Augusta
https://www.youtube.com/watch?v=OByqAxGeW84
Ronnie Cord - 1963 - Rua Augusta
https://www.youtube.com/watch?v=OByqAxGeW84
Roberto Carlos – 1963 – “Splish splash”
Roberto Carlos – 1963 – “Parei na contramão”
The Jet Blacks – 1964 – “Chapeuzinho
vermelho”
The Jet Blacks – 1963 – “Apache”
The Jordans – 1964 – “Blue star”
Mutantes – 1969 – “Batmacumba” e “Panis et
circensis”
Som imaginário – 1970 – “Feira moderna”
Novos Baianos – 1972 – “Tinindo trincando”
Raul Seixas – 1974 – “Sociedade alternativa”
Moto Perpétuo – 1974 – “Conto contigo”
Secos e Molhados – 1974 – “Flores astrais”
Ave Sangria – 1974 – “Geórgia, a carniceira”
Rita Lee & Tutti Frutti – 1975 – “Esse
Tal De Roque Enrow”
Aborto Elétrico – 1980-1981 – “O reggae”
“Botinada” - A história do Punk no Brasil
Ira! – 1984 – “Gritos na multidão”
Plebe Rude – 1985 – “Até quando esperar”
Titãs – 1985 – “AA UU”
Legião Urbana – 1985 ou 1986 – “Química”
Barão Vermelho – 1985 – “Bete balanço”
RPM – 1985 – “Olhar 43”
Inocentes – 1986 – “Pânico em SP”
Engenheiros do Hawaii – 1986 – “A revolta dos
dândis”
Capital Inicial – 1986 – “Fátima”
Ultraje a rigor – 1986 – “Rebelde sem causa”
Zero e RPM – 1986 – “Agora eu sei”
O Rappa – 1995 – Show em SP
Pato Fu – 1995 – “Sobre o tempo”
Jota Quest – 1996 – Ônibusfobia
Os herdeiros do Manguebeat.
Uma breve história da música Emo.
Os festivais independentes brasileiros.
Música Caipira, Moda de Viola, Música Sertaneja
e Pop Sertanejo
Em linhas gerais,
na música chamada genericamente de Caipira, Moda de Viola, de Raiz, Sertaneja,
etc., há predomínio de letras extensas de aspecto narrativo com predomínio de
temas associados à vida simples do homem do campo, à natureza, à anedota, ao
amor singelo e inocente, às imagens bucólicas e à religiosidade católica.
Normalmente, cantada em dupla em que um dos integrantes faz às vezes de
primeira voz - porque mais aguda (tenor) e potente para alcançar falsetes e
notas muito agudas - que sola em momentos mais dramáticos da música e o outro
faz uma segunda voz que serve de acompanhamento e a base para os floreios do
outro integrante do duo e é baseada em instrumentos de cordas, em especial, na
viola de 10 cordas brasileira que é a fusão de influências europeias (alaúde) e
brasileiras (viola de cocho). São expoentes desse estilo musical Cascatinha e
Inhana, Mandi e Sorocabinha, Zico Dias e Ferrinho, Caçula e Marinheiro,
Laureano e Soares, Tião Carreiro e Pardinho, Pena Branca e Xavantinho, Tunico e
Tinoco, Zé Coco do Riachão, Renato Teixeira, Zé Mulato e Cassiano, Zezé di
Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, etc. Para fins didáticos, segue uma
tentativa de separar os estágios de evolução desse ritmo importante da música
popular brasileira.
A Música Caipira teve seu período
de mais intensa atividade do início do século XX até a década de 1940. São pioneiros
desse ritmo musical a turma caipira de Cornélio Pires e da Victor (RCA-Victor).
Esse gênero musical é caracterizado pela música acústica centrada na viola de
10 cordas; pelos temas rurais, cotidianos, religiosos e ingênuos; pelo falar
caipira; por certo equilíbrio entre 1ª e a 2ª voz; por certo humor em alguns
casos; e pela audiência quase predominantemente composta por moradores de zonas
rurais e da periferia de cidades. Ao longo de toda primeira metade do século
XX, foi preconceituosamente identificada como uma expressão artística inferior
e pouco relevante esteticamente por parte da "intelectualidade"
brasileira em função da origem de seus produtores e de seus ouvintes. Em suma,
ainda era uma música feita do campo
para o campo.
A
partir da década de 1950, desenvolve-se a chamada Moda de Viola caracterizada
pela instrumentação eletroacústica e pelo fato de a viola começar a perder a
centralidade absoluta para outros instrumentos como acordeons, naipes de
metais, etc.; por expressar pensamento conservador e continuísta; pela 1º voz
começar a ter mais destaque em relação à 2ª; por ainda manter muitos dos temas
da Música Caipira, acrescidos de novas inspirações associadas à vida na cidade,
à cultura da estrada (caminhoneiros) e à saudade do campo, da infância, da
casa, etc. Em algum momento entre o fim da década de 1960 e o início da de
1970, em função do trabalho de duplas como Pedro Bento e Zé da Estrada e Milionário
e José Rico, a Moda de Viola passa a ter influências de gêneros musicais
mexicanos, bolivianos, paraguaios, etc. Foi muito influenciada pelo cada vez
mais intenso êxodo rural e foi frequentemente identificado com o brega ou com o
cafona pelas camadas mais "intelectualizadas" da sociedade
brasileira. É uma variedade de canção rural brasileira, também chamada Música
Caipira, ainda muito comum nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso
do Sul, Mato Grosso e Goiás. Originou-se da união de Toadas, Cururus, Valsas,
cantigas, Modinha Portuguesa, Fandango entre outras manifestações musicais
populares e folclóricas de influência ameríndia, europeia ou africana. Todavia,
desenvolveu-se cada vez mais urbana nos modos e nas escolhas estéticas, mas
ainda feita para o campo e, ainda mais, para a periferia das grandes cidades repletas
de pessoas expulsas do campo em função da mecanização, dos novos hábitos de
vida da população brasileira, etc.
Com
a intensificação do processo de urbanização da sociedade brasileira, no início
da década de 1980 com o intuito, mas não como projeto calculado e meticuloso,
de alcançar mais ouvintes e ser aceito pela indústria cultural. A Música
Caipira e a Moda de Viola sofreram mudanças severas que a transformaram no que
chamamos hoje de Música Sertaneja ou Sertanejo Romântico, ou seja, uma versão
mais pop e urbana da Moda de Viola começava a ser massificada em especial entre
as classes baixa e média da sociedade brasileira. Era chamada de Música
Sertaneja. Entre as características mais marcantes desse gênero musical,
destacam-se os temas essencialmente urbanos e universais (traição, ciúme,
etc.); a exacerbação sentimental; o ponto de vista machista; a audiência urbana
e rural, que começa a alcançar todas as classes sociais; a perda do
protagonismo da viola na instrumentação; o fato de a 1º voz ganhar destaque
quase absoluto frente a 2ª voz; a adoção da estrutura de banda pop com baixo,
bateria, teclado e guitarra como padrão de banda; entre outros aspectos que
fizeram com que essa seja a variante da música caipira que passa a ser de fato
aceita pelo público mais urbano, escolarizado e urbano no Brasil. São expoentes
dessa fase da música dita Sertaneja Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo,
Zezé Di Camargo e Luciano, Chrystian e Ralf, João Paulo e Daniel, Gian e
Giovani, Bruno e Marrone, Rick e Renner, etc.
Na
transição para o século XXI, um movimento oriundo da Música Sertaneja alcançou
sucesso arrebatador, porque se tornou, no Centro-Oeste, em grande parte do
Sudeste e em diversas outras regiões do país, um fenômeno pop sem precedentes:
o Pop Sertanejo ou Sertanejo Universitário, que se desenvolveu ao longo da década de 1990, ainda que tenha se
consolidado como estilo apenas no fim da década. É uma música
essencialmente urbana e forjada junto a produtores musicais muito sintonizados
com os mecanismos de construção de sucessos televisivos e radiofônicos como um
ritmo musical mais urbano, mais pop, mais simpático ao amor livre e à bebida
alcoólica, muito associado à imagem quase sempre jovem e estilizada de seus
intérpretes. Isso foi condição para que fosse alcançado o enorme êxito
fonográfico e econômico atual. Entre suas características, destacam-se a estrutura
de banda pop que se cristaliza; a viola que é praticamente banida das músicas; os
temas universais e modernos associados a vida na cidade; os elementos da música
Country norte-americana; o culto ao prazer, ao dinheiro, ao sexo, ao álcool,
etc., que podem muito ser definidos como aspectos do hedonismo que define o
mote da maioria das letras; e a audiência expressiva em todas as classes
sociais urbanas e rurais. São destaques as duplas Édson e Hudson, Marcos e Léo,
João Bosco e Vinícius, César Menotti e Fabiano, Jorge e Mateus, Victor e Leo
Fernando e Sorocaba, Maria Cecília e Rodolfo, Luan Santana, etc.,
Para ler, ver e ouvir:
Mandi e Sorocabinha – “Amanhecer na roça”
Mariano e Caçula – “Só cabocro brasileiro”
Alvarenga e Ranchinnho – “Mizerave”
(introdutores do humor)
Raul Torres e Serrinha – “Adeus Campina da
Serra”
Cascatinha e Inhana – “Índia”
Tonico e Tinoco – “Chico Mineiro”
Tião Carreiro e Pardinho – “A coisa ficou
bonita”
Tião carreiro e Pardinho – “Boi soberano”
Liu e Leu – “Boiadeiro errante”
Pedro Bento e Zé da estrada – “Cavalo baio”
(pioneiros das influências mexicanas)
Duduca e Dalvan – “Rastros na areia”
Duduca e Dalvan – “Pirâmide do amor”
Milionário e José Rico – “Estrada da vida”
Milionário e José Rico – “De longe também se
ama”
Milionário e José Rico – “Minha paixão”
Chitãozinho e Xororó – “Fio de cabelo”
Zezé di Camargo e Luciano – “É o amor”
João Paulo e Daniel – “Malícia de mulher”
Leandro e Leonardo – “Pense em mim”
Edson e Hudson – “Galera coração”
João Bosco e Vinicius – “Caçador de corações”
e “Memórias”
Fernando e Sorocaba – “As mina pira”
Luan Santana – “Meteoro da paixão”
Michel Teló – “Ai seu eu te pego”
Gustavo Lima – “Balada”
Música do Norte e do Nordeste
Introdução
A cultura
nordestina é uma das mais complexas e multifacetadas manifestações culturais brasileiras.
A presença holandesa; a ainda presente influência da cultura medieval; a
multietnicidade; a cultura vibrante produto da união mais equânime do que em
outras regiões do brasil entre tradições indígenas, europeias e africanas; a
forte influência do ambiente e do clima nas manifestações culturais; etc., são
marcos fundamentais para se entender a produção cultural do Norte e do
Nordeste. Apesar de ainda ser alvo preconceitos especialmente oriundos do Sul e
Sudeste, a cultura dessas vastas regiões brasileiras mantém-se rica, influente,
em transformação e multifacetada, muito em função de eventos e festas como a
grande festa junina de Campo Grande; o Boi de Parintins; o carnaval de
Salvador, Olinda e Recife; entre muitas outras.
Para ler, ver e ouvir:
Um olhar sobre o cangaço a partir da lente de
Benjamim Abrahão, 1936.
Breves vídeos sobre o cangaço.
Maracatu
Genericamente,
música sincopada e carnavalesca, de origem africana e típica do estado de
Pernambuco, com forte presença de tambores, chamados de alfaias. O Maracatu
também é uma forma de dança de aspecto dramático em que um cortejo “real” ou
bloco fantasiado desfila ao som de tambores, chocalhos e gonguê e com intensas
execuções coreográficas. O cortejo é composto de personagens como o rei, a
rainha, a dama do passo (que carrega uma boneca chamada calunga), o tirador de
toadas e os caboclos.
Para ver, ler e ouvir:
Extraído do documentário "Maracatu,
ritmos sagrados".
Maracatu didático por Eder "O"
Rocha.
Maracatu Nação ou Maracatu de Baque Virado -
Nação Porto Rico
Maracatu Rural ou Maracatu de Baque Solto
- Maracatu Leão Vencedor de Carpina, Maracatu Estrela Brilhante de Nazaré
da Mata e Maracatu Cruzeiro do Forte.
Xote (Xótis)
Uma versão
nordestina do Schottisch – palavra alemã que significa “escocesa” em referência
à polca escocês, que no final do século XIX no Brasil era uma dança muito
valorizado pelas elites brasileiras. Normalmente, mais lento de que o Baião e
Xaxado com o qual mantém muitas semelhanças, inclusive porque junto ao Coco, à
Ciranda, etc., são muito executadas em Forrós. Trata-se de uma forma de dança
muito comum em bailes na Europa que foram trazidos ao Brasil pelos portugueses
e tiveram intenso desenvolvimento especialmente no Nordeste onde evoluiu a
partir de passos da polca e da valsa europeias. Além do instrumental típico do
Baião, pode ter também solos de rabeca (tipo popular de violino).
Para ver, ler e ouvir:
Luiz Gonzaga – “O xote das meninas”
Xaxado
Atualmente muito
executada em Forrós, Dança popular brasileira originada do sertão pernambucano,
criada e inicialmente executada entre cangaceiros, daí ser uma dança por muito
tempo exclusivamente masculina. Usada como forma de, com cantos de improviso ou
compostos, comemora vitórias, lamentar a perda de companheiros, insultar inimigos,
etc. O nome, para muitos, deriva de uma onomatopeia (xa-xa-xa) associada ao
barulho repetitivo e compassado das sandálias dos dançarinos no solo seco do
sertão.
Para ver, ler e ouvir:
Luiz Gonzaga - 1958 – “Olha a pisada” (Do
filme "O galo sou eu")
Baião
Ritmo musical
nordestino, com influência do samba e da conga, muito apreciado pelo ritmo
alegre e dançante, que se expandiu pelo Brasil a partir de 1946, graças à obra
do compositor, cantor e sanfoneiro Luís Gonzaga, criador e intérprete de muitos
sucessos como “Asa Branca”, “Juazeiro”, “Paraíba”, “Qui nem Jiló”, “Respeita
Januário”, “Sabiá”, “Vem Morena”, “Baião de Dois”, “Noites brasileiras”, etc.
Nas últimas décadas, o ritmo conquistou admiradores e outros expoentes, ainda
que com repertórios não completamente dedicados ao Baião, tais como Alceu
Valença, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Jackson do Pandeiro, Hermeto Pascoal,
Lenine, etc. Também pode ser entendido como um tipo de dança popular de origem
nordestina geralmente acompanhada de viola, sanfona (acordeão), zabumba,
triângulo, etc. Também chamado de baiano, lundu-chorado, etc. Outros nomes
importantes do Baião são Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, etc.
Para ver, ler e ouvir:
Luiz Gonzaga (Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira) - 1949 – “Baião - Eu vou mostrar pra vocês como se dança o
baião."
Dominguinhos no programa Ensaio da TV
Cultura.
Jackson do Pandeiro – “Chiclete com banana”
Forró
Ainda que uma
forma genérica de nomeação de ritmos nordestinos como o Baião, o Xote e o
Xaxado, é mais criterioso usar esse termo para se referir a bailes muito
populares no Nordeste do Brasil, que, no final do século XX, passaram a ser
comuns também no restante do país, especialmente no Sudeste. Neles, casais
dançam de forma compassada e muito próxima; também é chamado de “arrasta-pé”,
“rala-bucho”, “bate-coxa”, “bate-chinela” ou “forrobodó”. Como ritmo musical,
constrói-se em torno da sanfona e da união de gêneros nordestinos como o Coco,
o Baião, o Xote, o Xaxado, a Quadrilha, entre outros. A temática da música tem
a ver com sentimentos simples, com ideias bucólicas e singelas, com casos
famosos da cultura popular e de cordel, etc. Entre os muitos nomes que
difundiram essa cultura destacam-se Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Sivuca,
Dominguinhos, João do Vale, Genival Lacerda, Elba Ramalho, etc.
Frevo (Marcha nortista ou Marcha
pernambucana)
Ritmo
carnavalesco instrumental assemelhado a uma marcha, até por sua origem da Polca
Militar ou da Polca-marcha, de andamento rapidíssimo e sincopado. Música
considerada extremamente contagiante e típica da região de Pernambuco.
Provavelmente, a origem do nome Frevo deriva de “frever” (ferver) em função das
consequências dela no comportamento e no humor das pessoas e grupos. Como tipo
de dança é caracterizado por movimentos frenéticos por parte dos dançarinos,
que tradicionalmente usam guarda-chuvas coloridos como forma de compor
visualmente os passos elaborados dessa forma de dança. Eles executam comumente
coreografias individuais marcadas por intenso movimento de pernas e braços.
Para muitos, os passos típicos do Frevo foram inspirados em danças europeias e
em movimentos da Capoeira. São expoentes e importantes divulgadores desse ritmo
Alceu Valença, Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, Spok Frevo Orquestra,
Orquestra de Frevos do Recife, etc.
Para ver, ler e ouvir:
Spok Frevo Orquestra - Três modalidades de
Frevo.
Orquestra Popular da Bomba do Hemetério –
“Lunda D'agora”
Lambada
Gênero musical e
dança populares surgidas no Pará na década de 1970. Produto da junção de ritmos
regionais como o Carimbó e a Guitarrada com referências latinas como a Cumbia e
o Merengue. Provavelmente, a primeira música gravada fiel a esse estilo foi
“Lambda (sambão)” do músico de carimbó Pinduca em 1976, ainda que algumas
músicas fossem chamadas genericamente de “lambadas” por radialistas paraenses
anos antes. O grande nome desse estilo que foi também muito popular em países
latinos e mesmo entre a comunidade latina dos EUA foi Beto Barbosa e o grupo
Kaoma.
Para ver, ler e ouvir:
Beto Barbosa – “Beijinho na boca”
Axé Music
Esse nome, mais
um rótulo criado por força da cultura pop, não traduz exatamente um movimento
musical com limites e escolhas estéticas claras, por isso pode-se dizer que, a
partir de referências caribenhas, nordestinas e baianas, com forte influência
de grupos tradicionais de música negra ou blocos afro como os Filhos de Gandhi,
o Ilê Ayê e Olodum, além de uma estrutura musical que se assemelha em vários
aspectos ao de uma banda pop, criou-se esse ritmo musical que abarca desde a
música de Daniela Mercury, Araketu, Chiclete com Banana, Ivete Sangalo até
Margareth Menezes, Luís Caldas, Dodô e Osmar.
Antes de ser um
estilo musical, a palavra “axé”, segundo a tradição musical e religiosa
afro-brasileira, em linhas gerais, traduzia apenas um voto de energias
positivas e de felicidade por parte de alguém para outra pessoa, ou mesmo,
dizia sobre a força sagrada de cada orixá, que é em linhas gerais despertada
com as oferendas e os sacrifícios rituais ofertados por seus seguidores.
A origem da Axé
Music, para muitos pesquisadores, remonta a década de 1950, quando a dupla Dodô
e Osmar começou a tocar o frevo pernambucano em guitarras improvisadas em cima
de um Ford 29. Assim nasceu o que viria a ser chamado de Trio Elétrico, o qual
se tornou um marco do carnaval de rua de Salvador e de inúmeras cidades
brasileiras. A tradição do Axé cantado deve-se ao fato de Moraes Moreira ter
resolvido subir em um trio para cantar na década de 1970, pois, até então, os
músicos de Axé dedicavam-se apenas à música instrumental.
Para ver, ler e ouvir:
Filhos de Gandhy
Banda Didá
Olodum
Dodô e Osmar – 1982 – “Vida boa”
Gerônimo – 1987 – “Eu sou negão”
Margareth Menezes – “Cordeiro de Nanã/Deixa a
Gira Girar/Atabaque Chora”
É o Tchan – 1996 - “Dança do bum bum”
Daniela Mercury – “O canto da cidade”
Brega
Ritmo de origem
controversa, muito associado a um tipo de “mau gosto” oriundo de estados
nordestinos e de classes populares, mas assim tachado de forma conveniente e
preconceituosa pelas “elites” e pela indústria cultural do Sudeste. Atribuído
mesmo por alguns à música que embalava e embala a busca por sexo nos
prostíbulos nas periferias de cidades brasileiras, em especial nas regiões
Norte e Nordeste. Entretanto, mais justo, menos preconceituoso e razoável
afirmar que a música brega é um estilo musical de origem discutível, mas
certamente mista e multifacetada, porque popular. Soma-se a isso a preferência
por melodias que aludem ao samba-canção e ao Sambolero de artistas como
Lupicínio Rodrigues, às canções mais melancólicas e românticas da Era do Rádio,
a uma proximidade geográfica que determinou a influência de certos ritmos
latinos e caribenhos como o Bolero, a Habanera, o “El son” cubano, etc.
Caracteriza-se também por ser apelativa quanto a questões sentimentais; por ter
ritmo invariavelmente de andamento lento; por vezes, construída em torno de um
humor que parte do ingênuo ao explicitamente erótico; etc. São expoentes do
gênero artistas como Agnaldo Timóteo, Nelson Ned, Reginaldo Rossi, Sidney
Magal, Gretchen, Waldick Soriano, Agnaldo Rayol, Amado Batista, entre muitos
outros.
Para ler, ver e ouvir:
Música brega também foi importante para a MPB,
coluna do Nelson Motta para o Jornal da Globo
Waldick Soriano – “Eu não sou cachorro não”
Reginaldo Rossi - “A Dama de Vermelho”
Tecnobrega (tecnomelody)
Gênero musical
extremamente popular no Pará, foi desenvolvido no início do século XX, na
periferia de cidades como Belém como alternativa de diversão para as camadas
mais pobres dessa região. É resultado da fusão da chamada Música Brega com
vertentes da Música Eletrônica como o House e o Techno, pode-se perceber também
nesse estilo musical contribuições do Carimbó, Calypso, Guitarradas, etc. Outra
questão importante dessa cena musical, reconhecida por antropólogos como
Hermano Vianna, é o fato de ela ter sido construída e viabilizada à margem da
indústria fonográfica oficial e centrada no Sudeste, graças ao barateamento de
recursos tecnológicos diversos e do empreendedorismo de vários artistas que
tornaram-se cientes e responsáveis a respeito dos múltiplos desafios impostos
por se fazer música popular no Pará, qual sejam, além de conceber esteticamente
suas produções, passaram a também propagandeá-las, distribui-las e vendê-las.
Esse processo não seria possível sem as chamadas “Festas de aparelhagem”
“importadas” da Jamaica e que, com o incremento de grande número de
equipamentos de som e de efeitos visuais foram o ambiente perfeito para a
difusão dessa cultura autossuficiente, periférica e popular.
Para ver, ler e ouvir:
Documentário Brega SA
Movimento musical
e cultural surgido na cidade de Recife nos primeiros anos da década de 1990, de
forma bastante espontânea no início, porque idealizado nas mesas dos bares da
orla, por jovens em sua maioria moradores da periferia e influenciados por uma
enorme quantidade de referências pop e tradicionais. Posteriormente, o
movimento ganha corpo e sentido com o trabalho de bandas como Chico Science
& Nação Zumbi e Mundo Livre S/A que passaram a misturar - sem nenhum pudor
ou preconceito - o RAP norte-americano; com as guitarras pesadas do Metal; com
vertentes eletrônicas da música jamaicana; com temáticas futuristas,
tecnológicas e visionárias e com gêneros musicais folclóricos nordestinos como
o Maracatu, o Coco, a Ciranda, o Caboclinho, a Embolada, o Baião, etc. Mais
tarde, o movimento teve seu primeiro manifesto, “Caranguejos com Cérebro”,
escrito por Fred 04, líder da banda Mundo Livre S/A, e Renato L, jornalista
recifense, e publicado pela imprensa em 1992. As ideias do movimento misturavam
intenções claramente afirmativas da cultura local com um sentimento de
universalidade cultural e pop mediado por concepções tropicalistas e
antropofágicas. São outros expoentes ou consequências desse movimento bandas
como Sheik Tosado, Mestre Ambrósio, Eddie, Via Sat, Querosene Jacaré, Jorge
Cabeleira, Arrastamangue, Cordel do Fogo Encantado, Mombojó, etc.
Para ler, ver e ouvir:
Chico Science e Nação Zumbi – “A cidade”
(clipe)
Mundo Livre S/A – “Computadores fazem arte”
Especial MTV - Chico Science
Documentário sobre o Manguebeat
Chico Science e o Manguebeat (doc)
Brasil Brasil - 2007 - Documentário BBC – Uma
história de quatro cidades
Caranguejos com Cérebro (Manifesto)
Por Fred Zero Quatro
Mangue, o conceito.
Estuário. Parte
terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se
encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais
inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a
água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais
produtivos do mundo.
Estima-se que
duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados
estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova
e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo
menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso
que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha.
Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os
cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.
Manguetown, a cidade
A planície
costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a
expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade "maurícia"
passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição
de seus manguezais.
Em contrapartida,
o desvairio irresistível de uma cínica noção de "progresso", que
elevou a cidade ao posto de "metrópole" do Nordeste, não tardou a
revelar sua fragilidade.
Bastaram pequenas
mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose
econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta
anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da
"metrópole" só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de
miséria e caos urbano.
Mangue, a cena
Emergência! Um
choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber
que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as
suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma
cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que
fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como
devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples!
Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de
fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91,
começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de
pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um "circuito
energético", capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede
mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica
enfiada na lama.
Hoje, Os
mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da
modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões),
moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem,
música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e
todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da
consciência.
Bastaram poucos
anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se
espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma
cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de
rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as
artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da
Manguetown.
Reggae e ritmos jamaicanos
Estilo musical
originário da Jamaica, caracterizado pela estrutura de banda pop; pelas letras
ligadas aos movimentos de afirmação dos negros, ao amor e a paz; pela ligação
com o Rastafarismo e pelo ritmo envolvente. Originou-se da união de influências
da música tradicional africana e caribenha (Mento), do Ska, do Rocksteady e do
R&B norte-americano. Posteriormente, deu origem a ritmos como o Dub, o
Dancehall e o Ragga. Bob Marley é o maior representante do gênero em função da
qualidade da sua vasta obra e da grande repercussão internacional dela. No
Brasil, desenvolveu-se vigorosamente em muitas cidades da região Norte, muito
em função da proximidade geográfica e étnica com a Jamaica, em especial, na
cidade de São Luís do Maranhão, onde há uma cena popular, madura e bem desenvolvida
de ritmos jamaicanos. São exemplos: Maskavo, Cidade Negra, Natiruts,
Chimarruts, Tribo de Jah, Ponto de Equilíbrio, etc.
Leituras para aprofundamento:
Texto 01.
MPB: raízes e antenas conectadas
Carlos Calado
A imagem
profética de uma nova atitude musical na cena brasileira atual chegou a público
no início dos anos 90. Usando uma antena parabólica enfiada na lama como
símbolo do movimento Mangue Beat, os músicos das bandas pernambucanas Chico
Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A apontaram o caminho para a
superação de uma polêmica que marcou a cultura nacional durante o último
século: para dialogar com a música de outros países, o brasileiro deve abrir
mão de suas raízes? Misturando ritmos regionais, como o maracatu, a ciranda e a
embolada, com hip-hop, funk e hardcore, além de eletrificar as cordas do
tradicional cavaquinho, a resposta dos "mangue boys" não deixava
qualquer dúvida.
Se a consciência
de que raízes e antenas devem estar conectadas é flagrante nos trabalhos
musicais de muitos artistas brasileiros da atualidade, vale lembrar que nem
sempre foi assim. No final dos anos 50, a Bossa Nova de João Gilberto e Tom
Jobim, principal cartão de visitas da música brasileira no mundo, foi acusada
de desfigurar o samba tradicional por meio da influência do jazz
norte-americano. Uma década depois, a Tropicália de Caetano Veloso, Gilberto
Gil e Tom Zé tentou superar essa polarização, operando uma intervenção crítica
na cultura do país. Musicalmente, sintonizou-se com o pop internacional da
época, utilizando instrumentos eletrificados e procedimentos da música
contemporânea, mas sem abrir mão de ritmos e outros elementos regionais. Ou
seja, ligou as antenas, sem abandonar as raízes mais características de nossa
cultura.
A ação inovadora
dos tropicalistas não impediu que o debochado Raul Seixas, um ícone do rock
brasileiro, declarasse com ironia, em 1976: "Essa história de procurar
raízes é uma bobagem. As únicas raízes que eu conheço são de amendoim e
mandioca". Não foi muito diferente a concepção da maioria das bandas e
artistas ligados ao pop-rock brasileiro, que dominou o cenário musical do país,
nos anos 80. Com raras exceções, essa produção musical ficou relegada apenas ao
público brasileiro. Afinal, por que cópias mal disfarçadas do rock britânico da
época, com letras em português, interessariam a plateias de outros países?
Uma nova visão
estética se estabeleceu ao longo dos anos 90, reconhecível em vários gêneros de
música produzida no país. Na chamada MPB (a corrente central da música popular
brasileira), por exemplo, uma geração de compositores e intérpretes (não
necessariamente estreantes), como o pernambucano Lenine, o paraibano Chico
César, o maranhense Zeca Baleiro ou a banda carioca Pedro Luis e a Parede,
concretizou em seus trabalhos (mesmo sem essa intenção), duas décadas depois, a
essência do projeto tropicalista. Esses artistas perceberam que a melhor
maneira de soar global é valorizar o que se possui de local, de regional.
Seguindo esse princípio, tudo é válido: misturar ritmos do Nordeste com drum'n'bass
e outros estilos da nova música eletrônica, injetar hip-hop e rap na tradição
da batucada brasileira.
Se, em décadas
anteriores, a ideia de preservar as raízes da música brasileira chegou a ser
tratada com descaso ou mesmo preconceito, em nome de uma aparente modernidade,
os anos 90 contribuíram para que esse ponto de vista fosse questionado. Exemplo
revelador de um trabalho que prioriza as raízes brasileiras, sem cair no
folclorismo acadêmico, é do grupo paulista A Barca, que desde 1998 viaja pelo país
para resgatar ritmos e recriar danças praticadas em festas populares, como o
jongo, o carimbó, o coco e o samba de roda, entre outros. Ainda nessa linha,
também se pode citar o grupo brasiliense Casa de Farinha e a cantora e
compositora mineira Consuelo de Castro.
Nos últimos anos,
essa vontade de identificar manifestações que não frequentam as rádios, TVs ou
outros meios da indústria musical tem estimulado projetos de mapeamento,
permitindo que as plateias dos grandes centros urbanos possam conhecê-las e
desfrutá-las. O mais ambicioso deles é "Música do Brasil" (2000),
idealizado e conduzido pelo antropólogo Hermano Vianna, que cruzou o país
durante um ano, transformando em série de especiais de TV e uma caixa de quatro
CDs (Abril Music) os sons e imagens de mais de cem grupos e bandas de diversos
estilos musicais, em cerca de 80 cidades do país. Assim registrou-se o coco de
Alagoas, o cururu de Mato Grosso, a sambada de Pernambuco e o batuque do Amapá,
entre inúmeras manifestações inéditas para o resto do país.
Se, no
"Música do Brasil", as gravações foram agrupadas por afinidades
temáticas, o critério da Cartografia Musical Brasileira (2000/2001) ― projeto
coordenado pelo músico Benjamim Taubkin e produzido pelo Itaú Cultural ― foi
geográfico. A partir de cerca de 1700 inscritos foram selecionados 78 trabalhos
de dez regiões brasileiras. Na caixa de 10 CDs, editada com duas ou três faixas
de cada selecionado, puderam tornar-se mais conhecidos pelo país alguns dos
artistas e grupos mais inovadores da música brasileira atual, como o grupo
paulista de percussão corporal Barbatuques, a banda mineira de black music
Berimbrown, o guitarrista paraense Pio Lobato, o grupo sergipano Lacertae, ou a
compositora carioca Suely Mesquita, entre outros.
Vale mencionar também
o projeto de mapeamento Bahia Singular e Plural, coordenado pelo etnomusicólogo
Fred Dantas, que já resultou na gravação em campo de 92 manifestações do
folclore baiano, reunidos em uma coleção de seis CDs (com outros programados em
seguida). Assim pôde ser mais socializado o acesso a cantos de trabalho, sambas
de roda, reisados, folias, cantos de lavagem e outros preciosos gêneros e
aspectos musicais de origem essencialmente popular da Bahia. Iniciativas como
essa certamente vão funcionar como preciosos arquivos, tanto de informações
musicais, como de material sonoro para ser utilizado em novas criações de
músicos e "samples" para DJs.
Embora menos
abrangente, o projeto Orgânico Sintético (Muquifo Records) também não deixa de
ser um mapeamento sonoro. Compilação realizada pelo produtor paulista Dudu
Marote, reúne num CD duplo 24 dos artistas, DJs e produtores mais criativos da
cena da música eletrônica brasileira, passando até pelo hip-hop e pela MPB mais
contemporânea, como a rapper Nega Gizza, o compositor Jupiter Apple e os DJs
Dolores (de Recife), Anvil X (de Belo Horizonte) e Flu (de Porto Alegre), além
de veteranos nessa área. Gênero que se expandiu com força e variedade
impressionantes, a música eletrônica já ultrapassou há anos a fase inicial de modismo
circunscrito a clubes noturnos do eixo São Paulo-Rio, tomando conta do país.
Provas disso são as associações e cooperativas de DJs e produtores, que têm
surgido em várias regiões, como o Pragatecno (criado em 1998), que se define
como um "núcleo de e-music no Norte-Nordeste" e reúne DJs de várias
capitais, ou a Zootek, pioneira cooperativa de bandas eletrônicas brasileiras,
com sede em Curitiba.
Não propriamente
um mapeamento, a série A música brasileira deste século por seus autores e
intérpretes oferece um rico panorama de nossa música popular no último século.
Produzida por Pelão e editada pelo SESC São Paulo, reúne gravações e
transcrições de depoimentos, realizados originalmente por Fernando Faro para
seus programas de TV. Até agora a série destaca 75 CDs e seis livros com
compositores, cantores e instrumentistas de vários gêneros urbanos, do samba de
raiz à chamada MPB, incluindo também algumas manifestações regionais.
Muitos outros
exemplos poderiam ser extraídos de vários segmentos da atual produção musical
do país, seja a black music, o pop ou a música instrumental, que confirmam uma
mesma atitude: o músico brasileiro afinado com a cena global sabe que raízes e
antenas são fontes de igual valor.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor.
Originalmente publicado em 2002, no site MPB-BPM. Carlos Calado é jornalista,
crítico musical e autor dos livros “Tropicália ― A história de uma revolução
musical” e “A divina comédia dos Mutantes”, entre outros.
Texto 02.
MPB: a trilha sonora da abertura política
(1975/1982)
Texto 03.
Os 100 Maiores Artistas da Música Brasileira
Texto 04.
A MPB e a História do Brasil no século XX
Texto 05.
O abacaxi da cultura
Texto 06.
Filmografia geral da música brasileira comentada:
1.
- “História da Música
Brasileira” – Excelente referência sobre o desenvolvimento da música no Brasil
desde a chegada dos portugueses.
2.
- “Uma noite em 1967” –
Documentário sobre um dos mais importantes festivais de música popular
ocorridos no Brasil.
3.
- “Brasil, Brasil” –
Série de 4 documentários da BBC sobre a música brasileira.
4.
- “Noel, o poeta da
Vila” – Filme sobre a trajetória conturbada, genial e curta de um dos maiores
compositores de samba da história.
5.
- “O povo brasileiro” –
Documentário baseado na Obra de Darcy Ribeiro que ilustra muito bem a formação
da mestiça e multicultural sociedade brasileira.
6.
- “Mistério do Samba” –
Documentário sobre a história do Samba a partir do horizonte da Escola de Samba
Portela.
7.
- “Meu tempo é hoje” –
Documentário sobre Paulinho da Viola, a Portela e o samba em geral.
8.
- “Cartola – música para
os olhos” – Documentário sobre um dos “arquitetos” da Música Popular
Brasileira.
9.
- “Saravah” -
Documentário de 1969 com Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Pixinguinha, João
da Baiana e Baden Powell, entre outros. Um olhar do francês Pierre Barouh sobre
a música brasileira.
10.
- “Simonal – Ninguém
sabe o duro que eu dei” – Documentário sobre a epopeia trágica de um cantor
esplêndido chamado Wilson Simonal.
11.
- “Zoombido” – Programa
televisivo do Canal Brasil apresentado pelo compositor, músico e cantor Moska
entrevista nomes importantes da música brasileira.
12.
- “Em construção” –
Programa televisivo e de internet do Canal Brasil apresentado pelo produtor e
músico Charles Gavin que trata do processo de criação da obra de arte
televisiva, musical ou radiofônica.
13.
- “O som do vinil” -
Programa televisivo e de internet do Canal Brasil apresentado pelo produtor e
músico Charles Gavin, que trata dos bastidores de discos clássicos da Música
Popular Brasileira.
14.
- “Alto falante” –
Programa televisivo da Rede Minas focado no Rock e em suas vertentes.
15.
- “Ensaio” – Programa
televisivo exibido há décadas pela Rede Cultura e um dos mais importantes
registros dos maiores nomes da Música Popular Brasileira. Por isso,
constituiu-se como um dos maiores acervos da produção musical brasileira e
fonte farta de pesquisa sobre o tema. Além de visto pela televisão, pode ser
adquirido ou mesmo visto em “sites” como o Youtube.
16.
- “Por toda minha vida”
– Programa de televisão exibido pela Rede Globo que faz homenagens para os
maiores nomes da música brasileira recontando sua história com dramatizações
fiéis e historicamente relevantes.
17.
- “Ruídos de Minas” –
Documentário fundamental sobre o desenvolvimento da cena de Metal em Minas
Gerais em especial de Belo Horizonte.
18.
- “Favela On blast” –
Documentário que investiga as raízes do Funk carioca.
19.
- “Palavra (en)cantada”
– Documentário sobre as origens do cancioneiro brasileiro e das relações entre
música e poesia na Música Popular Brasileira.
20.
- “L.A.P.A.” –
Documentário sobre o bairro boêmio carioca em que samba, RAP e gafieiras
encontram-se e onde rappers como Marcelo D2, BNegão, Black Alien reúnem-se. Uma
visão carioca sobre o RAP.
21.
- “Titãs – A Vida até
parece uma Festa” – Documentário sobre uma das bandas centrais do chamado Rock
Brasil da década de 1980.
22.
- “Brasil, Brasil: uma
breve história da Música Brasileira” - Série de três documentários feitos pela
BBC que contam de forma didática a história da música brasileira.
23.
- “Vinicius” –
Documentário conta de forma lírica e leve a história de um dos maiores
compositores brasileiros.
24.
- “Botinada! A história
do Punk no Brasil” – Documentário narra a iconoclasta e conturbada da música
Punk no Brasil.
25.
- “Brasileirinho” –
Documentário fundamental para compor a história do Choro no Brasil.
26.
- “Noitada de samba –
foco de resistência” – Documentário histórico que narra os espetáculos de samba
no teatro Opinião às segundas-feiras que foram fundamentais para se fazer ouvir
mais longe a voz dos morros cariocas.
27.
- “É Candeia” –
Documentário que resgata a importância e a história de uma dos compositores
mais importantes do Samba e da Música Popular Brasileira.
28.
- “Filhos de João,
admirável mundo novo” – Documentário que conta parte da história da música
brasileira sob o viés do revolucionário grupo Novos Baianos.
29.
- “Elza” – Documentário
conta a história de uma das grandes cantoras da música brasileira: Elza Soares.
30.
- “Música do Brasil” -
Série de 15 programas que mapeiam manifestações folclóricas do Brasil baseada
nas pesquisas do antropólogo Hermano Vianna e apresentada por Gilberto Gil.
31.
- “Do underground ao
Emo” – Documentário sobre a história do Emo no Brasil.
Abaixo segue um link para a maioria desses
documentários além de muitos outros:
Observação importante: praticamente todos os
exemplos citados podem ser ouvidos e vistos na internet ou lidos de forma mais
ampla e profunda nos “sites” ou aplicativos abaixo.
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