Texto 1
A verdade e a parábola
(Parábola judaica)
Um dia, a Verdade
decidiu visitar os homens, sem roupas e sem adornos, tão nua como seu próprio
nome.
E todos que a viam
lhe viravam as costas de vergonha ou de medo, e ninguém lhe dava as
boas-vindas.
Assim, a Verdade
percorria os confins da Terra, criticada, rejeitada e desprezada.
Uma tarde, muito
desconsolada e triste, encontrou a Parábola, que passeava alegremente, trajando
um belo vestido e muito elegante.
— Verdade, por que
você está tão abatida? — perguntou a Parábola.
— Porque devo ser
muito feia e antipática, já que os homens me evitam tanto! — respondeu a
amargurada Parábola.
— Que disparate! —
Sorriu a Parábola. — Não é por isso que os homens evitam você. Tome. Vista
algumas das minhas roupas e veja o que acontece.
Então, a Verdade
pôs algumas das lindas vestes da Parábola, e, de repente, por toda parte onde passava
era bem-vinda e festejada.
*
Os seres humanos
não gostam de encarar a Verdade sem adornos. Eles preferem-na disfarçada.
Texto 2
Parábola do filho pródigo
Evangelho de Lucas (cap.15 vers. 11 a 32)
11- Certo homem tinha dois filhos;
12- o mais moço deles disse ao pai : Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. E ele repartiu
os haveres.
13- Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando
tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus
bens, vivendo dissolutamente.
14- Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma
grande fome, e ele começou a passar necessidade.
15- Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela
terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos.
16-Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos
comiam; mas ninguém lhe dava nada.
17- Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu
pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!
18- Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi:
Pai, pequei contra o céu e diante de ti;
19- já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como
um dos teus trabalhadores;
20- E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda
longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e
beijou.
21- E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de
ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.-
22- O pai, porém, disse aos seus servos:
Trazei depressa a melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no
dedo e sandálias nos pés;
23- Trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e
regozijemos-nos;
24- Porque este meu filho estava morto e reviveu, estava
perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se
25- Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando
voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
26- Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo.
27- E ele informou: veio teu irmão, e teu pai mandou matar o
novilho cevado, porque o recuperou com saúde.
28- Ele se indignou e não queria entrar, saindo, porém, o pai
procurava conciliá-lo.
29- Mas ele respondeu a seu pai. Há tantos anos que te sirvo
sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para
alegrar-me com os meus amigos ;
30- Vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus
bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado.
31- Então, lhe respondeu o pai: meu filho, tu sempre estás
comigo; tudo o que é meu é teu.
32- Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos
alegrássemos, porque esse teu irmão
estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.
Texto 3
O Leão e o Rato
(Esopo)
Boas ações feitas, bons frutos criados...
Um Leão dormia sossegado, quando foi despertado por um Rato, que passou correndo sobre seu rosto.
Com um bote ágil ele o pegou, e estava pronto para matá-lo, ao que o Rato suplicou:
"Ora, veja bem, se o senhor me poupasse, tenho certeza que um dia poderia retribuir sua bondade."
Apesar de rir por achar ridícula tal possibilidade, ainda assim, como não tinha nada a perder, ele resolveu libertá-lo.
Aconteceu que, pouco tempo depois, o Leão caiu numa armadilha colocada por caçadores. Assim, preso ao chão, amarrado por fortes cordas, completamente indefeso e refém do fatídico destino que certamente o aguardava, sequer podia mexer-se.
O Rato, reconhecendo seu rugido, se aproximou e roeu as cordas até deixá-lo livre. Então disse:
"O senhor riu da simples ideia de que eu seria capaz, um dia, de retribuir seu favor. Mas agora sabe, que mesmo um pequeno Rato é capaz de fazer um favor a um poderoso Leão."
Moral da História: Nenhum ato de gentileza é coisa vã. Não podemos julgar a importância de um favor, pela aparência do benfeitor.
Texto 4
O Leão e o
Rato
(Millôr Fernandes)
Depois que o Leão
desistiu de comer o rato porque o rato estava com espinho no pé (ou por
desprezo, mas dá no mesmo), e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão
envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou
mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta), os dois, rato
e Leão, passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes
da floresta (e das fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas
quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das
matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante
vários dias. Disse o Leão:
- Nem um boi.
Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d'oeuvres
de uma futura refeição.
Caiu
estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde
estava, lançou um olhar ao rato que o fez estremecer até a medula. "A
amizade resistiria à fome?" - pensou ele. E, sem ousar responder à própria
pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente do amigo (?) faminto. Sumiu
durante muito tempo. Quando voltou, o Leão passeava em círculos, deitando fogo
pelas narinas, com ódio da humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de
aplacar a fome do ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que
ninguém jamais poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o
queijo, embora não fosse um animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou:
- Maravilhoso,
amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos! Mas,
antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E como tenho receio de não
resistir à minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato
e confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus
próprios e famélicos instintos. Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato
para o rato; para o Leão, a parte do Leão.
A expressão
ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma
validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão
queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao
Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e
abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto
critério:
- Muito bem,
meu amigo. Isso é que se chama partilha, Isso é que se chama justiça. Quando eu
voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos bens que me couberem
no litígio com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai
se arrepender!
E o ratinho, morto
de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão
pensar que lambia os buracos de queijo. E enquanto lambia o ar, gritava, no
mais forte que podiam seus fracos pulmões:
- Longa vida
ao Rei Leão! Longa vida ao Rei Leão!
MORAL: Os
ratos são iguaizinhos aos homens.
Texto 5
Um Apólogo
(Machado
de Assis)
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada,
para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com
um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é
agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o
ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de
nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora
que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao
outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante,
puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno,
indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e
ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não
sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista
ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano,
pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a
coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a
melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana —
para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?
Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui
entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era
logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está
para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta,
calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não
se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano.
Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou
ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o
baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a
ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto
necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou
outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha
para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da
baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com
ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira,
antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça
grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é
que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu,
que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse,
abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
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