“Os textos
também podem ser classificados levando-se em consideração o caráter da
interação entre autor e leitor, pois o autor se propõe a fazer algo, e quando
essa intenção está materialmente presente no texto, através das marcas formais,
o leitor se dispõe a escutar, momentaneamente, o autor, para depois aceitar,
julgar, rejeitar. Sob esse ponto de vista da interação podemos também
distinguir os discursos narrativos, descritivos, argumentativos.”
(Kleiman)
“Gerar um texto significa executar uma
estratégia de que fazem parte as previsões dos movimentos dos outros.” (Umberto
Eco)
As
tipologias textuais ou protótipos textuais são mecanismos de construção textual/discursiva,
os quais são produtos de capacidades e necessidades humanas usadas na interação com o
meio, com o próprio íntimo e com o
outro. Além disso, são formas de apreender, interferir e apresentar a
realidade. Assim, mesmo timidamente, elas podem ser vistas desde tempos primordiais
nas simples ações
cotidianas de contar uma história; instruir ou
ordenar; dialogar; expor um determinado conhecimento; descrever um desejo ou uma nova
experiência sensorial; ou ainda defender um posicionamento ou
uma visão de mundo.
Quanto
a questões técnicas, são sequências linguísticas com especificidades associadas
às estruturas morfológicas mais comuns usadas no texto, a determinadas escolhas
sintáticas, ao maior ou menor grau de subjetividade e conotação na linguagem
empregada, a como são utilizados os verbos quanto ao modo, tempo e aspecto, ao
uso das pessoas do discurso, etc.
Para
essas formas elementares de expressão, foram dados os nomes de narração,
injunção ou instrução, diálogo, exposição, descrição e argumentação, as quais,
de certa forma, tentam exprimir a experiência humana com o texto/discurso. Tais
tipos textuais organizam-se também em função da finalidade e das intenções pretendidas
pelos seus usuários.
Pode-se também dizer
sobre os tipos de texto que, separados ou puros, é muito difícil encontrá-los,
pois é mais comum estarem misturados na maioria dos gêneros textuais com os
quais tomamos contato em nosso cotidiano. Quanto
a essa questão, é importante ressaltar
que não há pureza na maioria dos textos
produzidos pelo homem quanto à tipologia textual, mas ,
sim , predominância
de uma em relação
à outra.
Nesse sentido , alguns
estudiosos
definem essas relações como uma forma de nomear e
hierarquizar a interação entre as tipologias
textuais a partir
de características substantivas
(predominantes) e adjetivas (traços , recursos , ferramentas ).
Essas inúmeras possibilidades de interação entre as diferentes tipologias podem
classificar um texto entre os mais variados gêneros textuais, são exemplos: a
fábula, o conto, a dissertação, a carta, o manifesto, a crônica, a notícia, o
artigo, o editorial, o sermão, etc. A seguir, seguem discussões detalhadas
sobre as tipologias ou os protótipos textuais:
Tipologia
textual descritiva
“Descrever é
perceber algo
como se dele fizéssemos parte .”
(Vitório Sá)
“Entendo que
para contar é necessário primeiramente construir um mundo, o mais mobiliado
possível, até os últimos pormenores. Constrói-se um rio, duas margens, e na
margem esquerda coloca-se um pescador, e esse pescador possui um temperamento
agressivo e uma folha penal pouco limpa, pronto: pode-se começar a escrever,
traduzindo em palavras o que não pode deixar de acontecer.”
(Umberto Eco)
_Transforma em
linguagem aquilo que
os cinco sentidos
captam.
_Há a caracterização de pessoas ,
ambientes , objetos ,
sensações , etc., com
a utilização dos cinco
sentidos ou da imaginação
criadora.
_Adjetivos, classificações, atributos e impressões
são recursos
descritivos obrigatórios .
_Constrói “imagens ”
físicas ou psicológicas de um
determinado objeto, sensação, paisagem, pessoa, etc.
_O tempo verbal predominante é o presente.
_Recorte da realidade
a partir de um
ponto de vista
físico ou
ideológico.
_Amplo uso de verbos
de ligação [ser ,
estar , permanecer , parecer , ficar , continuar ,
virar (tornar-se), etc.].
_Amplo uso de orações nominais.
_Preferência por períodos curtos e orações
coordenadas.
_Amplo emprego
de metáforas , comparações e outras figuras de linguagem .
_O texto
descritivo prescinde de estrutura textual , a não ser pelo fato
de, normalmente , ser
estruturado de forma dedutiva, ou seja, parte de
observações mais gerais para as mais particulares.
_A descrição
pode ser objetiva
ou subjetiva, o que independe do assunto do texto.
_Normalmente, transforma-se em ferramenta
discursiva em textos
jornalísticos, literários, científicos e didáticos.
s.f. ato ou
efeito de descrever ;
reprodução , traçado, delimitação. 1 representação
fiel ; imitação ,
cópia , retrato. 2 representação oral ou escrita de; exposição. 3 estl lit desenvolvimento literário por meio do qual se
representa o aspecto exterior
de seres e coisas. 4 jur num processo ,
a enumeração circunstanciada,
detalhada dos caracteres de algo (...). (Dicionário Houaiss Digital)
Exemplos:
Texto 9.1
“Simão Bacamarte explicou-lhe que D.
Evarista reunia condições fisiológicas e
anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente,
tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos
robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, - únicas dignas da
preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de
lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os
interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.” (Trecho de “O Alienista” de Machado de Assis)
Texto 9.2
“A
Wikipédia é uma enciclopédia livre que está sendo construída por milhares de
colaboradores de todo o mundo. Este é um site baseado no conceito de wiki, o que significa que qualquer internauta,
inclusive você, pode editar o conteúdo de quase TODOS artigos acionando o link
"Editar" (Nas abas de
conteúdo) que é mostrado em quase todas as páginas do site.
O projeto Wikipédia
foi iniciado em 15 de Janeiro de 2001, na versão em língua inglesa. Em apenas
um ano de existência, esta versão já possuía quase 10.000 artigos. Até hoje já foram criados mais de 5 milhões
de artigos em dezenas de línguas (246 932 artigos na versão em português).
Todos os dias, centenas de colaboradores de todas as partes do mundo editam
milhares de artigos e criam muitos artigos inteiramente novos.” (www.wikipedia.org.br)
Texto 9.3
“Eu
não sei, olhe, é terrível como chove. Chove o tempo todo, lá fora fechada e
cinza, aqui contra a sacada, com gotões
coalhados e duros que fazem plaf e se esmagam como bofetadas um através do
outro. Agora aparece a gotinha no alto da esquadria da janela, fica
tremelicando contra o céu e se esmigalha em mil brilhos apagados, vai crescendo
e balouça, já vai cair, não cai ainda. Está segura com todas as unhas, não quer
cair e se vê que ela se agarra com os dentes enquanto lhe cresce a barriga, já
é uma gotona que se prende majestosa e de repente zup, lá vai ela, plaf,
desmanchada, nada, uma viscosidade no mármore.” (Júlio Cortázar)
Texto 9.4. A casa materna
Há, desde a entrada, um
sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão têm uma velha ferrugem
e trinco se oculta num lugar que só a mão filial conhece. O jardim pequeno
parece mais verde e úmido que os demais, com suas plantas, tinhorões a
samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da
haste.
É sempre quieta a casa
materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se pousam sobre a mesa
farta de almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tradicional silêncio em
suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho encerado, sobre o
qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guarda as mesmas manchas
e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em prece, nos
mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram moças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem
mudamente. O piano fechado, com uma longa tira de flanela sobre as teclas,
repete ainda passadas valsas, de quando as mãos maternas careciam sonhar.
A casa materna é o espelho de outras, em pequenas coisas que o olhar
filial admirava ao tempo que tudo era belo: o licoreiro magro, a bandeja
triste, o absurdo bibelô. E tem um corredor à escuta de cujo teto à noite pende
uma luz morta, com negras aberturas para quartos cheios de sombras. Na estante,
junto à escada, há um tesouro da juventude com o dorso puído de tato e de
tempo. Foi ali que o olhar filial primeiro viu a forma gráfica de algo que
passaria a ser para ele a forma suprema de beleza: o verso.
Na escada há o degrau que estala e anuncia aos ouvidos maternos a
presença dos passos filiais. Pois a casa materna se divide em dois mundos: o
térreo, onde se processa a vida presente, e o de cima, onde vive a memória.
Embaixo há sempre coisas fabulosas na geladeira e no armário da copa: roquefort
amassado, ovos frescos, mangas espadas, untuosas compotas, bolos de chocolate,
biscoito de araruta – pois não há lugar mais propício do que a casa materna
para uma boa ceia noturna . E porque é uma casa velha, há sempre uma barata que
aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe. Em cima ficaram
guardados antigos, os livros que lembram a infância, o pequeno oratório em
frente ao qual ninguém, a não ser a figura materna, sabe por que queima, às
vezes, uma vela votiva. E a cama onde a figura paterna repousava de sua
agitação diurna. Hoje, vazia.
A imagem paterna persiste no interior da casa materna. Seu violão dorme
encostado junto à vitrola. Seu corpo como se marca ainda na velha poltrona da
sala e como se pode ouvir ainda o brando ronco de sua sesta dominical. Ausente
para sempre da casa, a figura paterna parece mergulhá-la docemente na
eternidade, enquanto as mãos maternas se faziam mais lentas e mãos filiais mais
unidas em torno da grande mesa, onde já vibram também vozes infantis. (Vinícius de Morais)
Tipologia
textual narrativa
"Minha
força vem da lembrança da infância na fazenda, de correr e subir em árvores. E
das histórias fantásticas que as empregadas negras contavam."
(Tarsila do Amaral)
“Lembrava
mais do passado que do presente. Morreu empoeirado.”
(Roberto
Prado)
“Contar histórias
para crianças
é a arte que melhor se adapta a nossa
forma de pensar : tocam o ser humano há 4000 anos e o farão no ano
6000.”
(Margaret
Read Mac Donald)
“Toda
história de amor só presta se tiver, como ponto final, um beijo de mulher!”
(Menotti Del
Picchia)
_Respeita uma determinada
sequência no relato de fatos e acontecimentos reais
ou imaginários (texto sequencial).
_Texto marcado por uma determinada cronologia
de eventos e acontecimentos (temporalidade).
_Narrador, personagens ,
espaço , tempo
e enredo são tradicionalmente elementos
importantes para
a caracterização do texto narrativo.
_Geralmente, respeita
a seguinte estrutura
textual : apresentação ,
desenvolvimento , clímax
e desfecho ou ,
simplesmente , começo ,
meio e fim. Contudo, não é obrigatório
que as partes da narrativa estejam dispostas exatamente dessa forma, além de,
muitas vezes, ser comum encontrar narrativas sem apresentação ou desfecho.
_É comum a presença de personagens
que , classicamente, enquadram-se na seguinte disposição : protagonista (herói ),
antagonista (vilão )
e coadjuvante (personagem secundário).
_Presença de um
conflito na narrativa
que tende ao equilíbrio
ou à solução, normalmente encontrada no clímax do texto.
_Verbos de ação ou processuais são
fundamentais para existência desse tipo de texto.
_Presença intensa de advérbios e locuções
adverbiais.
_Discurso direto ,
indireto e indireto
livre são
amplamente empregados .
_O tempo
verbal predominante é o pretérito .
_É representada por
textos de vários
tamanhos , temáticas
e estruturas , tais
como o romance, a novela, o micro conto, o conto, a fábula, a narrativa oral, o
cordel, etc., os quais podem ser escritos
admitindo-se eixos temáticos
que permitem classificar
as narrativas como humorísticas, de
aventura, de amor, de terror, de horror, de ficção científica, etc.
s.f. ação, processo ou efeito de narrar ; narrativa 1
exposição escrita
ou oral de um acontecimento
ou de uma série
de acontecimentos mais
ou menos
sequenciados 2 cine tv fala que
acompanha, comenta ou explica uma sequência
de imagens que
expõem um acontecimento
ou uma série
deles 3 o texto dessa fala 4 sequência de imagens
que expõem ou
mostram um acontecimento
ou uma série
deles. (Dicionário Houaiss
Digital)
Exemplos:
Texto
9.5. Prólogo
A coceira no ouvido
atormentava. Pegou o molho de chaves , enfiou a mais
fininha na cavidade . Coçou de leve o pavilhão ,
depois afundou no orifício encerado . E rodou, virou a pontinha da chave em beatitude , à procura
daquele ponto exato em que cessaria
a coceira .
Até que , traque ,
ouviu o leve estalo
e, a chave enfim
no seu encaixe ,
percebeu que a cabeça
lentamente se abria. (Marina Colasanti, Contos de amor
rasgados)
Texto
9.6
70,
70, 70, 71, 95, zero. O coração parou. (Ricardo Barioni)
Texto
9.7
Pensou
em vender a alma. Buscou por dentro, não a encontrou. (Rosa Meire)
Texto
9.8. Dia dos namorados
Ontem. Dia dos
namorados. Um casal beijava-se entregue numa praça, quando ocorreu um assalto.
Horas depois, o namorado registrava a queixa em que anunciava o roubo de uma
namorada. (Vitório
Sá)
Texto
9.9. Fábula Curta
"Ai de
mim!", disse o rato, – "o mundo vai ficando dia a dia mais
estreito". "Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri
até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados
do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro
que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei
cair". "– Mas o que tens a fazer é mudar de direção", disse o
gato, devorando-o. (Franz
Kafka)
Texto
9.10. Era uma vez
Olhei
para o espelho .
Queria que me
dissesse a verdade da minha
beleza e virtudes .
Mas , disse-me: – Você
é um nada ,
nunca irá existir !–
joguei o espelho fora .
Comprei outro .
Tipologia
textual injuntiva ou instrucional
_Uso de linguagem geralmente objetiva,
precisa e clara para orientar e indicar procedimentos capazes de cumprir
determinadas ações.
_Tem como objetivo que o interlocutor
pratique uma determinada ação requerida, desejada; cumpra meticulosamente
diferentes etapas - cronologicamente ordenadas - de execução de uma ação; seja
orientado sobre o que ou como fazer determinada tarefa ou ação; seja incitado à
realização de uma dada ação ou um procedimento; etc.
_Muitas vezes, um texto injuntivo tem a
seguinte estruturação: 1ª parte: descrição dos materiais e circunstâncias
necessárias para a realização da uma ação; 2ª parte: enumeração de
procedimentos, os quais podem ser limitados quanto ao tempo, ao espaço, à
quantidade, á qualidade e a circunstâncias a ater-se para o adequado
desenvolvimento de algum projeto, ação ou procedimento.
_As formas verbais mais utilizadas na
injunção são a 3ª pessoa do modo imperativo: "Depois de quentes, mexa
todos os ingredientes."; o presente do indicativo com sujeito
indeterminado: "Depois de quentes, mexe-se todos os ingredientes."; o
infinitivo: "Depois de quentes, mexer todos os ingredientes.".
_Uso frequente de advérbios de modo e de
negação.
_O enunciado é feito na perspectiva do fazer
posterior ao tempo da enunciação.
_São exemplos dessa tipologia textual os
manuais de instrução, as receitas culinárias, as constituições, os regimentos,
etc.
s.f. 1.ato de injungir, de
ordenar expressamente uma coisa; ordem precisa e formal. 2.influência
coercitiva de leis, regras, costumes ou circunstâncias; imposição, exigência,
pressão. (Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.11.
Pennette di casa mia
Ingredientes:
200 g de tomates secos
1 dente de alho
2 filés de anchovas
1 berinjela
1 colher de sopa de manteiga
2 colheres de sopa de azeite de oliva
extravirgem
sal
pimenta moída
folhinhas de basílico
100 ml de vinho branco seco
Acompanhamento: Polpettine di Pesce
300 gr de peixe branco cortado fino
1 colher pequena de salsinha picada
1 ovo
1 pitada de alho picado
1 pitada de gengibre ralado fino, sal,
pimenta
Preparo:
1 Fatie a berinjela pelo comprimento, bem
fininha e coloque para grelhar no com azeite. 2 Em uma frigideira coloque o
azeite, a manteiga e o alho bem batido. 3 Amasse os filés de anchova com um
garfo. 4 Junte-os às alcaparras, as azeitonas sem caroço e adicione o vinho até
evaporar. 5 Acrescente os tomates secos cortados em pedaços graúdos. 6 Após
alguns minutos, junte os tomates frescos cortados em pedaços graúdos sem a
semente. 7 Adicione o sal, a pimenta, a ricota. 8 Não deixe ferver e sim apenas
incorporar o molho. 9 Cubra com as folhas de basílico. 10 Em outra panela,
coloque a água para ferver, com uma colher média de sal. 11 Deixe cozinhar a
massa de 6 a
8 minutos. 12 Escoe e junte a massa ao molho.
Montagem:
1 Distribua as fatias de berinjela ao redor
de um prato. 2 Coloque a massa, o molho e feche com as respectivas fatias de
berinjela que haviam ficado abertas. 3 O queijo parmesão é opcional
Acompanhamento:
Faça pequenas bolinhas. Passe na farinha e
frite-as em óleo quente. Elas complementam o prato de penne, que deve estar
previamente misturado ao molho. Calculamos três unidades por pessoa.
Rendimento: 3 porções
Menu: prato principal
Cozinha: italiana
Texto 9.12
- Preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio
Pensa nisto: quando
te oferecem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno florido, uma prisão de
rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, muitos parabéns, que
te dure muitos e bons, é uma ótima marca, suíço com não sei quantos rubis, não
te oferecem somente esse pequeno pedreiro que prenderás ao pulso e passeará
contigo. Oferecem-te -- ignoram-no, é terrível ignorá-lo -- um novo bocado
frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas não é o teu corpo, que tens
de prender ao teu corpo com uma correia, como um bracito desesperado pendente
do pulso. Oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos os dias, a obrigação
de dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te a obsessão de ver
as horas certas nas montras das joalharias, o sinal horário na rádio, o serviço
telefônico. Oferecem-te o medo de o perder, de seres roubado, de que caia ao
chão e se parta. Oferecem-te uma marca, a convicção de que é uma marca superior
às outras, oferecem-te a tentação de comparares o teu com os outros relógios.
Não te oferecem um relógio, és tu o oferecido, a ti oferecem para o nascimento
do relógio.
Instruções
para dar corda ao relógio
Lá bem no fundo está
a morte, mas não tenha medo. Segure o
relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a rodar.
Um outro tempo começa, perdem as árvores as folhas, os barcos voam, como um
leque enche-se o tempo de si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a
sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais alguma
coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o correr
em liberdade, imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que se
poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as velas do relógio, gangrenando o
frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a morte, se não
corrermos e chegarmos antes para compreender que já não interessa nada. (Julio Cortázar)
Tipologia
textual expositiva
“O escritor curto em idéias e fatos
será, naturalmente, um autor de idéias curtas, assim como de um sujeito de
escasso miolo na cachola, de uma cabeça de coco velado, não se poderá esperar
senão breves análises e chochas tolices.” (Rui Barbosa)
_Uso da linguagem com o intuito de explanar,
de fazer entender ou conhecer determinado assunto, de enumerar, de definir, ou
seja, de explicar determinado tema com a pretensão
de ser imparcial para que o leitor, o ouvinte ou o interlocutor possa
informar-se sobre o assunto exposto.
_Há certo distanciamento do autor do texto em
relação ao assunto por ele abordado, o que pode produzir um caráter
razoavelmente imparcial ao texto.
_Presença intensa de orações coordenadas
explicativas e subordinadas adjetivas explicativas.
_Predomínio da ordem direta na construção das
orações e frases.
_Na maioria das vezes, a exposição das ideias
e fatos respeita uma temporalidade lógica.
_A norma padrão é normalmente exigida na
confecção desse tipo de texto, em especial, nos escritos.
_Uso de conectivos de esclarecimento,
reiteração ou reformulação com o intuito de facilitar, esclarecer e explicar
mais detalhadamente o conteúdo do texto (isto é, ou seja, em outras palavras,
etc.).
_Emprego de exemplificações (por exemplo, a
saber, etc.).
_Pode-se fazer uso de comparações e analogias
para facilitar a compreensão das ideias expostas no texto.
_É possível encontrar textos expositivos
construídos com mais de uma explicação sobre um mesmo assunto, com o intuito de
que, pela enumeração de diversos pontos de vista sobre tal tema, um determinado
interlocutor se informe para melhor produzir suas próprias conclusões sobre o
assunto em questão.
_É um texto com preocupações informativas.
_São exemplos dessa tipologia textual a
notícia, muitas dissertações, o livro didático, alguns documentos científicos,
etc.
s.f. 1. apresentação
organizada de um assunto, oralmente ou por escrito; palestra, explanação. 1.1
ação de declarar, de manifestar. (Dicionário
Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.13.
Superdotados - Como identificar um superdotado e as dificuldades que eles
enfrentam
Os superdotados causam
admiração e inveja, mas não têm uma vida tão fácil quanto parece. Afinal, é
bacana ser chamado de gênio, mas ninguém quer ser o C.D.F, o nerd do colégio, e
ganhar a antipatia da turma. Outro problema é a burocracia e a falta de
oportunidades. Nem sempre eles têm permissão do colégio para pular séries ou
entrar numa faculdade muito novos.
Quem não pode entrar
numa instituição especializada, acaba fingindo saber menos para se igualar aos
colegas da mesma idade. Por isso, é comum que crianças extremamente inteligentes
tenham desempenho ruim na escola. Já imaginou estudar tabuada sabendo resolver
problemas complexos de matemática? Ou ser obrigado a ler o alfabeto já sabendo
duas línguas? É um convite ao tédio... “É preciso estimular essas crianças, dar
a oportunidade para que elas desenvolvam seu potencial”, diz Clara Sodré,
doutora em superdotação pela Universidade de Columbia, em Nova York.
Aliás, o termo
“superdotado”, não agrada aos especialistas da área. Zenita Guenther, fundadora
do Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento (Cedet), diz que o termo
“superdotado” é uma tradução mal feita do inglês. Os especialistas preferem
usar a expressão “crianças e jovens com dotação e talento”.
Veja no quadro abaixo
algumas características que ajudam a identificar crianças e jovens com esse
potencial:
- curiosidade aguçada
- memória acentuada
- persistência nos objetivos
- gosto por desafios
- rapidez para aprender
- vocabulário inusitado para a idade
- senso de humor apurado
(www.mundoestranho.com.br)
Texto 9.14.
De onde vem a expressão rock and roll?
A expressão, que
literalmente significa "balançar e rolar", fazia parte da gíria dos
negros americanos desde as primeiras décadas do século XX, para referir-se ao
ato sexual. Assim, ela já aparecia em várias letras de blues e rhythm’n’blues
como "Good Rockin’ Tonight" (1947), de Roy Brown - antes de ser
adotada como nome do novo estilo musical, que surgiu nos anos 50, com Bill
Halley e Elvis Presley, e consistia basicamente na fusão desses ritmos negros
com a branquela música country. Esse batismo costuma ser atribuído ao
disc-jóquei americano Alan Freed (1922-1965), cujo programa de rádio foi um dos
principais responsáveis pela popularização da nova onda, altamente dançante,
que logo contagiou toda a juventude do país e do mundo.
Na década de 60, o
rótulo foi abreviado para rock, para abranger as mudanças provocadas por
artistas como Bob Dylan e Beatles, abrindo um leque de infinitas variações:
rock psicodélico, rock progressivo, folk rock, hard rock, heavy metal etc etc.
A partir daí, o termo rock’n’roll passou a significar exclusivamente o estilo
original, característico da década de 50.
Tipologia
textual argumentativa
“Na dissertação podemos expor, sem
combater, idéias de que discordamos ou que nos são indiferentes. Um professor
de filosofia pode fazer uma explanação sobre o existencialismo ou o marxismo com
absoluta isenção, dando dessas doutrinas uma idéia exata, fiel, sem tentar
convencer seus alunos das verdades ou falsidades numa ou noutra contidas, sem
tentar formar lhes a opinião, deixando os, ao contrário, em inteira liberdade
de se decidirem por qualquer delas. Mas, se, por ser positivista, fizer a
respeito da doutrina de Comte uma exposição com o propósito de influenciar seus
ouvintes, de Ihes formar a opinião, de convertê-los em adeptos do positivismo,
com o propósito, enfim, de mostrar ou provar as vantagens, a conveniência, a
verdade, em suma, da filosofia comtista — se assim proceder, esse professor
estará argumentando. Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar
convencer mediante a apresentação de razões, em face da evidência das provas e
à luz de um raciocínio coerente e consistente.”
(Othon M. Garcia)
"Nada é mais perigoso do que uma
idéia quando se tem apenas uma."
(Émile-Auguste Chartier)
"Não é
triste mudar de idéias, triste é não ter idéias para mudar."
(Barão de
Itararé)
_Defesa de um
ponto de vista
acerca de algum
assunto , ideia ou
conceito.
_Utilização da linguagem
com o objetivo de, por
meio de exposição
de fatos , ideias e conceitos ,
chegar a conclusões
lógicas e verossímeis que possam
convencer alguém sobre um determinado posicionamento ou opinião.
_Uso de recursos lógicos com a intenção de
fazer convencer o leitor ou o ouvinte de um determinado ponto de vista.
_Emprego de recursos retóricos para cumprir
os objetivos argumentativos do texto.
_Pode empregar até mesmo recursos emotivos
com o intuito de convencer alguém.
_Podem ser empregados recursos denotativos ou
conotativos na construção de argumentos, ainda que aqueles sejam mais frequentemente
utilizados.
_A presença de mais de um ponto de vista em
um texto argumentativo pode ser explicada pelo recurso retórico em que, para
reforçar determinada posição sobre um tema, refuta-se outras, ou seja,
constrói-se um contra-argumento.
_São exemplos dessa tipologia textual o
sermão, muitas dissertações científicas, as defesas orais de advogados em
julgamentos, etc.
s.f. 1.arte, ato ou
efeito de argumentar. 2. Derivação: por extensão de sentido. troca de palavras
em controvérsia, disputa; discussão. 3. Rubrica: termo jurídico. conjunto de
idéias, fatos que constituem os argumentos que levam ao convencimento ou
conclusão de (algo ou alguém). 4. Rubrica: literatura, estilística. no
desenvolvimento do discurso, corresponde aos recursos lógicos, como silogismos,
paradoxos etc. ger. acompanhados de exemplos, que induzem à aceitação de uma
tese e à conclusão geral e final. (Dicionário
Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.15
“Este
grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje; e é uma dúvida ou
admiração que me traz suspenso enconfuso, depois que subo ao púlpito. Se a
palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da
palavra de Deus? Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um, e já
eu me contentara com que frutificasse um por cento. Se com cada cem sermões se
convertera e emendara um homem, já o Mundo fora santo. Este argumento de fé,
fundado na autoridade de Cristo, se aperta ainda mais na experiência,
comparando os tempos passados com os presentes. Lede as histórias
eclesiásticas, e achá-las-eis todas cheias de admiráveis efeitos da pregação da
palavra de Deus. Tantos pecadores convertidos, tanta mudança de vida, tanta
reformação de costumes; os grandes desprezando as riquezas e vaidades do Mundo;
os reis renunciando os ceptros e as coroas; as mocidades e as gentilezas
metendo-se pelos desertos e pelas covas; e hoje? -- Nada disto. Nunca na Igreja
de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto
se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em
um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um
velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos
omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era.
Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos
pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão
grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar
pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a
vós, que aprendais a ouvir.
Fazer pouco fruto a
palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte
do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se
converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o
pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o
entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um
homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se
tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e
olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há
mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão
entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são
necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre
com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o
homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão
das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do
pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do
ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)” (Padre Antônio Vieira)
Texto
9.16
“Odeio os indiferentes . Como Friedrich Habel, acredito que
viver significa tomar partido . Não
podem existir apenas
homens , estranhos
a cidade . Quem
verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário .
Indiferença é viver sem vontade , parasitismo , covardia , não é vida . Por isso odeio
os indiferentes .
A indiferença é o peso
morto da história .
É a bala de chumbo
para o inovador ,
e a matéria inerte
em que
se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos ,
o fosso que
circunda a velha cidade
e a defende melhor do que o peito dos
seus guerreiros ,
porque engole nos
seus sorvedouros
de lama os assaltantes, os dizima e
desencoraja e às vezes os leva a desistir da gesta heróica. (...)” (Antônio
Gramsci)
Texto
9.17
"A
poesia deixa algo em cada leitor: uma sílaba, uma metáfora, um conceito, uma
visão do universo. Cada verso é de natural ambíguo, tem duas caras, como certas
pessoas que eu conheço, ou cem, ou mil. As palavras não dispõem apenas de uma
carteira de identidade;usam várias, como os ladrões ou os contrabandistas.
Costumam sair disfarçadas, ou incógnitas, ou fantasiadas como no Carnaval. O
demónio da polissemia que habita nelas como uma segunda natureza, torna-as
verdadeiros camaleões, que tomam a cor da paisagem ou do instante." (Ledo Ivo)
Texto
9.18
"Creio
na verdade fundamental
de todas as grandes religiões
do mundo . Creio que
são todas concedidas por Deus e
creio que eram necessárias para os povos a quem essas religiões
foram reveladas. E creio que se
pudéssemos todos ler
as escrituras das diferentes
fés , sob
o ponto de vista
de seus respectivos
seguidores , haveríamos de descobrir
que , no fundo ,
foram todas a mesma coisa
e sempre úteis umas às
outras." (Mahatma Gandhi)
Texto
9.19
"Uma
estranha loucura
apossa-se das classes operárias das nações onde
impera a civilização capitalista . Esta loucura
tem como conseqüência
as misérias individuais
e sociais que
[...] torturam a triste humanidade . Esta loucura
é o amor pelo
trabalho , a paixão
moribunda pelo
trabalho , levada
até o esgotamento das forças vitais
do indivíduo e sua
prole . Em
vez de reagir
contra essa aberração
mental , os padres ,
economistas , moralistas
sacrossantificaram o trabalho . Pessoas
cegas e limitadas quiseram ser mais sábias que seu próprio deus ; pessoas fracas e desprezíveis
quiseram reabilitar aquilo
que seu
próprio deus
havia amaldiçoado. Eu , que não sou cristão , ecônomo ou
moralista, no lugar do juízo que
proferiram, invoco o juízo do deus delas; no lugar
das pregações de sua
moral religiosa ,
econômica , livre-pensadora, invoco as terríveis conseqüências
do trabalho na sociedade
capitalista.
(...)
Essas misérias individuais
e sociais , por
maiores e mais
numerosas que sejam, por mais
eternas que possam parecer ,
desaparecerão como as hienas e os chacais
quando o leão
aparecer no dia
em que
o proletariado disser: ‘quero que assim
seja’. Mas para
que tenha consciência
de sua força ,
é preciso que
o proletariado pisoteie os preconceitos da moral
cristã, econômica e livre-pensadora; é preciso que
volte a seus instintos
naturais , que
proclame os Direitos à Preguiça , mil vezes mais nobres e mais sagrados que os
tísicos Direitos
do Homem , arquitetados pelos adversários
metafísicos da revolução
burguesa. É preciso que
ele se obrigue a não
trabalhar mais
que três
horas por
dia , não
fazendo mais nada ,
só festejando, pelo
resto do dia
e da noite.” (Excertos
do clássico Direito à Preguiça ,
de Paul Lafargue.)
Tipologia textual dialogal ou
conversacional
_Texto produzido por, ao menos, dois
interlocutores que falam preferencialmente sob a lógica dos turnos, ou seja, um
por vez.
_Quanto ao tamanho, não se pode prevê-lo,
visto que um diálogo pode se dar num rápido encontro ou mesmo num debate em um
programa como “Café filosófico” ou “Diálogos impertinentes”.
_Uso recorrente de elementos fáticos.
_Recepção imediata do ato comunicativo.
_Muitos turnos de conversação organizados sob
a lógica da pergunta e da resposta.
_Presença constante de sinais gráficos que
almejam reproduzir alguns recursos inerentes à oralidade, tais como as
reticências, os sinais de pontuação de entoação, onomatopeias, etc.
_Situação comunicativa construída na
perspectiva de uma interação entre os interlocutores. _São exemplos a conversa
telefônica, o debate, a entrevista, etc.
s.m.
1 fala em que há a
interação entre dois ou mais indivíduos; colóquio, conversa. 2 contato e discussão entre duas partes em busca de um
acordo 3 conjunto das palavras trocadas pelas personagens de um romance,
filme etc.; fala que um autor atribui a cada personagem 4 obra em forma
de conversação com fins expositivos, explanatórios ou didáticos. (Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.20.Casal
é tudo igual
Luís Fernando Veríssimo
Ele: – Alô?
Ela: – Pronto.
Ele: – Voz estranha… Gripada?
Ela: – Faringite.
Ele: – Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo
todas as noites pra badalar.
Ela: – E se estivesse? Algum problema?
Ele: – Não, imagina! Agora, você é uma mulher
livre.
Ela: – E você? Sua voz também está diferente.
Faringite?
Ele: – Constipado.
Ela: – Constipado? Você nunca usou esta
palavra na vida.
Ele: – A gente aprende.
Ela: – Tá vendo? A separação serviu para
alguma coisa.
Ele: – Viver sozinho é bom. A gente cresce.
Ela: – Você sempre viveu sozinho. Até quando
casado só fez o que quis.
Ele: – Maldade sua, pois deixei de lado
várias coisas quando a gente se casou.
Ela: – Evidente! Só faltava você continuar
rebolando nas discotecas com as amigas.
Ele: – Já você não abriu mão de nada. Não
deixou de ver novela, passear no shopping, comprar jóias, conversar ao telefone
com as amigas durante horas…
… Silêncio ….
Ela: – Comprar jóias? De onde você tirou essa
idéia? A única coisa que comprei em quinze anos de casamento foi um par de
brincos.
Ele: – Quinze anos? Pensei que fosse bem
menos.
Ela: – A memória dos homens é um caso de
polícia!
Ele: – Mas conversar com as amigas no
telefone…
Ela: – Solidão, meu caro, cansaço… Trabalhar
fora, cuidar das crianças e ainda preparar o jantar para o HERÓI que chega à
noite…Convenhamos, não chega a ser uma roda-gigante de emoções…
Ele: – Você nunca reclamou disso.
Ela: – E você me perguntou alguma vez?
Ele: – Lá vem você de novo… As poucas coisas
que eu achava que estavam certas… Isso também era errado!?
Ela – Evidente, a gente não conversava nunca…
Ele: – Faltou diálogo, é isso? Na hora,
ninguém fala nada. Aparece um impasse e as mulheres não reclamam. Depois, dizem
que faltou diálogo. As mulheres são de Marte.
Ela: – E vocês são de Saturno!
…Silêncio…
Ele: – E aí, como vai a vida?
Ela: – Nunca estive tão bem. Livre para
pensar, ninguém pra me dizer o que devo fazer…
Ele: – E isso é bom?
Ela: – Pense o que quiser, mas quinze anos de
jornada são de enlouquecer qualquer uma.
Ele: – Eu nunca fui autoritário!
Ela: – Também nunca foi compreensivo!
Ele: – Jamais dei a entender que era
perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer mortal..
Ela: – Limitado e omisso como qualquer
mortal.
Ele: – Você nunca foi irônica.
Ela: – Isso a gente aprende também.
Ele: – Eu sempre te apoiei.
Ela: – Lógico. Se não me engano foi no
segundo mês de casamento que você lavou a única louça da tua vida. Um apoio
inestimável…Sinceramente, eu não sei o que faria sem você. Ou você acha que
fazer vinte caipirinhas numa tarde para um bando de marmanjos que assistem ao
jogo da Copa do Mundo era realmente o meu grande objetivo na vida?
Ele: – Do que você está falando?
Ela: – Ah, não lembra?
Ele: – Ana, eu detesto futebol.
Ela: – Ana!? Esqueceu meu nome também?
Alexandre, você ficou louco?
Ele: – Alexandre? Meu nome é Ronaldo!
…Silêncio…
Ele: – De onde está falando?
Ela: – 578 9922
Ele: – Não é o 579 9222?
Ela: – Não.
Ele: – Ah, desculpe, foi engano.
Depois de um tempo ambos caem na gargalhada.
Ele: Quer dizer que você faz uma ótima
caipirinha, hein?
Ela: – Modéstia à
parte… Mas não gosto, prefiro vinho tinto.
Ele: – Mesmo? Vinho é a minha bebida
preferida!
Ela: – E detesta futebol?
Ele: – Deus me livre… 22 caras correndo atrás
de uma bola… Acho ridículo!
Ela: – Bem, você me dá licença, mas eu vou
preparar o jantar.
Ele: – Que pena… O meu já está pronto.
Risoto, minha especialidade!
Ela: – Mentira! É o meu prato predileto…
Ele: – Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e
estou abrindo um Chianti também. Você não gostaria de…
Ela: – Adoraria!
Ele dá o endereço.
Ela: – Nossa, tão pertinho! São dois
quarteirões daqui.
Ele: – Então? É pegar ou largar.
Ela: – Tô passando aí, Ronaldo.
Ele: – Combinado, vizinha.
Texto 9.21
Primeira
marionete anuncia o espetáculo:
-
"Senhoras e senhores, temos a honra de apresentar um grande drama social.
O espetáculo provará que o erro é sempre punido".
Segunda
marionete interrompe:
-
"Senhoras e senhores, temos a honra e apresentar uma comédia moral".
-
"O que faz aqui?", surpreende-se a primeira marionete.
-
"Apresento a comédia", responde a segunda.
-
"De jeito nenhum. É comigo", retruca a primeira.
Então,
surge a terceira marionete, pondo fim à discussão das outras duas:
-
"Senhoras e senhores, não lhes dêem ouvidos. A peça não é nem um drama nem
uma comédia. Ela não tem intenção moral e não provará nada. Os personagens não
são heróis nem tratantes, são pobres homens como eu e vocês. ele é bom, tímido,
não muito jovem e muito ingênuo. Tem uma cultura intelectual e sentimental
inferior, de modo que, em seu meio, parece um imbecil. Ela ... é uma moça de
charme próprio e a vulgaridade em pessoa. É sempre sincera: mente o tempo todo.
O outro ... é o jovem Dédé, e nada mais. E agora, senhoras e senhores, o
espetáculo vai começar. (Introdução
de A cadela, de Jean Renoir. O
primeiro grande filme do mestre francês, de 1931)
Texto
9.22
–
Lá no caixão ...
–
Sim , paizinho.
–
...não deixe essa aí
me beijar . (Dalton Trevisan)
Texto
9.23
Respostas
a uma entrevista:
-
Qual o maior poeta brasileiro atual?
-
Deixa disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em
primeiro lugar. (Mario
Quintana)
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