Samba
Símbolo maior e referencial mais amplo
e significativo da música brasileira, além de ser uma das principais
manifestações artísticas do Brasil, é também principal motivo e trilha sonora
da maior festa popular do Brasil: o carnaval.
É definido grosso modo como um tipo de
canção popular de ritmo geralmente sincopado e andamento variado, surgido a
partir do início do século XX da união de ritmos afro-brasileiros como o Lundu,
o Maxixe, os cantos e batuques de religiões afro-brasileiras somados a
influências musicais europeias e indígenas. De origem controversa, parece ter
se desenvolvido ao longo do século XIX de forma anônima e coletiva no Recôncavo
Baiano em torno dos chamados Sambas de Roda. No fim deste século, chegou ao Rio
de Janeiro, onde de forma veloz amadureceu ritma e poeticamente na região do
centro chamada Pequena África em meio à profusão de terreiros de Candomblé que
existiam por lá. Portanto, como estilo musical, o samba genericamente é uma
manifestação artística urbana, percussiva, periférica, de origem plural;
oriunda do século XX e produto da fusão de diversos ritmos musicais
folclóricos, estrangeiros e de várias regiões do Brasil.
Contudo, é importante ressaltar que o
Samba desenvolveu-se de forma bastante peculiar em quase todo o país, com a
incorporação de inúmeras tradições musicais regionais ao batuque africano
associado às diversas etnias negras trazidas para o Brasil pelo tráfico
negreiro, o que o tornou um estilo musical plural e de definição múltipla ao se
observar a sua variedade em solo brasileiro, como bem mostram estudos de Mário
de Andrade, Hermano Vianna, etc. São exemplos desse processo o Coco no Ceará; o
Samba-de-roda na Bahia; o Jongo, o Partido-alto e o Miudinho no Rio de Janeiro;
o Samba-rural em São Paulo; o Tambor-de-crioula no Maranhão; o Coco-de-parelha
e o Samba de Coco em Pernambuco; etc.
Todavia, ainda que hoje seja reconhecível
a diversidade de subestilos do que se chama genericamente de Samba, a versão
carioca é a variante que passou a condição de ícone da identidade nacional
brasileira a partir dos anos de 1930 e que foi empossada com o significado do
que a maioria das pessoas no mundo inteiro reconheceriam como Samba brasileiro.
Isso porque era o tipo dominante na capital do país naquela ocasião, o que dava
a essa variedade uma vantagem natural sobre outros subestilos.
De volta a uma cronologia para o
Samba, a partir da segunda metade do século XIX, intensifica-se a migração de
baianos para o Rio além do retorno dos combatentes de Canudos. Esse processo
fez crescer de modo significativo o número de negros e mestiços na cidade do
Rio de Janeiro, além de aumentar o intercâmbio cultural entre regiões
diferentes do Brasil com etnias negras dominantes distintas em cada uma delas. Esses
agrupamentos ocupariam imediações de morros como o da Conceição e áreas
próximas às Praças Mauá e Onze, além da Zona Portuária. Desse processo de
ocupação geográfica, terá origem muitas das chamadas favelas cariocas. Nessas
comunidades, constituiu-se um ambiente profícuo para o desenvolvimento de uma
cultura urbana, brasileira e mestiça de origem evidentemente africana, em torno
dos ritos da religiosidade afro-brasileira, do Lundu e do Maxixe. Nesse
contexto, é que as famosas “Tias Baianas” da Pequena África ganham importância
no amadurecimento de uma forma carioca e urbana de Samba, como organizadoras de
espaço privilegiado e libertário para a execução e criação, muitas vezes
coletiva e de improviso, de Sambas nos terreiros dos quais eram líderes. Tais
festas eram uma oportunidade para louvar os ancestrais; rir do cotidiano;
aliviar tensões provenientes do trabalho e do preconceito; cantar e dançar.
Dentre elas, destacaram-se Tia Amélia, mãe de Donga; Tia Prisciliana, mãe de
João da Baiana; Tia Rosa Olé; Tia Veridiana, mãe de Chico da Baiana e Tia
Ciata. Desse processo de intensas e espontâneas trocas culturais, nasceria o
Samba como gênero musical brasileiro, ainda que fosse carioca, era uma síntese
de diversas tradições musicais de regiões distintas do Brasil e do exterior.
A primeira gravação em disco de um
samba ocorreu em 1917, era “Pelo telefone”, que já foi muito bem sucedida nesta
época. Segundo a Biblioteca Nacional, deu-se por intermédio do sambista Donga.
Era um Samba-maxixe, que denunciava as origens híbridas, mestiças e paradoxais
que fazem tão brasileiro o Samba. Nesse momento, o Samba era visto com reservas
pela classe média e pelas elites, pois era reconhecido e criminalizado como uma
música lasciva, licenciosa e corruptora da moralidade.
Concomitantemente, consolida-se nas reuniões
nas casas das Tias o Samba de partido-alto, que é uma variante do Samba muito
próxima dos batuques africanos com uma origem que se confunde com as próprias
festas ou pagodes embalados por música, dança, comida e bebida que sucediam
muitas vezes ritos sagrados conduzidos pelas Tias em suas casas. O Samba de Partido-alto
é dividido em duas partes chamadas refrão e versos improvisados, em que se
unem, a partir de uma linha melódica preexistente, um refrão que é seguido de
versos improvisados pelos componentes da roda de samba formada.
Mais tarde, a partir da década de
1920, ocorre uma revolução no Samba, quando ele toma contornos do que mais
facilmente é reconhecido na atualidade como Samba de Raiz. Esse processo deu-se
por meio da intervenção de sambistas dos bairros Estácio de Sá e Osvaldo Cruz e
de morros da Mangueira, Salgueiro e São Carlos, que modificaram a estrutura do
Samba ao impor determinada forma poética e melódica ao ritmo, bem diferente da
espontaneidade e da improvisação peculiares ao Partido-alto. Nessas comunidades,
uniram-se, misturaram-se, fundiram-se experiências estéticas que consolidaram o
Samba urbano e carioca tal como é conhecido e mais executado atualmente. Delas
a mais importante foi a de Estácio de Sá a ponto da tal “Turma do Estácio” ter
ganhado “status” de lenda na história do Samba, muito porque além das mudanças
estéticas no Samba, foi nesse bairro que foi criada a Deixa falar, primeira
escola de samba brasileira e responsável pelo primeiro desfile ao som de uma
orquestra de surdos, pandeiros, maracanãs, cuícas, tamborins, etc., a qual
viria a ser chamada de bateria. Foi formada por sambistas como Alcebíades
Barcellos (o Bide), Armando Marçal, Ismael Silva, Nilton Bastos, Baiaco,
Brancura, Mano Edgar, Mano Rubem, entre outros responsáveis por impor uma
cadência mais marcada e ordenada ao Samba. Outra mudança fundamental operada
pela “Turma do Estácio” foi a valorização do compositor em função da atenção à
segunda parte do samba não mais improvisada, porque composta. O Samba, assim,
torna-se o grande cronista da vida brasileira das próximas décadas.
Mais tarde, o Samba carioca seria
tomado como símbolo cultural nacional, por vontade e interesse do Estado,
paulatinamente indo além do Samba-enredo para também ocupar a vida das pessoas
para além do carnaval com o Samba-canção, também chamado de Samba do meio do
ano; e o Samba-exaltação ou Samba legalista, pelo seu caráter assumidamente
defensor do “status quo”. Outra mudança foi temática, por força do governo
varguista, em especial durante o Estado Novo, temas como a malandragem, o ócio,
a apologia aos pequenos golpes, o sexo, etc., passaram a ser mal vistos e mesmo
punidos com a censura ou a prisão de seus criadores e intérpretes, para dar
espaço para temáticas ufanistas, valorizadoras do trabalho e do “status quo”,
etc.
O rádio também tem papel fundamental
nesse processo de aceitação e massificação do Samba, além da importante
oficialização em 1935 do desfile de carnaval no Rio de Janeiro. Nesse período,
destacam-se Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva, Silvio Caldas, Carmen
Miranda, Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira, Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine
Babo, Braguinha, Ataulfo Alves, Assis Valente, entre muitos outros. Em função
desses eventos, interesses e modificações, o Samba passou de maldito a inserido
nas elites brasileiras, inclusive dentro do programa oficial de eventos
culturais até no Teatro Municipal, além de fazer parte da campanha de
propaganda sobre o Brasil impetrado por programas de rádio encomendados por
Getúlio Vargas. Cassinos e o cinema também muito ajudaram no estabelecimento do
Samba como símbolo nacional brasileiro e como elemento da propaganda oficial.
O Samba-canção - que era uma forma mais
cadenciada, lenta e melodiosa de Samba -
firma-se como uma expressão das mais populares em função não só do apelo
radiofônico confirmado pelos sucessos de cantores como Dolores Duran, Ismael
Neto, Lupicínio Rodrigues, Batatinha, mais tarde Cartola, Carlos Cachaça,
Nelson cavaquinho, etc., como também pela capacidade de emular as dores de amor
com requinte e fina elaboração estética. Posteriormente, surgiriam o
Samba-choro, oriundo da mistura entre o sincopado do Samba com o fraseado
elaborado do Choro; e o Samba de breque, fortemente sincopado e com paradas
bruscas que serviam a intervenções do cantor para conferir humor e criticidade
à letra do música.
Na década de 1930, rapidamente, depois
da criação da Deixa falar, surgiram várias escolas de Samba como a Mangueira,
Portela, Império Serrano, Salgueiro e, na sequencia, Beija-Flor, Imperatriz
Leopoldinense e Mocidade Independente de Padre Miguel. Nessa época, a
organização do desfile foi assumida pelo Estado que impôs regras e condutas a
ser observadas, dentre elas estabeleceu a lógica do Samba-enredo como elemento
condutor do desfile, que sempre deveria ter um tema associado á história
oficial do Brasil como fio condutor da apresentação.
Em 1940, prova do prestígio desse
ritmo musical como realização estética, o grande maestro Heitor Villa-Lobos
organizou a gravação para o também maestro estadunidense Leopold Stokowski no
navio Uruguai de Sambas interpretados por gênios como Cartola, Donga, João da
Baiana e Pixinguinha.
A partir da década de 1950, o Samba
volta a ser alvo de intensas trocas culturais com ritmos latinos como o Bolero
e com ritmos norte-americanos como o Jazz que produziriam novas possibilidades
como a Bossa Nova, o Samba-Jazz, o Samba-Rock, etc.
Com o preciosismo da Bossa Nova, o
Samba distancia-se de suas origens periféricas, mestiças e populares, para
incorporar técnicas eruditas e típicas de ritmos norte-americanos. Na contramão
do sucesso internacional da Bossa Nova, no Brasil, artistas como Chico Buarque
de Holanda, Paulinho da Viola, Martinho da Vila passam a defender a
revalorização e o resgate do chamado Samba de Raiz que remete ao Samba de
breque, ao Samba-canção, ao Samba-choro, etc. Assim, gênios como Candeia,
Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Nelson Sargento, etc., passam a ser
revisitados da forma como suas obras únicas e de alta relevância cultural
exigem. Ao longo da década de 1960, outros símbolos desse processo
proliferam-se, são o "Movimento de Revitalização do Samba de Raiz"
organizado pelo Centro Popular de Cultura; o restaurante Zicartola, epicentro
da boemia carioca; os espetáculos no Teatro de Arena; o musical “Rosa de Ouro”,
com sua constelação de bambas do Samba como Clementina de Jesus; e a Bienal do
Samba. Ainda no final dessa década, surgiriam blocos carnavalescos como o Bafo
da Onça (Catumbi), o Cacique de Ramos (Olaria) e o Boêmios de Irajá (Irajá),
que muito bem promoveriam o Samba de forma até hoje fundada no aspecto
democrático, caótico e descompromissado dos seus desfiles. Simultaneamente, o
pianista Dom Salvador mesclaria o Funk norte americano com o suingue e o
sincopado do Samba, daí surgiria o Samba-Funk, que alcançaria na década
posterior popularidade e excelência estética com a banda Black Rio.
No final também da década de 1960,
influenciado pela Bossa Nova e pelo R&B norte-americano, surge o músico,
cantor e compositor Jorge Ben com o Samba-Rock. Nesse momento, surge também o
Tropicalismo que soma antropofagicamente o Samba a um grande número de ritmos
brasileiros e estrangeiros para criar um movimento sem paralelo na cultura
brasileira até então. Ao mesmo tempo, também ocorre o reconhecimento de São
Paulo como uma região sensível ao Samba e capaz de produzir música de qualidade
e autêntica como mostram a obra de grandes como Adoniran Barbosa e Geraldo
Filme.
Na década de 1970, cantoras como Clara
Nunes, Beth Carvalho e Alcione, além das grandes damas Dona Ivone Lara,
Clementina de Jesus e Jovelina Pérola Negra, alcançariam vendagens expressivas
de discos, o que mostraria não só o vigor do Samba como das mulheres nesse
ambiente até esse momento prioritariamente dominado por homens. Destacam-se nesse
período também Martinho da Vila, Bezerra da Silva, Nei Lopes, João Nogueira, Os
Originais do Samba, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, etc., como divulgadores,
compositores ou intérpretes do Samba de Raiz.
Na década de 1980, surge o chamado
Pagode, com letras geralmente românticas; estrutura de banda pop em função do
teclado, baixo, guitarra e bateria; às vezes, algum elemento do Samba-Rock;
etc., bandas como Art Popular, Exaltasamba, Harmonia do Samba, Karametade,
Negritude Jr, Só Pra Contrariar, Os Travessos, Molejo e Katinguelê seriam
grandes vendedoras de discos nas décadas de 1980 e 1990.
No início do século XXI, o Samba seria
mais uma vez alvo de intensas fusões como o Samba-RAP de Marcelo D2 e de
incursões ousadas na fronteira do Samba com outros ritmos de grandes cantoras
como Alcione e Elza Soares. Além disso, surgem inúmeros grupos e intérpretes
muito compromissados com a rica herança do Samba como o Grupo Semente, Quinteto
em Branco e Preto, Marisa Monte, Roberta Sá, Diogo Nogueira, Clube do Balanço, Casuarina,
etc. Em 2004, o governo brasileiro solicitou o tombamento do Samba como
Patrimônio Cultural da Humanidade, na categoria "Bem Imaterial", por
meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além disso, no
dia 2 de dezembro, passou a se comemorar o Dia do Samba em todo o território
brasileiro.
Como forma de dança também assumiu
inúmeras possibilidades a partir da dança de roda, das umbigadas e das formas
de dançar ligadas ao batuque e à religiosidade africana, com dançarinos
solistas e razoável liberdade coreográfica. Tornou-se popular e difundida como
dança popular no Brasil inteiro com grande sorte de variedades de movimentos e
de acompanhamento musical.
Marchinha
Um dos
elementos mais importantes do Carnaval no Brasil, especialmente ao longo das
seis primeiras décadas do século XX, para muito além dos Sambas-enredo, era a
Marchinha o símbolo maior do espírito carnavalesco ingênuo, brincalhão e
familiar que, ao menos no imaginário popular, figurou nos carnavais até a
Segunda Grande Guerra. Seus compositores são responsáveis por muitas das
melodias e letras mais conhecidas da música brasileira, tais como “Ô abre
alas”, de Chiquinha Gonzaga; “Cidade maravilhosa”, de André Filho; “Pierrô
apaixonado”, de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres; “Chiquita bacana”, de João de
Barro e Alberto Ribeiro; “O teu cabelo não nega”, Irmãos Valença e Lamartine
Babo; “Sassaricando”, de Luís Antônio, Jota Júnior e Oldemar Magalhães;
Alá-Lá-Ô, de Haroldo Lobo e Nássara; Mamãe eu quero, de Jararaca e Vicente
Paiva; “Eu dei”, de Ary Barroso; “Me dá um dinheiro aí”, de Homero Ferreira,
Glauco Ferreira e Ivan Ferreira; “Cabeleira do Zezé”, de João Roberto Kelly e
Roberto Faissal; “Maria Sapatão”, de Chacrinha, “Balancê”, de João de Barro e
Alberto Ribeiro; entre muitos outros. A marchinha caracteriza-se pelo compasso
binário assemelhado ao da marcha militar; pelo ritmo acelerado; pelas melodias
simples e alegres; pelas letras com abordagens humorísticas, jocosas e atentas
ao cotidiano das pessoas comuns; além da despretensão associada a uma produção
musical focada no entretenimento e adesão rápida das pessoas.
Choro
Ritmo normalmente
instrumental de temática melancólica, por vezes pitoresca ou jocosa, que
estrutura-se a partir da junção de arranjos densos e ricos com harmonizações
complexas e com execuções de grande sofisticação. A instrumentação é baseada em
metais e cordas, ainda que se possa notar a presença marcante de instrumentos percussivos
como o pandeiro. Os expoentes desse ritmo são Pixinguinha, Jacob do Bandolim,
Waldir Azevedo, Paulo Moura, Radamés Gnattali, Altamiro Carrilho, Garoto, Raphael
Rabello, Hamilton de Holanda, Henrique Cazes, entre muitos outros. Foi criado
na transição entre o século XIX e o XX a partir da mistura de elementos
musicais de danças europeias (como a Valsa, o Minueto e, especialmente, a
Polca), da música popular portuguesa e, evidentemente, da música
afro-brasileira.
Gafieira
Baile
de caráter urbano onde se executava vários tipos de Samba, em especial aqueles
com acompanhamento de naipes de metais responsáveis pelo som malemolente algo
inspirado no maxixe. Segundo registro de Mário de Andrade, no Rio de Janeiro,
era visto como um “baile muito ordinário”, que era dedicado às classes “baixas”
da sociedade.
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