quarta-feira, 15 de maio de 2013

Leitura Crítica - Seleção de poemas

Poema 1

O Uivo
Para Carl Solomon
 I

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
    loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
    em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
    contato celestial com o dínamo estrelado da
    maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
    fumando sentados na sobrenatural escuridão dos
    miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
    sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
    e viram anjos maometanos cambaleando iluminados
    nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e
    radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz
    de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
    & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura
    descascada em roupa de baixo queimando seu
    dinheiro em cestos de papel escutando o Terror
    através da parede, 
(...)

(Alen Ginsberg)

Poema 2

À espera dos bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

(Konstantinos Kaváfis)

Poema 3

Jubileu

Hino ao crítico

Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
Tagarela, nasceu um rebento raquítico.
Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.
A mãe chorou e o batizou: crítico.

O pai, recordando sua progenitura,
Vivia a contestar os maternais direitos.
Com tais boas maneiras e tal compostura
Defendia o menino do pendor à sarjeta.

Assim como o vigia cantava a cozinheira,
A mãe cantava, a lavar calça e calção.
Dela o garoto herdou o cheiro de sujeira
E a arte de penetrar fácil e sem sabão.

Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
Sardas na cara como um prato de cogumelos,
Lançaram-no , com um leve golpe de joelho,
À rua, para tornar-se um cidadão.

Será preciso muito para ele sair da fralda?
Um pedaço de pano, calças e um embornal.
Com o nariz grácil com um vintém por lauda
Ele cheirou o céu afável do jornal.

(...)

(Vladímir Maiakóvski)

 Poema 4

Datilografia
 
 Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, 
 Firmo o projeto, aqui isolado, 
 Remoto até de quem eu sou. 
 Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, 
 O tique-taque estalado das máquinas de escrever. 
 Que náusea da vida! 
 Que abjeção esta regularidade! 
 Que sono este ser assim! 
 Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros 
 (Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância), 
 Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho, 
 Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve, 
 Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes. 
 Outrora. 
 Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, 
 O tique-taque estalado das máquinas de escrever. 
 Temos todos duas vidas: 
 A verdadeira, que é a que sonhamos na infância, 
 E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa; 
 A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros, 
 Que é a prática, a útil, 
 Aquela em que acabam por nos meter num caixão. 
 Na outra não há caixões, nem mortes, 
 Há só ilustrações de infância: 
 Grandes livros coloridos, para ver mas não ler; 
 Grandes páginas de cores para recordar mais tarde. 
 Na outra somos nós, 
 Na outra vivemos; 
 Nesta morremos, que é o que viver quer dizer; 
 Neste momento, pela náusea, vivo na outra ... 
 Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, 
 Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.

(Fernando Pessoa, Álvaro de Campos)

Poema 5

Poema Sujo


turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos

menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia


(Ferreira Gullar)

Poema 6


Vozes da Morte

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura, 
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!


Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,


Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

(Augusto dos Anjos)

Poema 7


Psicologia de um Vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância, 
Sofro, desde a epigênese da infância, 
A influência má dos signos do zodíaco. 

Já o verme – este operário das ruínas -
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia.

Que se escapa da boca de um cardíaco.
que o sangue podre das carnificinas come,
e à vida em geral declara guerra,
Já o verme – este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,
anda a espreitar meus olhos para roê-los.

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário