Texto 1: A favor da Eutanásia
porque viver é um direito, não uma obrigação
Eduardo Patriota Gusmão Soares
Cerca de 3.000 pessoas por dia cometem suicídio no mundo, num total de pouco mais de 1 milhão por ano. Você e eu
podemos lamentar ou relevar este dado. Talvez, soframos se algum destes
suicidas for um ente querido ou amigo e podemos discordar das razões que os
levaram a tal ato extremo. Mas de uma coisa ninguém poderá discordar: os
suicidas estavam em seu pleno direito de tirar sua própria vida. Seja por
razões físicas ou emocionais, estas pessoas conseguiram concretizar seu último
grande ato de vontade própria e se livraram do sofrimento. Mas e quando as
pessoas não podem se matar? E quando nós, pessoas saudáveis, somos o entrave
que prolonga o sofrimento alheio por toda a eternidade de uma vida miserável?
Estamos numa
sociedade com leis sabidamente alicerçada sobre preceitos religiosos, por mais
que estes tenham se perdido no tempo. Um resquício disto está no fato de que a
nossa vida não nos pertence. É como se ela fosse um presente de alguém que não
aceita devolução antes da hora. Mas e quando este presente estragou? E quando
estamos falando de um enfermo com a Síndrome de Locked-in, que se comunica com
o mundo exterior apenas com o piscar de olhos (ou nem isso)? A despeito de
recente pesquisa que mostra que uma parte dos portadores desta síndrome se
consideram felizes, como fica a fração infeliz aprisionada dentro do próprio
corpo? E quanto aos doentes terminais, principalmente por causa de câncer ou
doenças degenerativas?
A mesma medicina
que salva vidas, hoje, condena um enfermo a uma agonizante e tediosa espera
pela morte nos leitos dos hospitais. Entra em debate a questão da eutanásia, ou
seja, abreviar a vida de alguém de maneira controlada, assistida, tranquila.
Temos os instrumentos, mas estamos rodeados por um pensamento atrasado que
impede que médicos cumpram a vontade de pacientes e ponham fim à vida destes.
Felizmente, alguns países seculares
evoluíram e permitem o suicídio assistido.
O “Exit – ADMD” (Association pour
le Droit de Mourir dans la Dignité, ou Associação pelo Direito de Morrer com
Dignidade), funciona na Suiça desde 1982 e vem praticando o suicídio assistido
de enfermos terminais ou em grande sofrimento psicológico. Segundo as
pesquisas, 87% dos suíços aprovam a decisão. Em 2005, o Exit recebeu 202
pedidos de suicídio assistido e 54 foram executados. "Para muitos doentes,
saber que serão ajudados se quiserem mesmo partir os acalma, e eles adiam a
decisão", diz o doutor Sobel. "A possibilidade legal de um suicídio
assistido não aumentou a demanda, muito ao contrário — e esse é um dos
principais benefícios de uma legislação liberal”.
Um caso bem tocante, que virou
filme, foi o de Ramón Sampedro contado no filme “Mar Adentro”. Lá vemos a
história de um espanhol que ficou tetraplégico após um mergulho e viveu 29 anos
após o acidente sendo cuidado por seus familiares e lutando pelo direito de
“morrer dignamente”, como ele mesmo dizia. Seu caso foi levado aos tribunais em
1993 para conseguir a legalidade da eutanásia, mas o pedido foi negado. Na
carta de Sampedro destinada aos juízes, em 13 de novembro de 1996, desdobra-se
uma ideia que aparece repetidas vezes no filme: “viver é um direito, não uma
obrigação”. Assim, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte pelo
Estado e pela Igreja e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral
religiosa”.
Há ainda um ponto muito
interessante que Sampedro deixa bem claro em seus diálogos tensos defendendo o
direito de tirar a própria vida. Sempre que lhe dizem que há outros na mesma
condição felizes e querendo viver, ele deixa bem claro: “Não posso falar por
eles, tanto quanto eles não podem falar por mim”, ou seja, o desejo pela vida é
individual. Se você quer manter a sua vida, façamos de tudo para ajuda-lo. Se
você quer tirar, também deveríamos ajuda-lo – o que não ocorre numa sociedade
veladamente religiosa.
Eu vou ainda além da eutanásia
que precise ser justificada por alguma enfermidade. A morte deveria ser um
direito e todos que a desejassem deveriam poder morrer de forma digna. Se não
os ajudarmos, continuaremos a ver pessoas se enforcando, se jogando de prédios e
toda a forma de suicídio chocante. Claro, não devemos criar um abatedouro de
seres humanos. Há pessoas que podem se curar de um grande sofrimento
psicológico com o devido apoio. Mas todos, sem exceção, deveriam ter acesso à
morte digna, sem sofrimento.
http://www.umavisaodomundo.com/2011/03/favor-eutanasia-viver-direito-obrigacao.html
Texto 2: Contra a eutanásia e a distanásia
O debate sobre eutanásia tem recebido destaque da
imprensa e a atenção de vários profissionais da saúde, além de despertar o
interesse de membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. A expressão morrer
com dignidade se transformou num slogan confuso. De um lado, é
proclamado por grupos e movimentos favoráveis ao desligamento de aparelhos que
mantém vivo um paciente. De outro, é defendido por aqueles que, contra a
transformação da pessoa humana em mero objeto, se colocam contra o
prolongamento abusivo da vida humana através de tratamentos fúteis. Como se
pode observar, há, para a mesma definição, não só duas, mas uma variedade de
significados. Neste sentido, é necessário afirmar que o termo eutanásia (do
grego boa morte, que também pode significar morrer com dignidade
ou morrer em paz e sem dor) é ambíguo e inclui situações distintas e,
muitas vezes, diametralmente opostas. Alguns, por exemplo, incluem no
entendimento sobre eutanásia atos que, embora apresentem um desfecho
semelhante, são conceitual e clinicamente distintos. Assim, pode-se chegar a
identificar como eutanásia tanto a não aplicação de um tratamento como a
suspensão deliberada dos meios utilizados para manter um paciente vivo.
Justamente por apresentar valorações ética e jurídica
distintas, é necessário empreender um esforço para chegar o mais perto possível
de uma definição mais clara e menos equivocada de eutanásia. A Encíclica Evangelium
Vitae a define assim:
Uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas
intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento. A eutanásia
situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos empregados (n. 65).
Atualmente, muitas pessoas, inclusive cristãos,
acreditando defender ideais de humanidade e misericórdia, acabam caindo na
armadilha criada pela multiplicação de terminologias. Os próprios meios de
comunicação social têm contribuído para a difusão de equívocos cada vez mais
complexos. O fator econômico também é um elemento importante utilizado na
defesa da eutanásia. Algumas instituições e alguns profissionais da saúde
acreditam que seria mais eficaz, do ponto de vista financeiro, limitar o uso
dos recursos terapêuticos aos pacientes com maior possibilidade de recuperação.
Em outras palavras, por trás da defesa de uma morte digna e sem dor encontra-se
a intenção de eliminar da prática clínica e do cuidado a “beneficência sem
retorno” e, com isso, evitar custos desnecessários para o Estado e para as
empresas particulares de saúde.
Do ponto de vista moral, a eutanásia é
totalmente condenável. Mas é importante observar que também a distanásia
é também condenável. Ambas possuem em comum o fato de desviar a morte de seu
curso natural. Enquanto a eutanásia antecipa a morte, a distanásia
prorroga sua chegada. As duas encontram-se em extremidades opostas. Entre elas,
encontra-se a ortotanásia. Nesta linha de pensamento, situam-se os cuidados
paliativos ou medicina paliativa.
De
acordo com a Evangelium Vitae,
Nestas situações quando a morte se anuncia iminente e
inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente
um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os
cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes (Evangelium Vitae n. 65 ).
Até o início do século XX, o médico dispunha de muito
poucos recursos terapêuticos efetivos. A era dos antibióticos só tem início no
final da década de 1930, com o advento da penicilina. O suporte respiratório
mecânico, como conhecemos hoje, tem como marco a epidemia de poliomielite em
Copenhague, por volta de 1952. A desfibrilação cardíaca (choque elétrico no
tórax para reverter a parada cardíaca) e as Uunidades de Tratamento Intensivo
(UTI) também só aparecem na segunda metade do século XX, no início da década de
1960. Sendo assim, não dispondo de outros recursos, procuravam os médicos estar
junto dos seus pacientes, aliviando a dor e outros sintomas, dando conforto
psicológico e espiritual. O médico assumia uma função sacerdotal. Assim diz o
primeiro Código de Ética Médica brasileiro, publicado em 1867: “Para ser
ministro da esperança e conforto para seus doentes, é preciso que o médico alente
o espírito que desfalece, suavize o leito de morte, reanime a vida que expira e
reaja contra a influência deprimente destas moléstias…“.
A visão médica do sofrimento começa a mudar em meados
do século XX. Com a introdução dos cuidados intensivos, a Medicina declara
guerra contra a doença e a morte. Isto fica claro no Código de Ética Médica de
1931: “… um dos propósitos mais sublimes da Medicina é sempre conservar e
prolongar a vida“. Observa-se a mudança de paradigma da Medicina, que
passa a dar ênfase progressiva a esfera científico-tecnológico do cuidado.
Surge daí uma competição com a morte e um esforço desmedido de prolongar, ao
máximo e a qualquer preço, os sinais vitais. Este é o processo intimamente
relacionado à distanásia. Em alguns casos, de modo especial nas UTIs, acaba
ocorrendo o inverso: ao invés de prolongar a vida, prolonga-se o processo da
morte.
A proximidade à morte não deve privar o enfermo de seu
protagonismo. Como lembra a Evangelium Vitae: “quando se aproxima
a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas
obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder-se preparar com plena
consciência para o encontro definitivo com Deus” (n. 65). Isto não
significa, entretanto, dar ao enfermo o direito de solicitar procedimentos de
eutanásia. Consciente da frivolidade de seu tratamento, o enfermo tem o direito
de prosseguir com meios paliativos, aguardando o curso natural da própria vida.
Tal como a eutanásia, a distanásia é irracional e
eticamente reprovável. Criar situações nas quais se prolonga quantitativamente
a existência de um enfermo, às custas de obstinação terapêutica, é inaceitável.
A morte de um paciente nem sempre representa o fracasso de um médico; o
verdadeiro fracasso é impor a alguém uma morte desumanizada. É legitimo morrer
dignamente. O que não é legítimo é antecipar ou retardar o processo de morte.
Neste sentido, tanto a eutanásia como a distanásia são igualmente repudiáveis.
http://www.clfc.puc-rio.br/pdf/fc35.pdf
Depois da leitura atenta dos textos motivadores, faça uma dissertação argumentativa sobre o tema:
Eutanásia: um direito do indivíduo ou um crime contra a vida?
Nenhum comentário:
Postar um comentário