Linguagem
do teatro – conceitos, características e mixagens
“A vida é o pânico num
teatro sem chamas.”
(Jean-Paul Sartre)
“O teatro é o primeiro
soro que o homem inventou para se proteger da doença da angústia.”
(Jean Barrault)
“A vida é uma peça de
teatro razoavelmente boa com um terceiro ato mal escrito.”
(Truman Capote)
"...São
infindáveis as tendências do teatro contemporâneo. Há uma permanência do
realismo e paralelamente uma contestação do mesmo. As tendências muitas vezes
são opostas, mas freqüentemente se incorporam umas as outras..."
(Fernando Peixoto)
“Não ir ao teatro é
como fazer a toilette sem espelho.”
(Arthur Schopenhauer)
O
teatro é uma arte ficcional comprometida algumas vezes consigo mesma, embora seja
mais comumente associada à busca da verdade, ao respeito por valores básicos do
ser humano ou pelo apuro e zelo pela realização dramática. É uma forma de arte
que remonta de forma organizada ao início das grandes civilizações e - como
meio de expressão espontâneo e pragmático - ao período Pré-Histórico. Essa
forma de arte, fundamentada na performance, é realizada por um ator ou um
conjunto de atores em um palco ou algo semelhante, em que é interpretada uma história
ficcional ou não, com o auxílio de técnicos e auxiliares, sob a orientação de
um diretor que encena a obra escrita por um dramaturgo. O teatro só se realiza
plenamente em cena, com a presença do público, que pode inclusive participar do
espetáculo como sugerem algumas experimentações teatrais no século XX.
De forma sistemática,
o teatro surgiu, supõe-se, na Grécia antiga, no século IV a.C., como uma forma
de homenagem ao deus do vinho Dionísio como agradecimento pelas colheitas de
uva. Essa tradição começou como simples procissões nas áreas urbana e rural que
foram ficando cada vez mais elaboradas até que passaram a ser apresentadas
cenas inspiradas nos feitos desse deus do panteão grego, com a ajuda de
cantorias, danças e pequenas representações. O primeiro “diretor de coro”
renomado, espécie de organizador dessas procissões, foi Téspis, que era o
responsável por dirigir a procissão de Atenas. Ele concebeu o uso de máscaras no
processo de encenação como forma de facilitar a visualização por parte dos
espectadores dos sentimentos associados à cena que eram representados pelas
feições das máscaras, para alguns historiadores elas também eram uma forma de
dar maior alcance para as vozes dos atores em cena.
Nessas encenações, o
"coro", composto por narradores, que por meio de danças, cantos e
atuações contavam a história de um personagem, que estabelecia um processo de
interlocução com a platéia, além de ser responsável pela conclusão da peça. Podia
haver ainda o “corifeu”, que era um representante do coro que também se
comunicava com a platéia.
A partir dessas
experiências iniciais, desenvolveu-se a tragédia grega que teve como principais
autores Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Aquele se notabilizou por suas histórias
sobre fatos da vida de deuses e sobre mitos, seu principal texto foi “Prometeu
acorrentado”. Já Sófocles preferiu os temas mais realistas e associados à vida
de figuras históricas, sua tragédia mais importante foi “Édipo Rei”. Eurípedes
dedicou-se aos renegados, aos vencidos sendo, por isso, considerado precursor
do drama ocidental. Seu principal texto é “As troianas”. No campo das comédias,
destacou-se Aristófanes, visto como dramaturgo mais importante da comédia grega
clássica.
No Brasil, o teatro
surgiu no século XVI com o objetivo de auxiliar na propagação da fé católica. O
padre José de Anchieta foi um dos primeiros autores teatrais brasileiros em
virtude dos autos (antiga composição teatral) que escreveu a fim de catequizar
os índios. O “Auto de São Lourenço”, escrito em tupi-guarani, português e
espanhol, foi um marco da incipiente produção teatral brasileira.
Um intervalo de dois
séculos separou a atividade teatral jesuítica da continuidade do início de
produção teatral regular no Brasil. Foi a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro, em 1808, que permitiu o progresso contínuo do teatro brasileiro.
A partir de então, começou a produção teatral marcadamente brasileira que
passou a se consolidar com os trabalhos do ator e empresário João Caetano que
participou em 1838 da encenação da peça “Antônio José ou O Poeta e a Inquisição”,
de autoria de Gonçalves de Magalhães, que foi a primeira tragédia escrita por
um brasileiro com motivações visivelmente brasileiras. No mesmo ano, também foi
responsável pela montagem da peça “O Juiz de Paz na Roça”, de autoria de
Martins Pena, precursor da longa tradição de comédias de costumes na história
do teatro brasileiro. Gonçalves de Magalhães, ao voltar da Europa em 1867,
introduziu no Brasil a estética romântica, que iria nortear escritores, poetas
e dramaturgos brasileiros como Gonçalves Dias que, além de poesia, também
escreveu uma peça de grande relevância história e artística: “Leonor de
Mendonça”. Mais alguns autores conhecidos comumente como prosadores e poetas
também escreveram peças teatrais, são exemplos: Machado de Assis, Joaquim
Manuel de Macedo, José de Alencar, Álvares de Azevedo e Castro Alves.
Na transição do
século XIX para o XX, o Realismo passou a influenciar a dramaturgia brasileira
com a montagem da peça “O mandarim” de Artur Azevedo por Joaquim Heliodoro em
1855, além disso, houve a estabilização da opereta e do teatro de revista como
o tipo de montagem preferida do público brasileiro. Entretanto, no teatro, o
Realismo não deriva para Naturalismo como na literatura, provavelmente por
causa da preferência brasileira pelo "vaudeville", a revista e a paródia,
gêneros mais leves e humorísticos.
Outro marco
importante foi a abertura do Ginásio Dramático em 1855, quando Joaquim
Heliodoro ajudou a consagração da comédia como gênero dramático mais popular à
época com esse novo teatro em que eram encenadas as peças francesas mais
modernas de então.
O Realismo de origem
francesa influenciou a produção teatral brasileira a discutir nas peças
temáticas sociais e psicológicas, que muito ecoariam nas produções teatrais do
Modernismo.
O século XX nasceu
para o teatro ainda muito ligado a produções sem aspectos modernistas no Brasil,
assim, eram populares o teatro de variedades, as companhias estrangeiras com
encenações trágicas e óperas de elaboração clássica e elitista, além é claro
das onipresentes comédias. O Modernismo seria sentido de forma contundente
apenas com a obra de Oswald de Andrade, “O Rei da Vela”, que só seria encenada
por José Celso Martinez Corrêa na década de 1960. Entretanto, para a maioria
dos historiadores, a encenação de “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues, em
pleno Estado Novo inauguraria o moderno teatro brasileiro do ponto de vista da
concepção e da encenação teatral. Mais tarde, Nélson Rodrigues seria por muitos
considerado o maior dramaturgo brasileiro por causa de uma vasta obra em que
rivalizam a qualidade inquestionável e a capacidade dele de questionar a
sociedade e os tabus de então, em especial os da classe média, são elas: “Anjo
Negro”, “Álbum de Família”, “Os Sete Gatinhos”, “A Falecida”, “Perdoa-me por me
Traires”, “Beijo no Asfalto”, “Bonitinha mas Ordinária”, etc.
Ao longo da década de
1960, surgiram a partir dessas referências e outras estrangeiras no campo do
teatro e de posturas ideológicas e políticas, por vezes explícitas, uma grande
quantidade de grupos e companhias estáveis de teatro. São considerados os
grupos mais importantes para a história do teatro brasileiro da segunda metade
do século XX: o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o Teatro Oficina, o grupo
de Cacilda Becker, o Teatro dos Sete, o Teatro de Arena de São Paulo, a
Companhia Celi-Autran-Carrero, entre muitos outros. Em virtude dessas muitas
novidades no campo estético, político e cultural na dramaturgia brasileira, era
possível no início da década de 1960 prever um intenso avanço e uma profunda
diversificação da produção teatral no Brasil, entretanto esse processo foi
boicotado pelos militares após o Golpe Militar de 1964, e, após o AI-5, a
censura perseguiu impiedosamente diversos realizadores de teatro que foram
obrigados a parar seus trabalhos ou exilar-se no exterior. Entretanto, ainda
que as produções tivessem diminuído, a criação teatral alcançou altos níveis de
qualidade pelas idéias e criações de diversos autores como Augusto Boal, Gianfrancesco
Guarnieri, António Callado, Osman Lins, Ariano Suassuna, Dias Gomes, etc.
A partir da década de
1980, com o fim do regime militar, com um país em aparente e eterna crise
econômica e com a consolidação da televisão como meio de informação e
entretenimento da maior parte da sociedade, as pessoas envolvidas com o teatro
passaram a questionar a função, a linguagem e a produção teatral por causa da especulação
de que o teatro poderia perder ainda mais público no Brasil. Como resposta a
essas questões, realizadores uniram-se mais uma vez em grupos como o Galpão para
reavaliar e experimentar novas linguagens dramáticas. Além disso, o Governo e a
iniciativa privada passaram a contribuir de forma importante para o custeio de
produções que seriam inviáveis sem esse apoio e absolutamente inacessíveis a
praticamente todos os brasileiros. A televisão também cumpriu um papel positivo
para o teatro ao dialogar com ele em obras televisivas com diversos elementos
cênicos e com uma abordagem teatral do enredo, da cenografia ou mesmo da
atuação dos atores. São exemplos dessa iniciativa “Hojé é dia de Maria”, “Capitu”,
“Pedra do Reino”, “Som e Fúria”, “Decamerão”, etc.
Como complemento,
segue citação de parte das Orientações Educacionais do Ensino Médio, produzidas
pelo MEC, como mais uma ferramenta para nortear seus estudos.
“3.2 Teatro
3.2.1 Código
Estruturas
morfológicas
Movimento, voz e gesto. Espaço cênico.
Texto, gênero e partitura cênica. Funções (atuação, direção, caracterização,
iluminação, sonoplastia, figurino, maquiagem, etc.).
Estruturas Sintáticas
Jogos tradicionais e jogos teatrais.
Improvisação, interpretação e recepção de cenas.
Montagem. Relação entre palco e
platéia, etc.
A
experimentação da linguagem teatral dá-se mediante o envolvimento do estudante
com os elementos referentes à estrutura dramática (ação/espaço/personagem/público),
conforme indicam os elementos arrolados, os quais não exaurem as inúmeras
possibilidades que se apresentam a esse campo investigativo.
Assim,
não há um ponto de partida nem muito menos de chegada, uma vez que o processo
do aprender a estudar e a explorar a linguagem teatral traduz, por si, os
objetivos referentes ao desenvolvimento do currículo na sala de aula. A escolha
de um conteúdo ou de um determinado agrupamento de conteúdos favorece o
compartilhamento de descobertas, trocas, reflexões e análises das propostas de
trabalho do professor.
Na
cultura do ensinar e aprender teatro, o que mais importa não são os
procedimentos estáticos, a fixação na história, nos estilos ou nos elementos da
linguagem em separado, mas sim a capacidade de exercer um diálogo de “outra”
natureza em sala de aula, de conhecer a si e ao outro, de conviver com o
diverso e com a ambigüidade, processo no qual o jogo teatral é concebido como
uma estratégia construtiva, na acepção piagetiana, que, pelo trabalho pedagógico,
evolui da brincadeira e do “faz-de-conta” à apropriação do conhecimento cênico (KOUDELA,
1998).
Assim,
é importante que a abordagem dos códigos da linguagem teatral tenha
organicidade, tanto no panorama interno quanto na perspectiva interdisciplinar,
considerando todas as outras fontes de conhecimento possíveis e o contexto
sócio-histórico.
3.2.2 Canal
Exploração de
procedimentos e formas utilizadas tradicionalmente pela escola, palco ou rua
(dramatização de situações, temas, transposição de textos etc.).
Relacionamento
com as mídias cênicas disponíveis na atualidade (cinema, vídeo, internet e
outros), tendo em vista a compreensão da idéia de autoria, de encenação, das
funções teatrais, dentre outras possibilidades atinentes à linguagem. Em relação
aos canais de criação, veiculação e recepção disponíveis ao ensino de Teatro,
as possibilidades são tão diversificadas que, parafraseando Lope de Vega,
bastam dois estudantes, um sonho... e obviamente o professor! A rigor, na
própria sala de aula, com todas as dificuldades que se apresentam ao processo
de ensino-aprendizagem, a superação dos limites tradicionalmente impostos pela
técnica da atuação no palco favorece a criação de propostas que podem ser
remetidas à reflexão estética e pedagógica, envolvendo, dialogicamente, a
participação direta dos jogadores atuantes e dos observadores. Além disso, tal
como ocorre nas demais linguagens da arte, a interação entre forma e conteúdo, materiais
e suportes, processo e produto são faces de uma mesma moeda, bem como
estratégias de construção cotidiana do currículo.
3.2.3 Contexto
• Do texto, da obra, da partitura cênica
A
elaboração de trabalhos no contexto da sala de aula, a leitura e a adaptação de
textos dramáticos de diferentes gêneros, estilos, épocas, bem como a
experimentação de diferentes formas de montagem cênica (tradicionais,
tecnológicas, etc.), são algumas das possibilidades que se apresentam ao
trabalho docente. Nesse sentido, o contato com as propostas de representação
dramática presentes na cultura universal e com suas diferentes narrativas é
crucial para o envolvimento dos estudantes nas atividades de Teatro, sem que
sejam priorizados certos procedimentos em relação a outros, ou seja, sem
julgamento de valor entre a “obra” produzida no âmbito da sala de aula ou fora
dela, seja erudita ou popular.
• Do aluno, do professor, da escola, da comunidade
A
recepção de trabalhos cênicos produzidos pelos estudantes, por grupos amadores ou
profissionais, e a apreciação das manifestações produzidas por diferentes grupos
sociais e étnicos – cavalhada, congada, pastoril, bumba-meu-boi, etc. –,
reportam-se à capacidade de refletir sobre os códigos e os canais referentes à linguagem
teatral. Participando do processo artístico com seus alunos, o professor amplia
as oportunidades de aprendizagem dos participantes, fazendo uso das diversas
situações em que a linguagem teatral possa manifestar-se. Assim, conhecer as
manifestações da cultura local, assistir na sala de aula a uma cena de novela,
peça publicitária ou filme e compreender o ambiente das mídias, assim como
partilhar e trocar funções no palco e na platéia, dentre outras possibilidades,
é propiciar um valioso repertório relativo ao domínio da linguagem,
contextualizando a relação texto – obra.”
Para aprofundamento, seguem
uma referência importante sobre muitos dos principais movimentos, autores e
atores do teatro brasileiro.
- Enciclopédia do Teatro
Brasileiro
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