:::Tipos de discurso
Os textos podem conter várias vozes
dentro deles além da do autor. Em virtude disso, existem várias formas de
enunciá-las desde a citação direta de uma fala ou de um aforismo até a
incorporação do discurso de uma pessoa pelo narrador de uma história ou pelo
jornalista em uma reportagem. Os discursos podem, assim, ser estruturados de duas
formas básicas de acordo com a maneira como o narrador, mais comumente, os
reproduz: o discurso direto e o discurso indireto. Na fronteira entre ambos,
também pode ser verificado o chamado discurso indireto livre em textos
narrativos, aliás este recurso tornou-se muito comum na prosa literária a
partir do Modernismo até pelo dinamismo e pela polifonia sugeridas por ele.
Discurso direto
O discurso direto caracteriza-se
pela reprodução fiel ao momento de enunciação da fala de um personagem pelo
autor de um texto ou pelo narrador de uma história com o intuito de manter
determinadas escolhas linguísticas, modos de falar, vocabulário, etc., que
possam informar mais o leitor sobre características de um determinado
personagem ou entrevistado. É acompanhado de verbo elocutório, declarativo ou dicendi responsável por preparar e
informar as condições em que a fala foi proferida. Seguem exemplos dessa forma
de enunciar o discurso alheio de modo direto:
Reunido em um boteco da Rua Augusta,
em São Paulo, acompanhado de tantas cervejas e de Nelson Gonçalves, que sai da
jukebox ao lado, o atual septeto Porcas Borboletas aguarda a hora do quarto e
último show de sua mais recente excursão à capital paulista. E engana. Em 2009,
o grupo foi responsável por uma das apresentações mais bacanas dos festivais
independentes, gravou um álbum prazeroso de ser descoberto e a faixa
"Menos", que já figura em diversas listas de melhores do ano.
"Por causa da faculdade", fala o vocalista e violonista Enzo Banzo para
explicar visual e atitude low-profile. "Cada um é de uma cidade do
interior de Minas, mas a gente conheceu todo mundo morando em Uberlândia",
Danislau Também, o outro vocalista, completa. A banda teve seus primórdios nas
salas da Universidade Federal de Uberlândia, como o quarteto Pau de Bosta, em
1999 - um nome que a cidade, mesmo simpática ao som da banda, preferia evitar.
"O legal de começar muito na brincadeira é que acabou conferindo mais
liberdade para o processo", Enzo comenta. "Foi determinante para o
caminho da banda depois." Desistiram da graça escatológica, mas mantiveram
as iniciais. Porcas Borboletas surgiu como sexteto e em 2005 lançou Um Carinho
com os Dentes, seu álbum de estreia. Em 2009, surgiu A Passeio, o segundo
trabalho. "Acho que é bem diferente, mas a gente está dentro do
processo", Danislau considera. "Do ponto de vista harmônico, de
execução, dos arranjos, está um disco mais macio", Enzo complementa. E vem
com diversas participações especiais. Marcelo Jeneci, acostumado a tocar com Deus
e o mundo, coloca teclados na bela faixa-título. Paulo Barnabé, da Patife Band,
toca em "O Rato", enquanto seu mano Arrigo Barnabé, junto com Junio
Barreto e a atriz Leandra Leal entram no coro de "Super-Herói
Playboy". Com ela, a ponte entre a banda e o filme Nome Próprio é feita
novamente. "Na verdade, tudo começou com a amizade de Danislau com Clarah
Averbuck que escreveu o livro no qual o filme é baseado", Enzo explica. No
final, uma antiga canção da banda foi rebatizada de "Nome Próprio" e
virou a faixa de encerramento do filme. A Passeio foi coproduzido com Alfredo
Bello, produtor conterrâneo radicado em São Paulo, que também atende pela
alcunha de DJ Tudo. "Ele tem bastante intimidade com a gente. Ao mesmo
tempo, tem um olhar um pouco mais distanciado", diz Vi Vicious, o
baterista, para explicar a colaboração na evolução musical da banda, que segue
no rock influenciado pela MPB underground. "A gente parte do Tropicalismo,
porque tem muita coisa provocativa ali", Danislau comenta sobre a lista de
influências. "A gente é antropofágico."
Passa das 3 da manhã quando o show do Porcas
Borboletas começa para os sobreviventes de uma noite de quarta-feira. Junto com
Enzo, Danislau e Vi, Moita Matos na guitarra, Rafa Rays no baixo, Ricardim nas
manipulações eletrônicas e Jack (o mais novo integrante) na percussão completam
a banda. Já na primeira música, a banda mostra por que é conhecida como
performática nos festivais. "A partir do momento em que você está cantando
e sentindo, isso acaba repercutindo no gestual e tudo", Danislau comenta.
"É mais uma entrega, mas as pessoas chamam isso de performance. Pode até
ser."
(Rolling Stone, “Som Animal - Em
peregrinação pelos festivais independentes, o Porcas Borboletas investe na
performance”, Por José Júlio do Espirito Santo, edição 40, janeiro/2010)
“E dormiu naturalmente, como todo
dia. O cotidiano refeito, as noites tranqüilas, repousantes. Até que uma semana
depois:
_Esqueci como é que eu durmo – disse
ansioso para a mulher:
_Bobagem – ela resmungou, morta de
sono.
_Minha posição na cama.
_Deita e dorme - disse a mulher imperativa, sem olhá-lo.” (Otto Lara Resende)
"Quando lhe entreguei a folha
de hera com formato de coração (um coração de nervuras trementes se abrindo em
leque até as bordas verde- azuladas), ela beijou a folha e levou-a ao peito.
Espetou-a na malha do suéter: ‘Esta vai ser guardada aqui. ’. Mas não me olhou
nem mesmo quando eu saí tropeçando no cesto." (Lígia
Fagundes Teles)
Discurso indireto
O discurso indireto ocorre quando o
narrador incorpora a fala do personagem, para tanto normalmente são utilizados
recursos de paráfrase, dentre outros, para a realização desse processo de
incorporação ou reprodução mediada do discurso alheio. Nessa forma de
enunciação do discurso, também está presente frequentemente um verbo de
elocução ou dicendi seguido de uma
oração subordinada. Segue um exemplo:
“Ele abriu um sorriso largo.
Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a
campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa
qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era: e ouvir
a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o
padeiro.” Assim ficara sabendo que não era ninguém...” (Rubem Braga)
"E a madrinha, Dona Isolina Vaz
Costa (cuja especialidade era doce de ovos) foi de parecer que quanto à dicção
ainda não era visto, mas quanto à expressão Cícero lembrava o Chabi Pinheiro.
No entanto advertiu que do meio para o fim é que era mais difícil." (Antônio de A. Machado)
Para facilitar as transposições
linguísticas feitas quando falas são incorporadas ou citadas pelo autor de um
texto, segue quadro com o intuito de explicitá-las:
Discurso direto
|
Discurso indireto
|
a) Enunciado em 1ª ou em 2ª
pessoa:
_Preciso de ajuda - disse o homem.
|
a) Enunciado em 3ª pessoa:
O homem
disse que precisava de ajuda.
|
b) Verbo enunciado no presente:
_Sou feliz - ratificou a debutante.
|
b) Verbo enunciado no pretérito
imperfeito:
A
debutante ratificou que era feliz.
|
c) Verbo enunciado no pretérito
perfeito:
_Ainda
não tomei meu remédio - ela
reclamou.
|
c) Verbo enunciado no pretérito
mais-que-perfeito:
Ela
reclamou que ainda não tomara o
seu remédio.
|
d) Verbo enunciado no futuro do
presente:
_Ele estará aqui - afirmou a menina.
|
d) Verbo no futuro do
pretérito:
A
menina afirmou que ele estaria lá.
|
e) Verbo no modo imperativo:
_Não coma mais por gula - gritou a irmã.
|
e) Verbo no modo subjuntivo:
A irmã
gritou para que não comesse por
gula.
|
f) Enunciado em forma
interrogativa direta:
_Aqui,
é seguro? - A mãe indagou.
|
f) Enunciado em forma
interrogativa indireta:
A mãe
indagou se ali era seguro
|
g) Pronome demonstrativo de 1ª
pessoa (este, esta, isto) ou de 2ª pessoa (esse, essa, isso):
_Este é o criminoso - vociferou o
homem.
|
g) Pronome demonstrativo de 3ª
pessoa (aquele, aquela, aquilo):
O homem
vociferou que aquele era o
criminoso.
|
h) Advérbios e adjuntos
adverbiais:
Hoje
_Hoje é a grande final - gritou o
capitão.
Neste instante
_Neste instante, não posso sorrir -
decretou a rainha.
Agora
_Agora é hora de refletir – exclamou o
poeta.
Amanhã
_Amanhã a dor passa – resmungou o
conviva.
Aqui
_Aqui foi um lugar próspero – afirmou
o prefeito.
Cá
_Cá estará frio – vaticinou o
sacerdote.
|
h) Advérbios e adjuntos
adverbiais:
Naquele dia
O
capitão gritou que naquele dia era
a grande final.
Naquele instante
A
rainha decretou que naquele instante
não podia sorrir.
Naquele momento
O poeta
exclamou que naquele momento era
hora de refletir.
No outro dia
O
conviva resmungou que no outro dia
a dor passaria.
Ali
O
prefeito afirmou que ali fora um
lugar próspero.
Lá
O
sacerdote vaticinou que lá estaria
frio.
|
Discurso indireto livre
O discurso indireto livre é um
recurso misto de reprodução da fala de personagens e de pessoas. O uso desse
recurso intensifica-se em especial na Modernidade em função do dinamismo e das
novas necessidades estéticas e filosóficas do século XX, que repercutem tanto
na Literatura quanto no Jornalismo. Esse tipo de discurso tem também o intuito
de mostrar a aproximação do narrador dos dramas dos personagens, fazendo com
que falas, sensações e pensamentos sejam não só citados, mas compartilhados ou
mesmo usados pelo narrador para dizer sobre ele mesmo. Além disso, empresta
vivacidade ao texto, fazendo-o mais dinâmico, movimentado e polifônico.
Nesse tipo de discurso, as falas do
personagem são colocadas sutilmente em meio ao discurso do narrador, o que
produz a possibilidade do foco narrativo mostrar aspectos psicológicos do
personagem, por mostrar sua forma de pensar e dizer sem mediações, sem
hesitações, de forma contínua e, portanto, mais aproximada do modo como isso se
dá na vida.
Do ponto de vista formal,
geralmente, a fala do personagem no discurso indireto livre não é marcada pelo
verbo elocutório ou mesmo pelo uso de travessões, com o objetivo de conferir ao
texto um tipo de liberdade que permite um fluxo de consciência de alguma forma
partilhada entre narrador e personagem de maneira menos convencionada e
artificial.
"Seu Tomé da bolandeira falava
bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar:
pedia. Esquisitice de um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava
aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah! Quem disse que não
obedeciam?" (Graciliano
Ramos)
“(...) Ele tinha a cara rubra, os
olhos brilhantes, mas os lábios estavam brancos e secos, teve que passar a
ponta da língua entre eles para separá-los, a saliva virou cola? Antes de dizer
o que estava querendo dizer há mais de cinco anos e não dizia, adiando,
adiando. Esperando uma oportunidade melhor
e faltava coragem, esmorecia, quem sabe na próxima semana, depois do
aniversário do Afonsinho? Ou em dezembro, depois do aumento no emprego, teria
então mais dinheiro para enfrentar duas casas – mas o que é isso, aumento nos
vencimentos e aumento na inflação?
Espera, agora a Georgeana pegou sarampo,
deixa ela ficar boa então. E então?! Hoje, Hoje! Tinha que ser hoje, já! (...)”
(Lygia
Fagundes Telles)