Por Estéfani
Martins
Tipologia textual (protótipos textuais)
“Os textos também podem ser classificados levando-se
em consideração o caráter da interação entre autor e leitor, pois o autor se
propõe a fazer algo, e quando essa intenção está materialmente presente no
texto, através das marcas formais, o leitor se dispõe a escutar,
momentaneamente, o autor, para depois aceitar, julgar, rejeitar. Sob esse ponto
de vista da interação podemos também distinguir os discursos narrativos,
descritivos, argumentativos.”
(Kleiman)
“Gerar um
texto significa executar uma estratégia de que fazem parte as previsões dos
movimentos dos outros.” (Umberto Eco)
As tipologias textuais ou protótipos
textuais são mecanismos de construção textual/discursiva, os quais são produtos
de capacidades e necessidades humanas usadas na interação
com o meio, com o próprio íntimo e com o outro. Além disso, são formas de apreender,
interferir e apresentar a realidade. Assim, mesmo
timidamente, elas podem ser
vistas desde
tempos primordiais
nas simples ações
cotidianas de contar uma história; instruir ou
ordenar; dialogar; expor um determinado conhecimento; descrever um desejo ou uma nova
experiência sensorial; ou ainda defender um posicionamento ou
uma visão de mundo.
Quanto a questões técnicas, são
sequências linguísticas com especificidades associadas às estruturas
morfológicas mais comuns usadas no texto, a determinadas escolhas sintáticas,
ao maior ou menor grau de subjetividade e conotação na linguagem empregada, a
como são utilizados os verbos quanto ao modo, tempo e aspecto, ao uso das
pessoas do discurso, etc.
Para essas formas elementares de
expressão, foram dados os nomes de narração, injunção ou instrução, diálogo,
exposição, descrição e argumentação, as quais, de certa forma, tentam exprimir
a experiência humana com o texto/discurso. Tais tipos textuais organizam-se
também em função da finalidade e das intenções pretendidas pelos seus usuários.
Pode-se
também dizer sobre os tipos de texto que, separados ou puros, é muito difícil encontrá-los,
pois é mais comum estarem misturados na maioria dos gêneros textuais com os
quais tomamos contato em nosso cotidiano. Quanto
a essa questão, é importante ressaltar
que não há pureza na maioria dos textos
produzidos pelo homem quanto à tipologia textual, mas ,
sim , predominância
de uma em relação
à outra.
Nesse sentido , alguns estudiosos definem essas relações como uma forma de nomear e hierarquizar a interação entre as tipologias textuais
a partir de características
substantivas (predominantes) e adjetivas (traços ,
recursos , ferramentas ).
Essas inúmeras possibilidades de interação entre as diferentes tipologias podem
classificar um texto entre os mais variados gêneros textuais, são exemplos: a
fábula, o conto, a dissertação, a carta, o manifesto, a crônica, a notícia, o
artigo, o editorial, o sermão, etc. A seguir, seguem discussões detalhadas
sobre as tipologias ou os protótipos textuais:
Tipologia textual descritiva
“Descrever é perceber algo como se
dele fizéssemos parte .”
(Vitório
Sá)
“Entendo que para contar é necessário primeiramente
construir um mundo, o mais mobiliado possível, até os últimos pormenores.
Constrói-se um rio, duas margens, e na margem esquerda coloca-se um pescador, e
esse pescador possui um temperamento agressivo e uma folha penal pouco limpa,
pronto: pode-se começar a escrever, traduzindo em palavras o que não pode
deixar de acontecer.”
(Umberto Eco)
_Transforma
em linguagem
aquilo que os cinco
sentidos captam.
_Há a
caracterização de pessoas , ambientes , objetos ,
sensações , etc., com
a utilização dos cinco
sentidos ou da imaginação
criadora.
_Adjetivos,
classificações, atributos e impressões são recursos descritivos obrigatórios .
_Constrói
“imagens ” físicas
ou psicológicas de um determinado objeto, sensação, paisagem, pessoa, etc.
_O tempo
verbal predominante é o presente.
_Recorte
da realidade a partir de um ponto de vista físico ou ideológico.
_Amplo
uso de verbos de ligação
[ser , estar , permanecer , parecer , ficar , continuar , virar
(tornar-se), etc.].
_Amplo
uso de orações nominais.
_Preferência
por períodos curtos e orações coordenadas.
_Amplo emprego de metáforas ,
comparações e outras figuras de linguagem .
_O texto descritivo prescinde de estrutura
textual , a não
ser pelo fato de, normalmente ,
ser estruturado de forma
dedutiva, ou seja, parte de observações mais gerais para as mais particulares.
_A descrição pode ser objetiva ou
subjetiva, o que independe do assunto do
texto.
_Normalmente,
transforma-se em ferramenta
discursiva em textos
jornalísticos, literários, científicos e didáticos.
s.f. ato ou efeito de descrever ; reprodução ,
traçado, delimitação. 1 representação fiel ;
imitação , cópia ,
retrato. 2 representação
oral ou escrita de; exposição. 3 estl lit desenvolvimento literário por meio do qual se
representa o aspecto exterior
de seres e coisas. 4 jur num processo ,
a enumeração circunstanciada,
detalhada dos caracteres de algo (...). (Dicionário Houaiss Digital)
Exemplos:
Texto 9.1
“Simão
Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade,
dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta
para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas, -
únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de
feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco
de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar
da consorte.” (Trecho de “O Alienista” de Machado de Assis)
Texto 9.2
“A Wikipédia é uma
enciclopédia livre que está sendo construída por milhares de colaboradores de
todo o mundo. Este é um site baseado no conceito de wiki, o que significa que qualquer
internauta, inclusive você, pode editar o conteúdo de quase TODOS artigos
acionando o link "Editar"
(Nas abas de conteúdo) que é mostrado em quase todas as páginas do site.
O projeto
Wikipédia foi iniciado em 15 de Janeiro de 2001, na versão em língua inglesa.
Em apenas um ano de existência, esta versão já possuía quase 10.000 artigos. Até hoje já foram criados mais de 5 milhões
de artigos em dezenas de línguas (246 932 artigos na versão em português).
Todos os dias, centenas de colaboradores de todas as partes do mundo editam
milhares de artigos e criam muitos artigos inteiramente novos.” (www.wikipedia.org.br)
Texto 9.3
“Eu não sei, olhe, é terrível como
chove. Chove o tempo todo, lá fora fechada e cinza, aqui contra a sacada, com gotões coalhados e duros que fazem plaf e
se esmagam como bofetadas um através do outro. Agora aparece a gotinha no
alto da esquadria da janela, fica tremelicando contra o céu e se esmigalha em
mil brilhos apagados, vai crescendo e balouça, já vai cair, não cai ainda. Está
segura com todas as unhas, não quer cair e se vê que ela se agarra com os
dentes enquanto lhe cresce a barriga, já é uma gotona que se prende majestosa e
de repente zup, lá vai ela, plaf, desmanchada, nada, uma viscosidade no
mármore.” (Júlio
Cortázar)
Texto 9.4. A casa materna
Há,
desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão
têm uma velha ferrugem e trinco se oculta num lugar que só a mão filial
conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, com suas
plantas, tinhorões a samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância,
desfolha ao longo da haste.
É
sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se
pousam sobre a mesa farta de almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um
tradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O
assoalho encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha
preta, guarda as mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As
coisas vivem como em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos
maternas quando eram moças e lisas.
Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem
mudamente. O piano fechado, com uma longa tira de flanela sobre as teclas,
repete ainda passadas valsas, de quando as mãos maternas careciam sonhar.
A casa materna é o espelho de outras, em pequenas
coisas que o olhar filial admirava ao tempo que tudo era belo: o licoreiro
magro, a bandeja triste, o absurdo bibelô. E tem um corredor à escuta de cujo
teto à noite pende uma luz morta, com negras aberturas para quartos cheios de
sombras. Na estante, junto à escada, há um tesouro da juventude com o dorso
puído de tato e de tempo. Foi ali que o olhar filial primeiro viu a forma gráfica
de algo que passaria a ser para ele a forma suprema de beleza: o verso.
Na escada há o degrau que estala e anuncia aos
ouvidos maternos a presença dos passos filiais. Pois a casa materna se divide
em dois mundos: o térreo, onde se processa a vida presente, e o de cima, onde
vive a memória. Embaixo há sempre coisas fabulosas na geladeira e no armário da
copa: roquefort amassado, ovos frescos, mangas espadas, untuosas compotas,
bolos de chocolate, biscoito de araruta – pois não há lugar mais propício do
que a casa materna para uma boa ceia noturna . E porque é uma casa velha, há
sempre uma barata que aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe.
Em cima ficaram guardados antigos, os livros que lembram a infância, o pequeno
oratório em frente ao qual ninguém, a não ser a figura materna, sabe por que
queima, às vezes, uma vela votiva. E a cama onde a figura paterna repousava de
sua agitação diurna. Hoje, vazia.
A imagem paterna persiste no interior da casa
materna. Seu violão dorme encostado junto à vitrola. Seu corpo como se marca
ainda na velha poltrona da sala e como se pode ouvir ainda o brando ronco de
sua sesta dominical. Ausente para sempre da casa, a figura paterna parece
mergulhá-la docemente na eternidade, enquanto as mãos maternas se faziam mais
lentas e mãos filiais mais unidas em torno da grande mesa, onde já vibram
também vozes infantis. (Vinícius
de Morais)
Tipologia textual narrativa
"Minha força vem da
lembrança da infância na fazenda, de correr e subir em árvores. E das histórias
fantásticas que as empregadas negras contavam."
(Tarsila
do Amaral)
“Lembrava mais do passado que do presente. Morreu
empoeirado.”
(Roberto Prado)
“Contar
histórias para
crianças é a arte
que melhor
se adapta a nossa forma
de pensar : tocam o ser humano há 4000 anos
e o farão no ano 6000.”
(Margaret Read Mac Donald)
“Toda história de amor só presta se tiver, como
ponto final, um beijo de mulher!”
(Menotti Del Picchia)
_Respeita
uma determinada sequência no relato de fatos e acontecimentos
reais ou
imaginários (texto sequencial).
_Texto
marcado por uma determinada cronologia de eventos e acontecimentos
(temporalidade).
_Narrador,
personagens , espaço ,
tempo e enredo
são tradicionalmente elementos importantes para a caracterização do texto
narrativo.
_Geralmente,
respeita a seguinte
estrutura textual :
apresentação , desenvolvimento ,
clímax e desfecho
ou , simplesmente ,
começo , meio
e fim. Contudo, não é obrigatório que as partes da narrativa estejam dispostas
exatamente dessa forma, além de, muitas vezes, ser comum encontrar narrativas
sem apresentação ou desfecho.
_É comum
a presença de personagens que , classicamente, enquadram-se na seguinte disposição : protagonista (herói ),
antagonista (vilão )
e coadjuvante (personagem secundário).
_Presença
de um conflito
na narrativa que
tende ao equilíbrio ou à solução,
normalmente encontrada no clímax do texto.
_Verbos
de ação ou processuais são fundamentais para existência desse tipo de texto.
_Presença
intensa de advérbios e locuções adverbiais.
_Discurso
direto , indireto
e indireto livre
são amplamente
empregados .
_O tempo verbal
predominante é o pretérito .
_É
representada por textos
de vários tamanhos ,
temáticas e estruturas ,
tais como o romance, a novela, o micro
conto, o conto, a fábula, a narrativa oral, o cordel, etc., os quais podem ser escritos admitindo-se eixos
temáticos que
permitem classificar as narrativas
como humorísticas, de aventura, de amor, de terror, de horror, de ficção
científica, etc.
s.f. ação, processo ou efeito de narrar ; narrativa 1 exposição
escrita ou
oral de um acontecimento ou
de uma série de acontecimentos
mais ou
menos sequenciados 2 cine tv fala que acompanha, comenta ou
explica uma sequência de imagens que expõem um acontecimento ou
uma série deles 3 o texto dessa fala
4 sequência de imagens que expõem ou
mostram um acontecimento
ou uma série
deles. (Dicionário Houaiss Digital)
Exemplos:
Texto 9.5. Prólogo
A coceira no ouvido
atormentava. Pegou o molho de chaves , enfiou a mais
fininha na cavidade . Coçou de leve o pavilhão ,
depois afundou no orifício encerado . E rodou, virou a pontinha da chave em beatitude , à procura
daquele ponto exato em que cessaria
a coceira .
Até que , traque ,
ouviu o leve estalo
e, a chave enfim
no seu encaixe ,
percebeu que a cabeça
lentamente se abria. (Marina Colasanti, Contos de amor
rasgados)
Texto 9.6
70, 70, 70, 71, 95, zero. O coração
parou. (Ricardo
Barioni)
Texto 9.7
Pensou em vender a alma. Buscou por
dentro, não a encontrou. (Rosa
Meire)
Texto 9.8. Dia dos namorados
Ontem.
Dia dos namorados. Um casal beijava-se entregue numa praça, quando ocorreu um
assalto. Horas depois, o namorado registrava a queixa em que anunciava o roubo
de uma namorada. (Vitório
Sá)
Texto 9.9. Fábula Curta
"Ai
de mim!", disse o rato, – "o mundo vai ficando dia a dia mais
estreito". "Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri
até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados
do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do
outro que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei
cair". "– Mas o que tens a fazer é mudar de direção", disse o
gato, devorando-o. (Franz
Kafka)
Texto 9.10. Era
uma vez
Olhei para
o espelho . Queria que
me dissesse a verdade
da minha beleza
e virtudes . Mas ,
disse-me: – Você é um
nada , nunca
irá existir !– joguei o espelho
fora . Comprei outro .
Tipologia textual injuntiva ou
instrucional
_Uso de
linguagem geralmente objetiva, precisa e clara para orientar e indicar
procedimentos capazes de cumprir determinadas ações.
_Tem como
objetivo que o interlocutor pratique uma determinada ação requerida, desejada;
cumpra meticulosamente diferentes etapas - cronologicamente ordenadas - de execução
de uma ação; seja orientado sobre o que ou como fazer determinada tarefa ou
ação; seja incitado à realização de uma dada ação ou um procedimento; etc.
_Muitas
vezes, um texto injuntivo tem a seguinte estruturação: 1ª parte: descrição dos
materiais e circunstâncias necessárias para a realização da uma ação; 2ª parte:
enumeração de procedimentos, os quais podem ser limitados quanto ao tempo, ao
espaço, à quantidade, á qualidade e a circunstâncias a ater-se para o adequado
desenvolvimento de algum projeto, ação ou procedimento.
_As
formas verbais mais utilizadas na injunção são a 3ª pessoa do modo imperativo:
"Depois de quentes, mexa todos os ingredientes."; o presente do
indicativo com sujeito indeterminado: "Depois de quentes, mexe-se todos os
ingredientes."; o infinitivo: "Depois de quentes, mexer todos os
ingredientes.".
_Uso
frequente de advérbios de modo e de negação.
_O
enunciado é feito na perspectiva do fazer posterior ao tempo da enunciação.
_São
exemplos dessa tipologia textual os manuais de instrução, as receitas
culinárias, as constituições, os regimentos, etc.
s.f. 1.ato de injungir, de ordenar expressamente uma
coisa; ordem precisa e formal. 2.influência coercitiva de leis, regras,
costumes ou circunstâncias; imposição, exigência, pressão. (Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.11. Pennette di casa mia
Ingredientes:
200 g de
tomates secos
1 dente
de alho
2 filés
de anchovas
1
berinjela
1 colher
de sopa de manteiga
2
colheres de sopa de azeite de oliva extravirgem
sal
pimenta
moída
folhinhas
de basílico
100 ml de
vinho branco seco
Acompanhamento:
Polpettine di Pesce
300 gr de
peixe branco cortado fino
1 colher
pequena de salsinha picada
1 ovo
1 pitada
de alho picado
1 pitada
de gengibre ralado fino, sal, pimenta
Preparo:
1 Fatie a
berinjela pelo comprimento, bem fininha e coloque para grelhar no com azeite. 2
Em uma frigideira coloque o azeite, a manteiga e o alho bem batido. 3 Amasse os
filés de anchova com um garfo. 4 Junte-os às alcaparras, as azeitonas sem
caroço e adicione o vinho até evaporar. 5 Acrescente os tomates secos cortados
em pedaços graúdos. 6 Após alguns minutos, junte os tomates frescos cortados em
pedaços graúdos sem a semente. 7 Adicione o sal, a pimenta, a ricota. 8 Não
deixe ferver e sim apenas incorporar o molho. 9 Cubra com as folhas de
basílico. 10 Em outra panela, coloque a água para ferver, com uma colher média
de sal. 11 Deixe cozinhar a massa de 6 a 8 minutos. 12 Escoe e junte a massa ao
molho.
Montagem:
1
Distribua as fatias de berinjela ao redor de um prato. 2 Coloque a massa, o
molho e feche com as respectivas fatias de berinjela que haviam ficado abertas.
3 O queijo parmesão é opcional
Acompanhamento:
Faça
pequenas bolinhas. Passe na farinha e frite-as em óleo quente. Elas
complementam o prato de penne, que deve estar previamente misturado ao molho.
Calculamos três unidades por pessoa.
Rendimento:
3 porções
Menu:
prato principal
Cozinha:
italiana
Texto 9.12 - Preâmbulo às
instruções para dar corda ao relógio
Pensa
nisto: quando te oferecem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno florido,
uma prisão de rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, muitos
parabéns, que te dure muitos e bons, é uma ótima marca, suíço com não sei
quantos rubis, não te oferecem somente esse pequeno pedreiro que prenderás ao
pulso e passeará contigo. Oferecem-te -- ignoram-no, é terrível ignorá-lo -- um
novo bocado frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas não é o teu
corpo, que tens de prender ao teu corpo com uma correia, como um bracito
desesperado pendente do pulso. Oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos
os dias, a obrigação de dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te
a obsessão de ver as horas certas nas montras das joalharias, o sinal horário
na rádio, o serviço telefônico. Oferecem-te o medo de o perder, de seres
roubado, de que caia ao chão e se parta. Oferecem-te uma marca, a convicção de
que é uma marca superior às outras, oferecem-te a tentação de comparares o teu
com os outros relógios. Não te oferecem um relógio, és tu o oferecido, a ti
oferecem para o nascimento do relógio.
Instruções para dar corda ao
relógio
Lá bem no
fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure
o relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a
rodar. Um outro tempo começa, perdem as árvores as folhas, os barcos voam,
como um leque enche-se o tempo de si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra,
a sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais
alguma coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o
correr em liberdade, imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que
se poderia alcançar e foi esquecido vai corroer as velas do relógio,
gangrenando o frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a
morte, se não corrermos e chegarmos antes para compreender que já não interessa
nada. (Julio
Cortázar)
Tipologia textual expositiva
“O
escritor curto em idéias e fatos será, naturalmente, um autor de idéias curtas,
assim como de um sujeito de escasso miolo na cachola, de uma cabeça de coco
velado, não se poderá esperar senão breves análises e chochas tolices.” (Rui
Barbosa)
_Uso da
linguagem com o intuito de explanar, de fazer entender ou conhecer determinado
assunto, de enumerar, de definir, ou seja, de explicar determinado tema com a pretensão de ser imparcial para que o
leitor, o ouvinte ou o interlocutor possa informar-se sobre o assunto exposto.
_Há certo
distanciamento do autor do texto em relação ao assunto por ele abordado, o que
pode produzir um caráter razoavelmente imparcial ao texto.
_Presença
intensa de orações coordenadas explicativas e subordinadas adjetivas
explicativas.
_Predomínio
da ordem direta na construção das orações e frases.
_Na maioria
das vezes, a exposição das ideias e fatos respeita uma temporalidade lógica.
_A norma
padrão é normalmente exigida na confecção desse tipo de texto, em especial, nos
escritos.
_Uso de
conectivos de esclarecimento, reiteração ou reformulação com o intuito de
facilitar, esclarecer e explicar mais detalhadamente o conteúdo do texto (isto
é, ou seja, em outras palavras, etc.).
_Emprego
de exemplificações (por exemplo, a saber, etc.).
_Pode-se
fazer uso de comparações e analogias para facilitar a compreensão das ideias
expostas no texto.
_É
possível encontrar textos expositivos construídos com mais de uma explicação
sobre um mesmo assunto, com o intuito de que, pela enumeração de diversos
pontos de vista sobre tal tema, um determinado interlocutor se informe para
melhor produzir suas próprias conclusões sobre o assunto em questão.
_É um
texto com preocupações informativas.
_São
exemplos dessa tipologia textual a notícia, muitas dissertações, o livro
didático, alguns documentos científicos, etc.
s.f. 1. apresentação organizada de um
assunto, oralmente ou por escrito; palestra, explanação. 1.1 ação de declarar,
de manifestar. (Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.13. Superdotados - Como
identificar um superdotado e as dificuldades que eles enfrentam
Os superdotados
causam admiração e inveja, mas não têm uma vida tão fácil quanto parece.
Afinal, é bacana ser chamado de gênio, mas ninguém quer ser o C.D.F, o nerd do
colégio, e ganhar a antipatia da turma. Outro problema é a burocracia e a falta
de oportunidades. Nem sempre eles têm permissão do colégio para pular séries ou
entrar numa faculdade muito novos.
Quem não
pode entrar numa instituição especializada, acaba fingindo saber menos para se
igualar aos colegas da mesma idade. Por isso, é comum que crianças extremamente
inteligentes tenham desempenho ruim na escola. Já imaginou estudar tabuada
sabendo resolver problemas complexos de matemática? Ou ser obrigado a ler o
alfabeto já sabendo duas línguas? É um convite ao tédio... “É preciso estimular
essas crianças, dar a oportunidade para que elas desenvolvam seu potencial”,
diz Clara Sodré, doutora em superdotação pela Universidade de Columbia, em Nova York.
Aliás, o
termo “superdotado”, não agrada aos especialistas da área. Zenita Guenther,
fundadora do Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento (Cedet), diz
que o termo “superdotado” é uma tradução mal feita do inglês. Os especialistas
preferem usar a expressão “crianças e jovens com dotação e talento”.
Veja no
quadro abaixo algumas características que ajudam a identificar crianças e
jovens com esse potencial:
-
curiosidade aguçada
- memória
acentuada
-
persistência nos objetivos
- gosto
por desafios
- rapidez
para aprender
-
vocabulário inusitado para a idade
- senso
de humor apurado
(www.mundoestranho.com.br)
Texto 9.14. De onde vem a
expressão rock and roll?
A
expressão, que literalmente significa "balançar e rolar", fazia parte
da gíria dos negros americanos desde as primeiras décadas do século XX, para
referir-se ao ato sexual. Assim, ela já aparecia em várias letras de blues e
rhythm’n’blues como "Good Rockin’ Tonight" (1947), de Roy Brown -
antes de ser adotada como nome do novo estilo musical, que surgiu nos anos 50,
com Bill Halley e Elvis Presley, e consistia basicamente na fusão desses ritmos
negros com a branquela música country. Esse batismo costuma ser atribuído ao
disc-jóquei americano Alan Freed (1922-1965), cujo programa de rádio foi um dos
principais responsáveis pela popularização da nova onda, altamente dançante,
que logo contagiou toda a juventude do país e do mundo.
Na década
de 60, o rótulo foi abreviado para rock, para abranger as mudanças provocadas
por artistas como Bob Dylan e Beatles, abrindo um leque de infinitas variações:
rock psicodélico, rock progressivo, folk rock, hard rock, heavy metal etc etc.
A partir daí, o termo rock’n’roll passou a significar exclusivamente o estilo
original, característico da década de 50.
Tipologia textual argumentativa
“Na
dissertação podemos expor, sem combater, idéias de que discordamos ou que nos
são indiferentes. Um professor de filosofia pode fazer uma explanação sobre o
existencialismo ou o marxismo com absoluta isenção, dando dessas doutrinas uma
idéia exata, fiel, sem tentar convencer seus alunos das verdades ou falsidades
numa ou noutra contidas, sem tentar formar lhes a opinião, deixando os, ao
contrário, em inteira liberdade de se decidirem por qualquer delas. Mas, se,
por ser positivista, fizer a respeito da doutrina de Comte uma exposição com o
propósito de influenciar seus ouvintes, de Ihes formar a opinião, de
convertê-los em adeptos do positivismo, com o propósito, enfim, de mostrar ou
provar as vantagens, a conveniência, a verdade, em suma, da filosofia comtista
— se assim proceder, esse professor estará argumentando. Argumentar é, em
última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de
razões, em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e
consistente.”
(Othon M.
Garcia)
"Nada
é mais perigoso do que uma idéia quando se tem apenas uma."
(Émile-Auguste
Chartier)
"Não é triste mudar de idéias, triste é não ter
idéias para mudar."
(Barão de Itararé)
_Defesa
de um ponto
de vista acerca
de algum assunto ,
ideia ou conceito.
_Utilização
da linguagem com o objetivo
de, por meio
de exposição de fatos ,
ideias e conceitos , chegar
a conclusões lógicas
e verossímeis que possam convencer alguém sobre um determinado posicionamento
ou opinião.
_Uso de
recursos lógicos com a intenção de fazer convencer o leitor ou o ouvinte de um
determinado ponto de vista.
_Emprego
de recursos retóricos para cumprir os objetivos argumentativos do texto.
_Pode
empregar até mesmo recursos emotivos com o intuito de convencer alguém.
_Podem
ser empregados recursos denotativos ou conotativos na construção de argumentos,
ainda que aqueles sejam mais frequentemente utilizados.
_A
presença de mais de um ponto de vista em um texto argumentativo pode ser
explicada pelo recurso retórico em que, para reforçar determinada posição sobre
um tema, refuta-se outras, ou seja, constrói-se um contra-argumento.
_São
exemplos dessa tipologia textual o sermão, muitas dissertações científicas, as
defesas orais de advogados em julgamentos, etc.
s.f. 1.arte, ato ou efeito de argumentar. 2. Derivação:
por extensão de sentido. troca de palavras em controvérsia, disputa; discussão.
3. Rubrica: termo jurídico. conjunto de idéias, fatos que constituem os
argumentos que levam ao convencimento ou conclusão de (algo ou alguém). 4.
Rubrica: literatura, estilística. no desenvolvimento do discurso, corresponde
aos recursos lógicos, como silogismos, paradoxos etc. ger. acompanhados de
exemplos, que induzem à aceitação de uma tese e à conclusão geral e final. (Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.15
“Este grande frutificar da palavra
de Deus é o em que reparo hoje; e é uma dúvida ou admiração que me traz
suspenso enconfuso, depois que subo ao púlpito. Se a palavra de Deus é tão
eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus? Diz
Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um, e já eu me contentara com
que frutificasse um por cento. Se com cada cem sermões se convertera e emendara
um homem, já o Mundo fora santo. Este argumento de fé, fundado na autoridade de
Cristo, se aperta ainda mais na experiência, comparando os tempos passados com
os presentes. Lede as histórias eclesiásticas, e achá-las-eis todas cheias de
admiráveis efeitos da pregação da palavra de Deus. Tantos pecadores
convertidos, tanta mudança de vida, tanta reformação de costumes; os grandes
desprezando as riquezas e vaidades do Mundo; os reis renunciando os ceptros e
as coroas; as mocidades e as gentilezas metendo-se pelos desertos e pelas
covas; e hoje? -- Nada disto. Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações,
nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus,
como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva,
não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto?
Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje
menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se
a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum
fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a
matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós;
a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais a ouvir.
Fazer
pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios:
ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma
alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de
concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com
o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para
um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz.
Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e
olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há
mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão
entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são
necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre
com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o
homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão
das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do
pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do
ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)” (Padre Antônio Vieira)
Texto 9.16
“Odeio os indiferentes .
Como Friedrich Habel, acredito que viver significa tomar partido . Não podem existir apenas homens , estranhos a cidade .
Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário . Indiferença é viver sem vontade , parasitismo ,
covardia , não
é vida . Por
isso odeio os indiferentes .
A indiferença é o peso morto da história . É a bala
de chumbo para
o inovador , e a matéria
inerte em
que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais
esplendorosos , o fosso
que circunda a velha
cidade e a defende melhor
do que o peito
dos seus guerreiros ,
porque engole nos
seus sorvedouros
de lama os assaltantes, os dizima e
desencoraja e às vezes os leva a desistir da gesta heróica. (...)” (Antônio
Gramsci)
Texto 9.17
"A poesia deixa algo em cada
leitor: uma sílaba, uma metáfora, um conceito, uma visão do universo. Cada
verso é de natural ambíguo, tem duas caras, como certas pessoas que eu conheço,
ou cem, ou mil. As palavras não dispõem apenas de uma carteira de
identidade;usam várias, como os ladrões ou os contrabandistas. Costumam sair
disfarçadas, ou incógnitas, ou fantasiadas como no Carnaval. O demónio da
polissemia que habita nelas como uma segunda natureza, torna-as verdadeiros
camaleões, que tomam a cor da paisagem ou do instante." (Ledo Ivo)
Texto 9.18
"Creio na verdade
fundamental de todas as grandes religiões
do mundo . Creio que
são todas concedidas por Deus e
creio que eram necessárias para os povos a quem essas religiões
foram reveladas. E creio que se
pudéssemos todos ler
as escrituras das diferentes
fés , sob
o ponto de vista
de seus respectivos
seguidores , haveríamos de descobrir
que , no fundo ,
foram todas a mesma coisa
e sempre úteis umas às
outras." (Mahatma Gandhi)
Texto 9.19
"Uma estranha
loucura apossa-se das classes operárias das nações
onde impera a civilização
capitalista . Esta loucura
tem como conseqüência
as misérias individuais
e sociais que
[...] torturam a triste humanidade . Esta loucura
é o amor pelo
trabalho , a paixão
moribunda pelo
trabalho , levada
até o esgotamento das forças vitais
do indivíduo e sua
prole . Em
vez de reagir
contra essa aberração
mental , os padres ,
economistas , moralistas
sacrossantificaram o trabalho . Pessoas
cegas e limitadas quiseram ser mais sábias que seu próprio deus ; pessoas fracas e desprezíveis
quiseram reabilitar aquilo
que seu
próprio deus
havia amaldiçoado. Eu , que não sou cristão , ecônomo ou
moralista, no lugar do juízo que
proferiram, invoco o juízo do deus delas; no lugar
das pregações de sua
moral religiosa ,
econômica , livre-pensadora, invoco as terríveis conseqüências
do trabalho na sociedade
capitalista.
(...)
Essas misérias individuais
e sociais , por
maiores e mais
numerosas que sejam, por mais
eternas que possam parecer ,
desaparecerão como as hienas e os chacais
quando o leão
aparecer no dia
em que
o proletariado disser: ‘quero que assim
seja’. Mas para
que tenha consciência
de sua força ,
é preciso que
o proletariado pisoteie os preconceitos da moral
cristã, econômica e livre-pensadora; é preciso que
volte a seus instintos
naturais , que
proclame os Direitos à Preguiça , mil vezes mais nobres e mais sagrados que os
tísicos Direitos
do Homem , arquitetados pelos adversários
metafísicos da revolução
burguesa. É preciso que
ele se obrigue a não
trabalhar mais
que três
horas por
dia , não
fazendo mais nada ,
só festejando, pelo
resto do dia
e da noite.” (Excertos
do clássico Direito à Preguiça ,
de Paul Lafargue.)
Tipologia textual dialogal ou conversacional
_Texto
produzido por, ao menos, dois interlocutores que falam preferencialmente sob a
lógica dos turnos, ou seja, um por vez.
_Quanto
ao tamanho, não se pode prevê-lo, visto que um diálogo pode se dar num rápido
encontro ou mesmo num debate em um programa como “Café filosófico” ou “Diálogos
impertinentes”.
_Uso
recorrente de elementos fáticos.
_Recepção
imediata do ato comunicativo.
_Muitos
turnos de conversação organizados sob a lógica da pergunta e da resposta.
_Presença
constante de sinais gráficos que almejam reproduzir alguns recursos inerentes à
oralidade, tais como as reticências, os sinais de pontuação de entoação,
onomatopeias, etc.
_Situação
comunicativa construída na perspectiva de uma interação entre os
interlocutores. _São exemplos a conversa telefônica, o debate, a entrevista,
etc.
s.m. 1 fala em que há a interação entre dois ou mais
indivíduos; colóquio, conversa. 2 contato
e discussão entre duas partes em busca de um acordo 3 conjunto das
palavras trocadas pelas personagens de um romance, filme etc.; fala que um
autor atribui a cada personagem 4 obra em forma de conversação com fins
expositivos, explanatórios ou didáticos.
(Dicionário Houaiss)
Exemplos:
Texto 9.20.Casal é tudo igual
Luís
Fernando Veríssimo
Ele: –
Alô?
Ela: –
Pronto.
Ele: –
Voz estranha… Gripada?
Ela: –
Faringite.
Ele: –
Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo todas as noites pra badalar.
Ela: – E
se estivesse? Algum problema?
Ele: –
Não, imagina! Agora, você é uma mulher livre.
Ela: – E
você? Sua voz também está diferente. Faringite?
Ele: –
Constipado.
Ela: –
Constipado? Você nunca usou esta palavra na vida.
Ele: – A
gente aprende.
Ela: – Tá
vendo? A separação serviu para alguma coisa.
Ele: –
Viver sozinho é bom. A gente cresce.
Ela: –
Você sempre viveu sozinho. Até quando casado só fez o que quis.
Ele: –
Maldade sua, pois deixei de lado várias coisas quando a gente se casou.
Ela: –
Evidente! Só faltava você continuar rebolando nas discotecas com as amigas.
Ele: – Já
você não abriu mão de nada. Não deixou de ver novela, passear no shopping,
comprar jóias, conversar ao telefone com as amigas durante horas…
…
Silêncio ….
Ela: –
Comprar jóias? De onde você tirou essa idéia? A única coisa que comprei em
quinze anos de casamento foi um par de brincos.
Ele: –
Quinze anos? Pensei que fosse bem menos.
Ela: – A
memória dos homens é um caso de polícia!
Ele: –
Mas conversar com as amigas no telefone…
Ela: –
Solidão, meu caro, cansaço… Trabalhar fora, cuidar das crianças e ainda
preparar o jantar para o HERÓI que chega à noite…Convenhamos, não chega a
ser uma roda-gigante de emoções…
Ele: –
Você nunca reclamou disso.
Ela: – E
você me perguntou alguma vez?
Ele: – Lá
vem você de novo… As poucas coisas que eu achava que estavam certas… Isso
também era errado!?
Ela –
Evidente, a gente não conversava nunca…
Ele: –
Faltou diálogo, é isso? Na hora, ninguém fala nada. Aparece um impasse e as
mulheres não reclamam. Depois, dizem que faltou diálogo. As mulheres são de
Marte.
Ela: – E
vocês são de Saturno!
…Silêncio…
Ele: – E
aí, como vai a vida?
Ela: –
Nunca estive tão bem. Livre para pensar, ninguém pra me dizer o que devo fazer…
Ele: – E
isso é bom?
Ela: –
Pense o que quiser, mas quinze anos de jornada são de enlouquecer qualquer uma.
Ele: – Eu
nunca fui autoritário!
Ela: –
Também nunca foi compreensivo!
Ele: –
Jamais dei a entender que era perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer
mortal..
Ela: –
Limitado e omisso como qualquer mortal.
Ele: –
Você nunca foi irônica.
Ela: –
Isso a gente aprende também.
Ele: – Eu
sempre te apoiei.
Ela: –
Lógico. Se não me engano foi no segundo mês de casamento que você lavou a única
louça da tua vida. Um apoio inestimável…Sinceramente, eu não sei o que faria
sem você. Ou você acha que fazer vinte caipirinhas numa tarde para um bando de
marmanjos que assistem ao jogo da Copa do Mundo era realmente o meu grande
objetivo na vida?
Ele: – Do
que você está falando?
Ela: –
Ah, não lembra?
Ele: –
Ana, eu detesto futebol.
Ela: –
Ana!? Esqueceu meu nome também? Alexandre, você ficou louco?
Ele: –
Alexandre? Meu nome é Ronaldo!
…Silêncio…
Ele: – De
onde está falando?
Ela: –
578 9922
Ele: –
Não é o 579 9222?
Ela: –
Não.
Ele: –
Ah, desculpe, foi engano.
Depois de
um tempo ambos caem na gargalhada.
Ele: Quer
dizer que você faz uma ótima caipirinha, hein?
Ela: –
Modéstia à parte… Mas não gosto, prefiro
vinho tinto.
Ele: –
Mesmo? Vinho é a minha bebida preferida!
Ela: – E
detesta futebol?
Ele: –
Deus me livre… 22 caras correndo atrás de uma bola… Acho ridículo!
Ela: –
Bem, você me dá licença, mas eu vou preparar o jantar.
Ele: –
Que pena… O meu já está pronto. Risoto, minha especialidade!
Ela: –
Mentira! É o meu prato predileto…
Ele: –
Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e estou abrindo um Chianti também. Você não
gostaria de…
Ela: –
Adoraria!
Ele dá o
endereço.
Ela: –
Nossa, tão pertinho! São dois quarteirões daqui.
Ele: –
Então? É pegar ou largar.
Ela: – Tô
passando aí, Ronaldo.
Ele: –
Combinado, vizinha.
Texto 9.21
Primeira marionete anuncia o
espetáculo:
- "Senhoras e senhores, temos a
honra de apresentar um grande drama social. O espetáculo provará que o erro é
sempre punido".
Segunda marionete interrompe:
- "Senhoras e senhores, temos a
honra e apresentar uma comédia moral".
- "O que faz aqui?",
surpreende-se a primeira marionete.
- "Apresento a comédia",
responde a segunda.
- "De jeito nenhum. É
comigo", retruca a primeira.
Então, surge a terceira marionete,
pondo fim à discussão das outras duas:
- "Senhoras e senhores, não
lhes dêem ouvidos. A peça não é nem um drama nem uma comédia. Ela não tem
intenção moral e não provará nada. Os personagens não são heróis nem tratantes,
são pobres homens como eu e vocês. ele é bom, tímido, não muito jovem e muito
ingênuo. Tem uma cultura intelectual e sentimental inferior, de modo que, em
seu meio, parece um imbecil. Ela ... é uma moça de charme próprio e a
vulgaridade em pessoa. É sempre sincera: mente o tempo todo. O outro ... é o
jovem Dédé, e nada mais. E agora, senhoras e senhores, o espetáculo vai
começar. (Introdução
de A cadela, de Jean Renoir. O
primeiro grande filme do mestre francês, de 1931)
Texto 9.22
– Lá
no caixão ...
– Sim ,
paizinho.
– ...não
deixe essa aí me
beijar . (Dalton Trevisan)
Texto 9.23
Respostas a uma entrevista:
- Qual o maior poeta brasileiro
atual?
- Deixa disso. Nenhum poeta é cavalo
de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar. (Mario Quintana)
Intertextualidade
“...escrever,
pois, é sempre reescrever, não difere de citar. A citação, graças à confusão
metonímica a que preside, é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de
escrita. Ler ou escrever é realizar um ato de citação.”
(Antoine
Compagnon)
“Se todo
texto é só uma série de citações anônimas, não susceptíveis de atribuições, por
que então assinar um texto defendendo essa intertextualidade absoluta? Se o
texto moderno, segundo Barthes, essa ‘citação sem aspas’, por que deveria ficar
ligado a um nome, uma vez que esse nome não poderia, de modo algum, atestar ou
indicar a origem?”
(Michel
Schneider)
“A
intertextualidade tornou-se, hoje , um conceito operatório indispensável
para a compreensão
da literatura . Ele
caracteriza o romance moderno como dialógico , isto
é, como um
tipo de texto
em que
as diversas vozes da sociedade
estão presentes e se entrecruzam,
relativizando o poder de uma única
voz condutora. Mikhail Bakhtin compara a
intertextualidade à língua , dizendo que esta “não é
propriedade de algum
indivíduo em
particular , nem
é, por outro
lado , um
objeto independente
da existência dos indivíduos ”.
Exatamente no espaço
dos intercâmbios , dos conflitos , das vozes
que se propagam e se influenciam sem cessar situa-se a linguagem como processo social . A linguagem , em qualquer de suas
manifestações , teria uma base relacional, interacional, ao processar-se entre os indivíduos
de uma sociedade.”
(Juan
Bordenave)
“(...)
todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e
transformação de um outro texto.”
(Julia
Kristeva)
A intertextualidade, como a própria
palavra já denuncia, é a relação estabelecida entre textos diferentes com o
intuito de compor matéria “nova” a partir de conhecimento anterior. Essa
prática é inerente a qualquer produção linguística humana, visto que produzimos
linguagem a partir de referências, modelos e padrões que nos precedem, os quais
são em algum sentido formadores da nossa experiência como usuários de uma dada
linguagem.
Dessa forma, é impossível afirmar
que algum texto nasce alheio a referências constituintes de sua forma e
conteúdo, ou seja, não há autonomia textual no tocante ao fato de alguém
produzir um texto inédito em todas as suas peculiaridades linguísticas. Isso
seria se não impossível, irrealizável, já que ele se tornaria incompreensível.
Além disso, pode-se até dizer que a
intertextualidade realiza-se também no exercício da leitura, porque parte das
intertextualidades comunicadas conscientemente ou não pelo autor de um texto
também podem ou não ser entendidas pelo leitor, visto que, para reconhecê-las,
é fundamental o conhecimento do leitor sobre tais referências. Além disso, o
leitor pode atribuir ao texto padrões de intertextualidade que mesmo o autor
dele desconhece, o que confere ao texto e a qualquer forma de comunicação
humana o título de obra sempre inacabada ou aberta, dependente do olhar
temporal, espacial e circunstancial em relação ao outro e ao dinamismo entre o
que se fala ou escreve e o que se ouve ou lê. Michel de Montaigne bem definiu
essa relação no famoso aforismo: “A palavra é metade de quem a pronuncia e
metade de quem a escuta.”
A intertextualidade está, portanto,
presente tanto na produção como na recepção da vasta experiência cultural
humana da qual somos ao mesmo tempo assunto, meio, emissor, receptor e
analista. Tal multifacetado processo faz crer na onipresença da
intertextualidade como formadora de discursos e como auxiliar na interpretação
deles. Eis a prática, por muitas vezes arte, de poemas serem precedidos de
aforismos, de propagandas apropriarem-se de músicas famosas, de filmes
dialogarem com outros filmes, de obras de arte serem inspiradas em outras
manifestações artísticas, etc., ou seja, dos textos estabelecerem relações
entre si, por serem construídos por uma rede de associações mútuas, constantes
e inesgotáveis. Como é o caso do exemplo: “Quando voltou do cinema, a família ainda agonizava.” (Idelber
Avelar)
Podem ser
destacados seis tipos de intertextualidade explícita:
1 - Epígrafe
“Sinto que meu copo é grande demais para mim , e ainda
bebo no copo dos outros.”
(Mário de
Andrade)
A
epígrafe constitui um texto breve ou parte dele introdutório a outro, como
forma de abertura de um poema, um ensaio, um conto, uma tese, etc. Comumente,
serve de resumo, síntese ou introdução às informações seguintes, até porque é
escrito logo abaixo do título da obra ou em página a parte.
Epitáfio Dark nº 1
“Existem coisas conhecidas e coisas desconhecidas, entre elas estão as
portas.”
(Jim Morrison)
“Se as portas da percepção fossem abertas, tudo pareceria aos homens
como realmente é, infinito.”
(Willian Blake)
me sinto
fora de foco
in loco
foto pose finale
no hotel del leito louco
outra lacraia sem apoio
mas me sinto
o sentido nato de escroto
leite de porco & corvo
aborto nesta ilustração de tinteiro absorto
absurdo espanto & destôo
gota e gota
(Sérgio Luiz Blank)
2 - Citação
“Somos
feitos de citações.”
(Gustave
Flaubert)
A citação
é uma transcrição de texto alheio, marcada por aspas. A citação pode ser usada
como meio para, ao se fazer referência às ideias do outro tal qual ele as
enunciou, legitimar a tese ou abordagem argumentativa do texto que a contém, ou seja, é base para o argumento de
autoridade: citar o pensamento alheio como forma de autenticar um ponto de
vista sobre o quer que seja.
“O mangue
beat pode ser classificado como um típico fenômeno pós-moderno de hibridismo
cultural, caracterizado por uma assimilação da cultura hegemônica decorrente
dos processos de globalização, porém de uma forma negociada, resgatando e preservando
as raízes de uma identidade regional como forma de resistência ao caráter
homogenizador desses mesmos processos. Segundo Leão: ‘O consumo de signos
estrangeiros não se configura como recepção passiva, despolitizada, mas como
apropriação que instaura o espaço da mediação cultural, onde a hegemonia vai
ser desafiada.’” (Luciano
de Azambuja)
3 - Paráfrase
“...um
texto é sempre depositário de elementos vindos de outros textos, o que vem
apontar então para o caráter intertextual que deverá ter sua leitura.”
(Jacques
Derrida)
A
paráfrase é a reprodução de um texto, aqui chamado original, com outras
palavras, com outros recursos linguísticos, porém com o objetivo de manter integralmente as informações comunicadas no texto
fonte, ou seja, é a versão de um dado texto no seu próprio idioma. Pode
também ter o intuito de tornar mais claro e objetivo o que se comunicou em um
texto anterior no tempo. Dessa forma, configura-se como um tipo de reescritura
de um texto pré-existente, ou seja, uma forma de traduzir em que não se altera
o idioma em nenhum momento do exercício de intertextualidade. São exemplos:
“Moralmente , é tão
condenável não querer
saber se uma coisa é verdade ou não , desde que ela nos dê prazer , quanto não querer saber
como conseguimos o dinheiro ,
desde que ele
esteja na nossa mão.” (Edmund Way Teale)
Eticamente, tal como ignorar o
que é verdadeiro, em troca de satisfação pessoal, é igualmente questionável
ignorar a origem de uma riqueza, desde que ela seja de nossa propriedade.
“O
universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso:
é-lhe indiferente.” (Carl
Sagan)
O cosmo não foi concebido tendo
como parâmetro o homem, porém não se opõe a ele: é apenas insensível a sua
presença.
4 - Paródia
“A
paródia é a carnavalização da vida.”
(Vitório
Sá)
A paródia
é um mecanismo de apropriação do texto alheio a fim pervertê-lo com a ajuda da
ironia, do escracho, da crítica, em lugar de ratificar as ideias dele, como é o
caso da paráfrase. Pode ser construída sutil ou escancaradamente. A paródia é
especialmente comum em filmes, em músicas e na literatura. São exemplos os
filmes “A vida de Brian” e “Todo mundo em pânico”, que fazem paródias, no
primeiro caso, da vida de Jesus Cristo e, no segundo, de vários filmes de
terror. Pode-se citar também a obra de bandas como “Língua de Trapo” e “Mamonas
Assassinas”. Na literatura, tal como na arte, são muitos os exemplos, eis
talvez o mais conhecido:
Exemplo 1
Canção do exílio
Kennst du
das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen
glühen?
Kennst du es wohl? — Dahin,
dahin!
Möchtl
ich... ziehn. *
(Goethe)
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá;
As aves,
que aqui gorjeiam,
Não
gorjeiam como lá.
Nosso céu
tem mais estrelas,
Nossas
várzeas têm mais flores,
Nossos
bosques têm mais vida,
Nossa
vida mais amores.
Em
cismar, sozinho, à noite,
Mais
prazer encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Minha
terra tem primores,
Que tais
não encontro eu cá;
Em cismar
— sozinho, à noite —
Mais
prazer encontro eu lá;
Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
Não
permita Deus que eu morra,
Sem que
eu volte para lá;
Sem que
desfrute os primores
Que não
encontro por cá;
Sem
qu'inda aviste as palmeiras,
Onde
canta o Sabiá.
(Gonçalves
Dias. Coimbra - julho 1843)
* -
"Conheces a região onde florescem os limoeiros ?
laranjas
de ouro ardem no verde escuro da folhagem;
conheces
bem? Nesse lugar,
eu
desejava estar" (Mignon, de Goethe)
Canção do exílio facilitada
lá?
ah!
sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...
cá?
bah!
(José
Paulo Paes)
Minha
terra não tem palmeiras …
E em vez
de um mero sabiá,
Cantam
aves invisíveis
Nas
palmeiras que não há.
Minha
terra tem refúgios,
Cada qual
com a sua hora
Nos mais
diversos instantes …
Mas onde
o instante de agora?
Mas a
palavra “onde”?
Terra
ingrata, ingrato filho,
Sob os
céus de minha terra
Eu canto
a Canção do Exílio.
(Mário
Quintana)
Exemplo 2
Amor à Terra
Laranja
na mesa.
Bendita a
árvore
que te
pariu.
(Poema
atribuído à Clarice Lispector)
5 - Tradução
“Quem não
conhece línguas estrangeiras não sabe nada a respeito da sua própria.”
(Goethe)
“Qualquer
bobagem em francês soa como uma dessas verdades inapeláveis e eternas.”
(Nelson
Rodrigues)
A
tradução é a versão de um texto em outro idioma, está no contexto da
intertextualidade já que, ao transpor qualquer texto, especialmente os
literários, para um outro idioma, pode ocorrer de duas traduções serem
divergentes em alguns pontos. Isso ocorre em virtude das muitas interpretações
que expressões populares, incompatibilidades vocabulares, ironias, metáforas,
polifonias, etc., podem permitir. Certamente, por isso, George Borrow, bem
definiu o ato de traduzir com o aforismo: “Toda tradução é, no melhor dos
casos, um eco.”. A seguir, veja algumas traduções do famoso poema “O Corvo”, do
escritor inglês Edgar Allan Poe:
“Once upon a midnight
dreary, while i ponde-red
weak ande weary
Over many a quaint and
curious volume of for-got-
tem lore, while i modded,
neraly napping, su-ddenly
there came a tapping,
As of some one gently
rapping, rapping at may
chamber door
Only this and nothing
more.” (Edgar A.
Poe)
1
“Numa
meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos
curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já
quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de
alguém que batia levemente a meus umbrais
‘Uma
visita’ eu me disse, ‘está batendo a meus umbrais
E só
isto, e nada mais.” (Tradução
de Fernando Pessoa)
2
“Em certo
dia, à hora, à hora
Da
meia-noite que apavora,
Eu caindo
de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de
muita lauda antiga,
De uma
velha doutrina, agora morta
Ia
pensando, quando ouvi à porta
Do meu
quarto um soar devagarinho
E disse
estas palavras tais:
‘É alguém
que me bate à porta de mansinho:
Há de ser
isso e nada mais.” (Tradução
de Machado de Assis)
6 - Alusão
A alusão
é toda referência direta ou indireta, intencional ou não, ao título de uma
obra, um personagem, uma situação descrita numa obra, etc., pertencente ao
mundo do literário, do artístico, do mitológico, etc., e que seja
potencialmente do conhecimento do interlocutor. Machado de Assis é bom exemplo
desse tipo de intertextualidade quando, dentre outras ocasiões em muitos de
seus livros, alude a Otelo, personagem da obra de Shakespeare, em seu livro dom
Casmurro como uma forma de comparação entre os dramas vividos por aquele e por
Bentinho nas obras em questão.
“No filme
“Matrix”, o ator protagonista Keanu Reeves guarda seus programas de paraísos
artificiais no fundo falso do livro “Simulacros e Simulação”, de Baudrillard.
Keanu leu o livro e adorava citá-lo em suas entrevistas, mas Baudrillard não
gostava do filme. Dizia que se inspiraram nele, mas não o compreenderam.” (Revista Época)
“Jantei
fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira
nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes
raivas do mouro, por causa de um lenço, — um simples lenço! — e aqui dou
matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me
pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e
compor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços perderam-se, hoje são
precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há, e valem só as camisas.
Tais eram as idéias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida
que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúnia. Nos intervalos não
me levantava da cadeira; não queria expor-me a encontrar algum conhecido. As
senhoras ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar. Então
eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse
agora no cemitério, e vinham outras incoerências, até que o pano subia e
continuava a peça. O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer.
Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do
mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.” (Machado de Assis, Dom Casmurro)
Assim
como as filhas de sua madrasta, a Gata Boralheira calça 34.
(J.
Novelino)
Depois do
beijo do príncipe, a Bela Adormecida começou a ter insônia.
(J.
Novelino)
Epitáfio Para o Sec. XX
1. Aqui
jaz um século
onde
houve duas ou três guerras
mundiais
e milhares
de outras
pequenas
e
igualmente bestiais.
2. Aqui
jaz um século
onde se
acreditou
que estar
à esquerda
ou à
direita
eram
questões centrais.
3. Aqui
jaz um século
que quase
se esvaiu
na nuvem
atômica.
Salvaram-no
o acaso
e os
pacifistas
com sua
homeopática
atitude
-nux
vômica.
4. Aqui
jaz o século
que um
muro dividiu.
Um século
de concreto
armado,
canceroso,
drogado,empestado,
que enfim
sobreviveu
às
bactérias que pariu.
5. Aqui
jaz um século
que se
abismou
com as
estrelas
nas telas
e que o
suicídio
de
supernovas
contemplou.
Um século
filmado
que o
vento levou.
6. Aqui
jaz um século
semiótico
e despótico,
que se
pensou dialético
e foi
patético e aidético.
Um século
que decretou
a morte
de Deus,
a morte
da história,
a morte
do homem,
em que se
pisou na Lua
e se
morreu de fome.
7. Aqui
jaz um século
que
opondo classe a classe
quase se
desclassificou.
Século
cheio de anátemas
e
antenas,sibérias e gestapos
e
ideológicas safenas;
século
tecnicolor
que tudo
transplantou
e o
branco, do negro,
a custo
aproximou.
8. Aqui
jaz um século
que se
deitou no divã.
Século
narciso & esquizo,
que não
pôde computar
seus
neologismos.
Século
vanguardista,
marxista,
guerrilheiro,
terrorista,
freudiano,
proustiano,
joyciano,
borges-kafkiano.
Século de
utopias e hippies
que
caberiam num chip.
9. Aqui
jaz um século
que se
chamou moderno
e olhando
presunçoso
o passado
e o futuro
julgou-se
eterno;
século
que de si
fez tanto
alarde
e, no
entanto,
-já vai
tarde.
10. Foi
duro atravessá-lo.
Muitas
vezes morri, outras
quis
regressar ao 18
ou 16,
pular ao 21,
sair
daqui
para o
lugar nenhum.
11. Tende
piedade de nós, ó vós
que em
outros tempos nos julgais
da
confortável galáxia
em que
irônico estais.
Tende
piedade de nós
-modernos
medievais-
tende
piedade como Villon
e Brecht
por minha voz
de novo
imploram. Piedade
dos que
viveram neste século
per
seculae seculorum.
(Affonso
Romano de Sant’Anna)
Mecanismos de construção da
paráfrase
A
paráfrase é uma interpretação ou tradução de um texto original, na qual o autor
desse meta ou intertexto mantém as ideias do texto fonte quase intactas,
preocupando-se em reescrevê-las com o intuito de manter o máximo possível do
sentido original. Também pode ser entendida como uma forma de interpretar e
explicar um texto (trecho, aforismo, etc.), com o objetivo de torná-lo mais
inteligível ou mais fácil de ser compreendido.
É feita
com intenção elogiosa, supondo-se assim admiração por parte de quem parafraseia
pelo texto original, ou seja, é a reescritura de um texto sem ou com pouca
alteração de sentido. Vários recursos podem ser utilizados para se parafrasear
um texto. Dentre eles destacam-se:
1) Emprego de sinônimos.
Exemplos:
O Brasil é visto como uma espécie de alternativa futura para sanar a crise do
petróleo.
O
maior país da América Latina é percebido feito um tipo de opção futura para
resolver o problema do principal combustível fóssil.
2) Emprego de antônimos, com
apoio de uma expressão com valor negativo e vice-versa.
Exemplos:
O sucesso de muitas bandas deve-se ao investimento maciço de gravadoras na
divulgação pela internet do trabalho delas.
A
realização de não poucos grupos musicais atribui-se ao aporte substancial de
empresas do mercado fonográfico na distribuição pela rede de computadores da
produção daquelas.
3)
Utilização de termos anafóricos, isto é, que retomam outros anteriormente
mencionados no texto.
Exemplos:
A violência, no século XX, mostrou-se como um dos mais preocupantes problemas
das grandes cidades brasileiras. A violência incentivou um novo negócio nessas
cidades, a área de segurança privada.
A
segurança pública, no século XX, foi vista como uma das mais graves questões
das metrópoles do Brasil. Essa preocupação fomentou um ramo comercial inovador
nessas grandes aglomerações de pessoas, o setor da segurança particular.
4) Troca de termo verbal por
nominal, e vice-versa.
Exemplos:
É necessário mais investimento privado na produção cinematográfica brasileira,
além, é claro, dos cidadãos comuns verem os filmes de produção nacional.
Há
a necessidade de que as empresas particulares invistam mais no cinema
brasileiro, além, obviamente, das pessoas passarem a assistir películas
produzidas no Brasil.
5) Mudança de voz verbal.
Exemplos:
Os governantes debatem a abertura dos arquivos da Ditadura Militar no Brasil.
A
disponibilização dos documentos do período militar brasileiro foi debatida por
membros do Governo.
Obs.: se o sujeito for indeterminado
(verbo na terceira pessoa do plural sem o sujeito expresso na frase), haverá
duas mudanças possíveis.
Exemplos:
Plantaram uma roseira. (voz ativa)
Uma roseira foi plantada. (voz
passiva analítica)
Plantou-se uma roseira. (voz passiva
sintética)
6) Troca de discurso.
Exemplos:
Certa vez, um sábio, desses que ignoramos, disse: - Triste será o tempo em que
a razão for medida pela quantidade de pólvora que se poderá comprar. (discurso
direto)
Certa
vez, um sábio, desses que ignoramos, disse que triste seria o tempo em que a
razão fosse medida pela quantidade de pólvora que se poderia comprar. (discurso indireto)
7) Troca de locuções por palavras
e vice-versa.
Exemplos:
O homem da cidade não conhece os sinais da natureza que indicam chuva, frio ou
calor.
O
homem urbano desconhece os sinais naturais indicadores de tempo chuvoso, frio
ou quente.
:::::Informações importantes para
a construção da paráfrase
1.
Utilizar a mesma ordem de ideias adotada no texto original.
2. Não
omitir nenhuma informação fundamental para a construção do texto original.
3. Não
tecer comentário algum a respeito de qualquer informação ou ponto de vista
presente no discurso parafraseado.
4. Manter
marcas chamadas de não-parafraseáveis presentes no texto original na paráfrase,
ou seja, datas, nomes de lugar e pessoa, números, etc. não devem ser
parafraseados.
5. Ao
parafrasear o texto, deve-se respeitar a norma culta.
6. Ler
com extrema atenção o texto original antes de parafraseá-lo.
7. Cuidado
para não fazer um resumo ao invés de uma paráfrase, o intuito é transpor todas
as ideias presentes no texto original, e não só as mais importantes.
Veja abaixo exemplos de
paráfrases:
“Se você perguntar o porquê das coisas ,
logo estarão perguntando o porquê de você.” (Anônimo)
As pessoas que são autônomas e
críticas na sociedade, rapidamente, tornam-se indesejáveis.
“Não fui
chamado a dar as mãos
a Hitler, mas também
nunca me
convidaram para cumprimentar
o presidente americano
na Casa Branca.” (Jesse Owens)
Nunca fui cumprimentado pelo
chefe do 3º Reich, da mesma forma que jamais recebi felicitações do presidente
estadunidense.
“Tentei alfabetizar as crianças ,
não consegui. Tentei salvar
os índios , não
consegui. Tentei fazer uma universidade
séria , não
consegui. Mas eu
detestaria estar no lugar
de quem me
venceu.” (Darcy
Ribeiro)
Pensei em métodos mais eficientes
de alfabetização. Lutei pela causa indígena. Pus-me a trabalhar pelo ensino
superior, fracassei. Entretanto, eu odiaria ser aquele que me derrotou.
“Hoje , consigo perceber que nossa tecnologia
ultrapassou nossa humanidade.” (Albert Einstein)
Atualmente, percebo, enfim, que
os aparatos tecnológicos avançam mais rápido do que os sentimentos que nos
fazem humanos.
"Os homens são porcos que se
alimentam de ouro ." (Napoleão Bonaparte)
A humanidade alimenta-se da
ganância por riquezas.
“A
vantagem do capitalismo sobre o socialismo é que, no capitalismo, os resultados
são melhores do que as intenções; e, no socialismo, é o contrário.” (Winston Churchill)
O sistema capitalista é superior
ao socialista, porque, naquele, o produto é melhor do que as motivações; já,
neste, é o inverso.
“Sou
talvez a visão que alguém sonhou, alguém que veio ao mundo para me ver e jamais
na vida me encontrou.” (Florbela
Espanca)
Talvez eu seja a imagem que
alguém idealizou, uma pessoa que viveu com o intuito de me encontrar, mas nunca
me achou.
“O ser
humano, por um lado, é semelhante a muitas espécies animais, em luta contra a
própria espécie; mas, por outro lado, entre as milhares de espécies que assim
lutam, é o único em que a luta é destrutiva... O ser humano é o único que
assassina em massa, é o único que não se adapta à sua própria sociedade.” (Jan Tinbergen)
O homem, de certa forma, é
parecido com muitos outros animais, travando uma batalha contra os da mesma
espécie, mas, sob outro ponto de vista, entre as inúmeras espécies que travam
essa batalha diária, somos os únicos em que o embate é negativo...O homem é o
único animal capaz de genocídios, é o único animal não adaptado ao seu próprio
sistema social.
“A
verdadeira liberdade é um ato puramente interior, como a verdadeira solidão:
devemos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no
meio da multidão.” (Massimo
Bontempelli)
Estar realmente livre de qualquer
forma de controle é uma medida estritamente íntima, feito o ato incontestável
de estar só: temos o dever de nos sentirmos libertos mesmo numa prisão, além de
aprendermos a estar sós mesmo no meio de inúmeras pessoas.
“Praticamente
qualquer um pode suportar a adversidade, mas se quer testar o caráter de
alguém, dê-lhe poder !” (Abraham
Lincoln)
Quase todas as pessoas podem
agüentar uma situação desagradável, entretanto, porém, caso você queira testar
os preceitos morais de alguma pessoa, coloque-a numa posição privilegiada
quanto ao poder em relação às outras.
“Cem vezes por dia eu me lembro que minha vida interior e
minha vida
exterior dependem do trabalho que
outros homens
estão fazendo agora . Por causa disso, preciso me esforçar para retribuir
pelo menos
uma parte dessa generosidade
- e não posso deixar
nenhum minuto
vazio.” (Albert Einstein)
Recordo-me
uma centena de vezes diariamente que minha intimidade e minha existência em
sociedade são dependentes do esforço praticado por muitos homens neste momento.
Em função dessa constatação, é necessário que eu me dedique com o intuito de
fazer jus ao menos a uma parcela desses atos generosos, portanto não tenho o
direito de deixar nenhum tempo sem alguma atividade.
“Não há sentido em orar como um santo pela manhã e
viver como um bárbaro o resto do dia.” (Alexis
Carrel)
Não
existe razão em rezar tal qual um beato ao amanhecer e durante o restante do
dia comportar-se como um selvagem.
“Se um homem bate na mesa e grita, está impondo
controle. Se a mulher faz o mesmo, está perdendo o controle.” (Bárbara
Soares)
Caso
um homem grite e dê um soco num móvel, dirão que ele está controlando uma
situação. Caso a mulher faça o mesmo, dirão que ela está descontrolando-se.
“Quando a
última das árvores for cortada, quando o último rio for poluído, quando o
último peixe for pescado, aí sim eles verão que dinheiro não se come.” (Chefe da tribo Sioux)
No momento em que a derradeira
planta for eliminada, no momento em que o derradeiro manancial estiver sob os
efeitos da poluição e não houver mais o que pescar, então o homem branco
perceberá que cédulas e moedas não são possíveis de se comer.
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