sábado, 12 de maio de 2012

Gêneros textuais: microcontos


             Numa madrugada infestada de calores e urgências, ele supôs pela primeira vez quais seriam os motivos que o afligiam desde épocas mais felizes, aparentemente, percebeu a pouca e tênue verdade que o impedia de ver a verdade. Era um monstro claro como a porta do quarto entreaberta, lucidez - megeraque nos arremessa sem aviso no fosso incipiente da consciência associada a um tipo raro de percepção, o bom senso. (Leitor, caso você não tenha se reconhecido nessas palavras, dispense essa leitura. Procure literatura mais feliz.)
        Assim, em mais um dia sou humanamente forjado pelos rigores do cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidianocotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano, cotidiano. The End, um ponto final é uma vida.

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        Grand Funk na vitrola digital, já eram da noite as horas, hora de fazer uma JAM. Comecei novamente o ofício de achar algo para escrever, um tema, uma negação, uma existência mais relevante do que a minha... De repente, saudade do Brasil, Bezerra da Silva parece uma saída. Eis que um grito irrompe, é da casa ao lado. Mulher, homem? Não sei. A voz dizia apenas que o rock nunca morreria, achei a princípio que tinha como vizinho um fóssil desse que se vê languidamente dançando em algum documentário sobre Woodstock ou adjacências ou ainda, sem saber, tratava-se de alguém que coincidentemente fez a viagem inversa a que eu fazia. Enquanto eu votava, ele ia. Desencontros. Naquela noite parecia improvável que alguém vivesse os mesmo dilemas que eu, os mesmos desatinos, as mesmas pendências. Se, para mim, porque o Rock, porque pedir ao invés de ter o controle de tudo em sua própria casa...

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Autobiografia vespertina

         Estava em casa na sala corrigindo provas de meus alunos e ouvindo um disco do Led, “Presence”, em “Achilles last land”, petardo único, maravilhoso, perfeição grega e fruição Rock’n’Roll, o que esperar mais. Súbito, campainha, paro a música, carteiro, mais uma correspondência dessas que te perseguem, que, inquiridora, parece viva na sua ânsia de chegar a algum lugar. Volto para o trabalho, aperto o play, ou o inverso, não importa, som novamente ecoa, grandioso pela sala. Sozinho, as provas parecem um cadáver que disseco, sangue jorra por todos os lados, junto ao som, ecoa vivo pelo ambiente.
         Nessa tarde besta, parece menos importante ver do que ouvir. Assim, ouço, um disco que me lembra o já remoto adolescer em long play, tempos de graça sinistra aqueles, cercado de bons amigos, grandes influências faziam-me declinar sempre que possível os convites para shoppings, boates e outros desertos artificiais, outros diriam paraísos, mas – eu – não respeito sobremaneira os deuses que nos fizeram, respeito a sua palavra, respeito seus versos, sua prosa. Baudelaire seria implacável com este devoto, até porque recentemente foi alvejado por livro que lhe rouba um título, mais, suga-lhe a tinta que corre em suas veias divinas, maldita pós-modernidade, malditas são as intertextualidades, porque nos fascinam, por vezes, rasteiramente. Divagações também têm retorno, enfim, amigos, mestres de muito rock, jazz e blues – nessa época, ainda não tinha descoberto o Brasil – todavia, e as mulheres, onde elas estavam que pareciam não gostar desse magrelo e cabeçudo, periférico geográfica, econômica, pessoal e coletivamente.
        O disco rolava... “Nobody’s fault but mine”, as lembranças....as lembranças, clichês a espera de serem caçados com a paixão devida pelos profissionais. Todos sempre nos encontramos no poço mais profundo que o mais profundo círculo infernal, é o poço do óbvio, do clichê e do senso comum. Todos nós, sem exceção, em algum momento, por lá passamos, fazemos turismo e, à vezes, fixamos residência. É uma espécie de condomínio fechado subterrâneo em que cegos falam alegremente da luz. Lembrava dos tempos de absoluta e aparentemente crônica dureza, do não saber, quase nada e achar que tudo se sabe, deliciosos paradoxos.

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