Numa madrugada
infestada de calores e urgências , ele
supôs pela primeira
vez quais
seriam os motivos que
o afligiam desde épocas
mais felizes ,
aparentemente , percebeu a pouca e tênue verdade que o impedia
de ver a verdade. Era
um monstro
claro como
a porta do quarto entreaberta, lucidez -
megera – que
nos arremessa sem
aviso no fosso incipiente
da consciência associada
a um tipo
raro de percepção ,
o bom senso .
(Leitor, caso você
não tenha se reconhecido nessas palavras , dispense essa leitura .
Procure literatura mais
feliz .)
VS
Grand Funk na vitrola digital, já eram da noite as horas,
hora de fazer uma JAM. Comecei novamente o ofício de achar algo para escrever,
um tema, uma negação, uma existência mais relevante do que a minha... De
repente, saudade do Brasil, Bezerra da Silva parece uma saída. Eis que um grito
irrompe, é da casa ao lado. Mulher, homem? Não sei. A voz dizia apenas que o
rock nunca morreria, achei a princípio que tinha como vizinho um fóssil desse
que se vê languidamente dançando em algum documentário sobre Woodstock ou
adjacências ou ainda, sem saber, tratava-se de alguém que coincidentemente fez
a viagem inversa a que eu fazia. Enquanto eu votava, ele ia. Desencontros.
Naquela noite parecia improvável que alguém vivesse os mesmo dilemas que eu, os
mesmos desatinos, as mesmas pendências. Se, para mim, porque o Rock, porque
pedir ao invés de ter o controle de tudo em sua própria casa...
VS
Autobiografia vespertina
Estava em casa na sala corrigindo provas de meus alunos e
ouvindo um disco do Led, “Presence”, em “Achilles last land”, petardo único,
maravilhoso, perfeição grega e fruição Rock’n’Roll, o que esperar mais. Súbito,
campainha, paro a música, carteiro, mais uma correspondência dessas que te
perseguem, que, inquiridora, parece viva na sua ânsia de chegar a algum lugar.
Volto para o trabalho, aperto o play, ou o inverso, não importa, som novamente
ecoa, grandioso pela sala. Sozinho, as provas parecem um cadáver que disseco,
sangue jorra por todos os lados, junto ao som, ecoa vivo pelo ambiente.
Nessa tarde besta, parece menos importante ver do que ouvir.
Assim, ouço, um disco que me lembra o já remoto adolescer em long play, tempos
de graça sinistra aqueles, cercado de bons amigos, grandes influências
faziam-me declinar sempre que possível os convites para shoppings, boates e
outros desertos artificiais, outros diriam paraísos, mas – eu – não respeito
sobremaneira os deuses que nos fizeram, respeito a sua palavra, respeito seus
versos, sua prosa. Baudelaire seria implacável com este devoto, até porque
recentemente foi alvejado por livro que lhe rouba um título, mais, suga-lhe a
tinta que corre em suas veias divinas, maldita pós-modernidade, malditas são as
intertextualidades, porque nos fascinam, por vezes, rasteiramente. Divagações
também têm retorno, enfim, amigos, mestres de muito rock, jazz e blues – nessa
época, ainda não tinha descoberto o Brasil – todavia, e as mulheres, onde elas
estavam que pareciam não gostar desse magrelo e cabeçudo, periférico
geográfica, econômica, pessoal e coletivamente.
O disco rolava... “Nobody’s fault but mine”, as
lembranças....as lembranças, clichês a espera de serem caçados com a paixão
devida pelos profissionais. Todos sempre nos encontramos no poço mais profundo
que o mais profundo círculo infernal, é o poço do óbvio, do clichê e do senso
comum. Todos nós, sem exceção, em algum momento, por lá passamos, fazemos turismo
e, à vezes, fixamos residência. É uma espécie de condomínio fechado subterrâneo
em que cegos falam alegremente da luz. Lembrava dos tempos de absoluta e
aparentemente crônica dureza, do não saber, quase nada e achar que tudo se
sabe, deliciosos paradoxos.
VS
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