Manifesto
do Contra
Considerando que só a desordem parece
se encontrar com o progresso; que os que seguiram brasileiros foram trucidados
ou morreram na miséria; que nem ser não é possível e que o ser não prova ser
melhor que o nada: nós somos do contra. Contra a transformação constante para a
permanência irritante do que se recusa a morrer! Contra os maquiadores desses
cadáveres, os cirurgiões dessas plásticas e suas performances dramáticas!
Contra o centralismo antidemocrático da administração, a dispersão fratricida
da revolução e os danos por baixo dos panos!
Somos
contra o alívio sintético dos livrinhos da auto-ajuda e dos analgésicos, o sexo
anal sem preservativos e a preservação dos ativos suspeitos em contas escuras e
mal cheirosas, transmitindo epidemias de desleixo e desinteresse.
Somos
contra o baixo preço da vida: os hospitais com equipamentos de segunda, os
seguros saúde com profissionais de terceira e a devastação provocada pelos
planos econômicos de quinta nas caladas das noites alheias sem prejuízo aos
seus autores sobreviventes.
Somos
contra as inutilidades domésticas para os aflitos indecentes e a execração
pública dos bandidos indigentes. Os que salvam a própria cabeça pisando nos
pescoços, nos processos, nos arquivos. Contra os que escutam conversas pra se
entender, os que transmitem recados pra aproveitar e os que vendem a identidade
pra se acobertar. Contra o câncer do serviço secreto e das tropas especiais.
Contra o desprezo pelos programas espaciais, nossa única saída de nós mesmos.
Também
somos contra os ensimesmados pelos ensinamentos sagrados, que passam a vida
prática atrás da teoria física, morrendo com artrite no pensamento embotado.
Contra a macumba, contra deus e o diabo. Contra as pragas egípcias, contra o
mal olhado. Contra os que reparam, invejam, atrasam! Contra os que diante de
uma pergunta invocam advogados escusos ou tornam-se juizes uniformizados em
portas de cadeia degradadas, geridas e gestadas por traficantes operantes e
abastecidas com as cestas básicas da má consciência da elite produtiva, que se
destrói em carros velozes, helicópteros particulares e bancos escolares de
quarta classe.
Estamos
contra os que perdem seu tempo reclamando do tempo, inventando cursos
mirabolantes, conhecimentos extravagantes e diplomas esquisitos para tudo o que
é preciso saber por iniciativa própria.
Contra
o gigantesco espaço dedicado à propaganda de ilusões minúsculas. O
"emocionamento" aritmético da razão e a racionalização gramatical dos
sentimentos. As ciências das opiniões e os palpites irracionais em meio aos linchamentos
e às bacanais de processos fraudulentos ou cocaína pura.
Contra
os que vestem as carapuças, as carapaças, as catapultas. Contra a inteligência
militar e a burrice das emboscadas. Contra o desprezo preguiçoso pela violência
dos argumentos. Contra a especulação imobiliária, a incontinência urinária e
bucal dos caçadores de marginais. Contra os pequenos que são iguais e os
grandes indiferentes. Contra a eterna purificação dos paraísos fiscais, onde os
recursos nacionais viram iates sensacionais, malas especiais e contratos de
gaveta. Contra jornalistas amigos de artistas, artistas patrocinados por
políticos e políticas de achatamento da ousadia. Contra os críticos céticos e
os éticos mesquinhos. Contra o terceiro setor da caridade, a terceira via da
bondade e a encruzilhada da inocência. Contra os malandros que se escondem em
ternos de bacanas e bacanas que posam de inocentes. Contra as coleções de
segredos fechadas nos palácios. Contra a difusão condescendente da ignorância
dos casebres e do elogio de fachada. Contra o estrangeiro que incomoda e contra
a pátria conhecida. Contra o ponto batido, a vontade adiada, a bala perdida.
Contra a família unida pela falta de dinheiro para os aluguéis de cada um.
Contra a apropriação pessoal do bem comum e a comunização das pessoalidades.
Contra a propriedade inconsentida da privacidade e a privacidade deliberada e
inconsciente da propriedade. Contra os que servem os pratos mórbidos da
vingança e os que os comem frios com um pé na cova. Contra o presunto na sarjeta
e a Maizena na lasanha.
Contra
o pão engordado com bromato, a terra grilada por força das armas e a liberdade
às custas da lei.
Contra
o voto útil, de cabresto, por cabeça e o voto de confiança. Contra a
institucionalização da dúvida e da dívida. Contra os que são feitos pelo que
fazem e os que jazem nestas cadeias e cadeiras de compromisso, onde um paletó
dobrado é a única marca de sua impertinência. Contra os que pedem amor, os que
imploram perdão, os que têm o prazer na confusão, gozando espremidos em surdina
na latrina de nossa História.
Contra
o comprimido, a vacina e o antibiótico que desestimulam os pacientes de serem
agentes de suas autonomias! Contra os que conquistam a própria força à força
dos cavalos que escoiceiam! Contra os que fazem conta, os que tomam conta e os
que não contam com isso!
Aliás,
na hora em que tudo se tornar realmente insuportável, nós viramos do avesso,
depois do outro lado. Somos do contra. Somos contrários. Contra você, contra os
do contra, contra mim... é o fim; estamos desconversados.
Fernando
Bonassi
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