Eu sou feliz. Sou muito feliz. Sou
feliz demais. Eu sou tão feliz, mas tão feliz, que cada degrau da minha vida é
um sorriso onde eu piso. Ah essa brancura da dentadura que se espalha! Essa
cara de palhaço estampada no espelho! Já nem tenho tempo de parar pra rir: rio
dormindo, rio acordado; rio correndo, rio parado. Rio um riso arrepiado, rio o
riso arrependido. Rio o riso dos amantes, rio o riso dos maridos. Riso
esganiçado. Riso empedernido. Rio quando cago. Rio quando mijo. Rio quando o
sol aparece, rio quando fica escondido. Ninguém pode me proibir. Um desgraçado
também pode rir! Rio pra seduzir, rio pra disfarçar, rio pra distrair, rio pra
suportar. O eterno exercício do maxilar! Rio no almoço, rio no jantar. O riso
da garganta em carne viva, riso que se morde na gengiva. Rio de tudo, rio de
nádegas, riso absurdo, riso de cócegas. O riso feito um soluço. Riso rido como
um susto! O riso de terror petrificado. Rir de um corpo estatelado. Risos
calculados. O riso embasbacado dos casais apaixonados. E eu rio com o que tenho
de dentes! Alegria enxurrada de enchentes! Riso histérico dos dementes! Rio
porque é duro. Rio porque é de graça. Gás hilariante espalhado pelas praças!
Rir com segurança, rir das ameaças! Rio quando cheiro. Rio sem vergonha. Rio
quando fumo. Rio com maconha o riso dos malucos. Rio quando encontro, rio
quando esbarro. Rio porque é sério, rio tirando sarro - a língua mergulhada na
saliva e no catarro! Rio tomando água, rio bebendo pinga. Rio porque são
frescas. Rio porque são lindas. O riso como um pote de pimenta gargalhando num
sorriso que aumenta. Rio o riso dos primeiros, rio o riso dos cansados. Rio o
riso dos coveiros, rio o riso dos defuntos. Rio pra me lembrar. Rio pra me
esquecer. Risos pra resfriar, risos pra aquecer. Rir o riso dos parentes, rir o
riso dos amigos, rir o riso dos contentes, rir o riso dos falidos. Rio o riso
do pecado. Rir um riso preocupado. O riso do cachorro se pendura pelo rabo. O
riso das hienas quando encontram a carniça. O riso dos ateus que precisam ir à
missa. O riso imaculado, o vagabundo e o invocado. O riso dos maduros, o riso
dos meninos. Sorrisos em apuros: o destino dos forçados, a sina dos verdugos. O
riso amarelo da educação. O riso budista da meditação. Rir como aviso. A pura
tentação do riso. As risadas meladas das tortas arremessadas. Rir o riso
pastelão, riso engarrafado de televisão. As mesmas piadas repassadas e caímos
na cilada! Rio em congestionamento, rio em casamento. Rio com farinha, rio com
cimento. Rio direto. Do bom, do melhor, do desprezível. Rir que o riso é
infalível. Uma risada grudando na outra, fazendo uma música rachada no céu da
minha boca. Rio da minha cara, rio da minha fome. A vingança que se cospe no
prato frio. Rir à puta que pariu! Rio por dentro de pesadelos esquisitos; nas
marquises dos edifícios espremidos, rir o riso dos pobres, rir o riso dos ricos
(é bom que fique claro: o riso dos bacanas é o mesmo dos coitados). Com a cara,
a coragem, a covardia. Rio todo dia. Rio porque sim, rio porque não. Rio de
janeiro, fevereiro ou março. Rio de mim, rio do fim, rio de você. Ontem ainda
"estava" feliz, mas hoje "eu sou". Nada abala minha felicidade.
Eu sou feliz. Feliz até à carne. Feliz demais. Risos. Só risos. Nada mais.
Exalo felicidade por todos os poros. Uma felicidade contagiante mesmo. Uma hora
dessas, puxa! Eu nem sei...
Fernando
Bonassi
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