Música imprevista
brasileira
Por Estéfani Martins para o zine Páginas Vazias
Coluna Ouvidosnegros
sambluesoul.blogspot.com
Há algumas
semanas, em uma das minhas regulares viagens de carro, ouvia para não pegar no
sono um clássico do Sepultura, o “Roots”, disco fundamental da banda mineira
que unia o metal a percussões indígenas e africanas. Enquanto isso, pensava de
onde poderia ter nascido essa coragem inovadora de levar o berimbau, Carlinhos
Brown e índios xavantes para o muitas vezes sectário universo do Metal. Numa
volta às origens do estilo, ao sagrado Black Sabbath, ou mesmo antes e depois
deles, não conseguia ver inspiração para a revolução proposta pelo Sepultura
neste disco de 1996.
Ao longo da
audição do disco, lembrei-me de alguns debates que havia participado sobre a
Tropicália, em função deles e de muitas leituras sobre o assunto feitas no ano
de 2008, pude entender a extensão da influência desse movimento nascido da união
improvável entre ritmos populares brasileiros (samba, maracatu, embolada,
etc.); música pop norte-americana e inglesa, em especial os Beatles e seu
Sargent Pepper’s; canção de protesto e antropofagia. Nesse momento, fim da
década de 1960, a música popular brasileira vivia uma ebulição já mais vista
tanto por causa do início do reconhecimento pelos jovens dos ritmos fundadores
de nossa tradição musical como do estabelecimento de canal de comunicação mais rápido
e dinâmico com o que acontecia fora do Brasil, desta festa de estímulos nascem
músicas de absoluta ousadia estética, por que não política, como Batmacumba.
“Roots” é filho torto dessa ousadia, que, aliás, revolucionou a música
eletrônica, inspirou o Manguebeat, ou seja, ensinou a todos misturar ritmos sem culpa e sem preconceito. O
legado especialmente do disco “Tropicália ou Panis et Circensis” é ter feito a
cultura brasileira aceitar definitivamente a origem étnica miscigenada que a
determinou, mais do que aceitar, usar com dignidade e de forma criativa o fato
de termos nascido em um país de paradoxos e amalgamas, os quais justamente são
a base de nossa cultura musical desde então.
Comparada à
influência da música brasileira em todo o mundo atualmente, só se pode citar a
norte-americana, ainda que de lá venha referências importantes e fundamentais para
a música desde então como o Blues, o Country, o Jazz, o Rock, o Funk, o Soul e
o RAP; não é em função da tradição musical norte-americana que a música de
inúmeros países desenvolveu esse viés imerso no signo da mistura, da mescla e
da experimentação que a produção musical atual, especialmente a independente,
tem como sua principal característica.
Apesar de
recebido à época com certa resistência pelos fãs, o disco “Roots” estabilizou-se
como uma linha divisória na história do Metal e influenciou não poucas bandas
posteriormente. Cumpriu, assim, uma função de norte, de orientação para a
música feita neste planeta, como, aliás, outros discos antes dele: “Canção do
amor demais”, Elizeth Cardoso; “Coisas”, Moacir Santos; “Tábua de esmeralda”,
Jorge Ben; “Mutantes”, Mutantes; “Secos e Molhados”, Secos e Molhados; “Cabeça
Dinossauro”, Titãs, “Da lama ao caos”, Nação Zumbi; entre felizmente tantos
outros. Eis os arquitetos da música brasileira, mais... da música mundial.
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