Coluna:
Ouvidosnegros publicada originalmente no zine Páginas Vazias
Estefani
Martins
Coluna
de um ouvinte dedicado da música negra. Aquela... que pariu o rock que forjou o
metal pesado com que se fez – bem no centro do que é rápido e visceral - o som
feito morte, feito pancada, feito demônio, feito lixo, feito tristeza que nos
fez e nos faz ficar batendo cabeça pelas quebradas.
Nada mais óbvio, mas nada mais
obrigatório do que começar essa coluna tão ambiciosa – vale dizer, falar de
Blues, Funk, Soul e Rock antes dos deuses do Black Sabbath colocarem mais peso
e mais escuridão no som – com aquele que é chamado de mestre, de rei, de
vagabundo e de demoníaco, responsável por transformar a música do século XX ao
gravar num quarto de hotel no Mississipi em duas sessões históricas nos anos de
1936 e 1937 os vinte e poucos Blues mais conhecidos de todos os tempos.
Refiro-me ao mestre Robert Johnson, mulherengo, músico incomparável, briguento
e genial, que aprendeu a tocar violão e morreu misteriosamente, o que criou em
torno dele uma lenda que só rivaliza com o seu talento em tamanho e longevidade.
Certamente, não há guitarrista que
mesmo sem querer ou saber não tenha dedilhado alguns acordes poderosos desse
guitarrista espontâneo, inspirado e que, segundo muitos, ele próprio e Son
House, fez um pacto com o demônio para aprender a tocar de forma até aquele
momento inédita. Tal era seu talento que o maior de todos – Jimi Hendrix - fez
por diversas vezes reverências apaixonadas ao velho mestre.
Esse pacto foi feito numa
encruzilhada, ele dizia. Muitos acreditam nisso porque em cerca de um ano de
sumiço, passou de músico medíocre a gênio do instrumento. Assim, nasceu a tal
lenda, talvez até mesmo o primeiro passo pelo nosso continente do Black Metal
(sic). Este bluesman de infância difícil e incerta é autor de clássicos como “Crossroads”,
“If a had a possession over judgement day”, “Love in vain”, dentre tantos
outros petardos viscerais influenciados por aqueles considerados ídolos pela
lenda do blues: Charley Patton, Son House, Lonnie Johnson, Skip James e Kokomo
Arnold.
O rei do Delta Blues foi reverenciado
e tocado por bandas e intérpretes como Led Zeppelin, Muddy Waters, Jimi
Hendrix, White Stripes, Cowboy Junkies, Ben Harper, etc., além, é claro, das já
clássicas versões dos Rolling Stones para "Love In Vain" e "Stop
Breaking Down", John Mayall para "Rambling On My Mind", Cream
para "Four Until Late" e "Crossroads", Eric Clapton para "Steady
Rollin Man" e Foghat para "Terraplane Blues".
Pedra fundamental para se estudar o
Blues em tudo que ele tem de soturno, de melódico, de revolucionário e de proximidade
com o que chamamos, em alguns casos, de intimidade com o demônio. Muito antes
de todas as bandas influenciadas por idéias anticristãs ou demoníacas, Robert
Johnson mostrava-se como aparentado, como amigo do diabo. São
exemplos as músicas "Crossroads", "Me And The Devil" e
"Hellhound On My Trail". Diferente
das razões de hoje, o culto a imagem do demônio no Blues é mais um ato político
do que religioso ou místico, até porque a idéia era de todos os modos contestar
e criticar a vida imposta violentamente pelos brancos contra negros mesmo
depois da abolição da escravidão nos EUA. Era uma forma de se dizer o que a
maioria não queria ouvir, uma forma apaixonada de comunicar uma visão diferente
e subversiva da idéia de bem e mal, até porque, se o bem fosse representado
verdadeiramente pela hipocrisia ideológica do cidadão médio do sul dos EUA até
o início do século XX, qualquer um com sanidade mental seria torcedor de
carteirinha do capeta.
Essa questão talvez ajude a entender a
fascinação de tantas bandas com o tema, como é o caso de parte dos integrantes
do Kinks, de bandas como Black Sabbath, Kiss, Mercyful Fate, Venom, dentre
muitas outras.
Então, boa audição, boa viagem. Ouçam
também os cinco CDs da série “Blues: a musical journey” produzidos por Martin
Scorsese e vejam os vídeos sobre o Robert Johnson no Youtube, em especial, o
que conta a história dele em ritmo de Repente misturado com Blues, presente no álbum
“Navegaita” do grande Flávio Guimarães, um dos melhores gaitistas da
atualidade.
É só.
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