Ciência
atropelou a ficção científica na virada do século
Carlos Roberto de Lana*
Especial para a Página 3 Pedagogia &
Comunicação
Estudar ciências,
muitas vezes, parece mais chato do que ir ao cinema. Nenhuma surpresa. A
produção de um filme de sucesso geralmente consome meses de trabalho
especializado para criar mais ou menos duas horas de diversão.
Quando o filme é de
ficção científica a competição se torna ainda mais desleal, uma vez que o
gênero é rico em efeitos especiais mirabolantes, ação vertiginosa e histórias
cheias de imaginação.
Imaginação insuficiente
Mesmo assim, muito
desta imaginação é insuficiente para acompanhar a velocidade dos avanços
científicos e tecnológicos da vida real. O século 21 não começou repleto de
carros voadores, teletransportes e robôs domésticos, como várias obras do
gênero vislumbraram.
Esses fatos não
precisam ser encarados como um sinal de fracasso de nossa ciência e tecnologia,
pois estas previsões, embora fascinantes, eram um tanto pobres em concepção. Elas
ampliavam as capacidades das tecnologias da época, mas não imaginavam
tecnologias com capacidades inéditas.
Carros voadores e
teletransportes, por mais impressionantes que sejam, continuam não passando de
meios de levar as pessoas de um lugar para outro e robôs domésticos se limitam
a substituir o trabalho braçal humano.
Criando novas necessidades
Imaginava-se que o
progresso técnico traria soluções novas para antigas necessidades. O que de
fato ocorreu em muito maior escala é que este progresso criou novas necessidades,
que não existiam antes do desenvolvimento de determinadas tecnologias.
Um exemplo, claro, é
a internet. A rede mundial de computadores não ampliou as alternativas de
informação existentes. Criou alternativas de informação absolutamente inéditas,
potencializadas pelo poder de varredura dos motores de busca, principalmente o
google.
A internet também
veio na contramão da grande maioria das previsões ficcionais sobre o futuro dos
computadores, quase sempre representados na figura de um gigantesco e poderosíssimo
mainframe que centralizava todos os processamentos eletrônicos, muitas vezes
como metáfora da tirania do automatismo sobre a individualidade humana.
Desencontros entre ficção e realidade
O que aconteceu de
fato foi exatamente o contrário. Ao invés de um enorme e centralizado hardware,
o universo cibernético se dividiu em centenas de milhões de pequenas unidades
processadoras autônomas, interligadas entre si em escala mundial, o que dá a
rede mais poder de informação do que qualquer computador individual poderia
comportar, independente de seu tamanho.
Outro ponto de
distanciamento, sutil, mas expressivo, entre a realidade cientifica e a ficção,
no caso da tecnologia eletrônica da informação, foi que os ficcionistas
costumavam apostar suas fichas nos hardwares, como o célebre supercomputador
HAL 9000 de "2001, Uma Odisséia no Espaço".
Na realidade atual,
foram os softwares que conquistaram o lugar de destaque, comandando quase tudo
que os computadores fazem, deixando para as máquinas o papel de fornecer o
ambiente físico, velocidade de processamento e capacidade de memória. Uma
curiosidade: quem quiser saber de onde veio o nome do computador HAL 9000 deve
apenas substituir suas letras pelas imediatamente seguintes na ordem
alfabética.
*Carlos Roberto de Lana é engenheiro químico
e professor.
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