quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Gêneros textuais - correspondências



“Carta é monólogo querendo ser diálogo.”
(Mário da Silva Brito)

“Carta é um telefonema antiquado. Do tempo em que as pessoas sabiam escrever e ler.”
(Eno Teodoro Wanke)

            Corresponder-se talvez seja uma das mais antigas formas de comunicação escrita e, por isso, um dos mais antigos gêneros textuais. Seguramente foi um dos primeiros a ter algumas necessidades formais tornadas públicas, porque fundamentais, tal como o endereçamento, a informação sobre destinatário e remetente, a datação, etc.



            Genericamente, pode-se dividir as correspondências entre as formais e as informais. Neste grupo figuram desde as cartas remetidas a pessoas conhecidas com as quais se mantém determinado nível de intimidade. No universo da formalidade, as cartas podem ser enviadas a pessoas desconhecidas, a instituições, etc. com significativa preocupação com questões associadas a pronomes de tratamento, norma gramatical, formatos oficiais, etc., muito além da percebida na informalidade.
A carta impessoal, normalmente, tem intenção frequentemente persuasiva em relação a um interlocutor específico, a fim de convencê-lo do ponto de vista defendido por quem escreve a carta ou demovê-lo do ponto de vista por ele defendido. Do ponto de vista técnico, é um tipo de correspondência com linguagem formal, ou seja, exige-se o uso de pronomes de tratamento adequados à posição ocupada pelo destinatário; o emprego da norma padrão; um processo de interlocução respeitoso; uma normatização específica ao contexto em que a correspondência é enviada; etc.
Em tempo, é importante justificar por que se solicita que a argumentação seja feita em forma de carta em situações de avaliação. Isso se dá em função do pressuposto de que, se é definido previamente quem é o interlocutor sobre um determinado assunto, há melhores condições de fundamentar uma argumentação e avaliar a capacidade do candidato de moldar sua linguagem, seus argumentos e a informação de acordo com seu interlocutor.
Embora o foco da carta formal seja um determinado tipo de argumentação, ela implica também em algumas expectativas quanto à forma do texto. Por exemplo, é necessário estabelecer e manter a interlocução, usar uma linguagem compatível com o interlocutor, empregar referenciais espaciais e temporais, usar marcas de autoria ao longo de toda a carta, assinar quando for solicitado, etc.
Para o cumprimento da proposta em que é exigida uma carta impessoal ou formal, não basta dar ao texto a organização de uma carta, mesmo que a interlocução seja natural e coerentemente mantida; é necessário, acima de tudo, argumentar por demanda, que é, em princípio, o entendimento sobre as motivações, as fraquezas e as preferências do destinatário da correspondência.
            De outra forma, carta pessoal é outra forma de correspondência caracterizada pelo tom informal, pelo envio de correspondência geralmente para uma pessoa conhecida ou íntima e pelo descompromisso com algumas convenções formais típicas de cartas remetidas a desconhecidos ou produzidas em um ambiente profissional ou acadêmico.
            Esse subtipo de gênero textual é de difícil definição, porque oscila em termos técnicos de acordo com o interlocutor, pois se o destinatário for irmão do remetente a proximidade entre os dois será expressa por meio da linguagem de forma distinta de uma carta endereçada a um pai ou avô, ou seja, exige-se a modulação do discurso em função da intimidade ou proximidade que se tem com o interlocutor em uma específica situação comunicativa.
            Quanto a questões estruturais como datação, saudações, etc., é importante que, em concursos, sejam respeitadas essas necessidades, visto que as mudanças nesse contexto comparadas à carta impessoal são apenas de cunho linguístico. Ainda que, em situações cotidianas, a carta informal possa prescindir de partes como essas.
            Em tempos de avanço tecnológico vertiginoso, é obrigatório tratar de uma forma de correspondência responsável por não só romper as fronteiras espaços-temporais como reavivar um costume que pareia esquecido de trocar correspondências. O nome dessa tecnologia, ferramenta ou processo criado e popularizado nos últimos 40 anos é correio eletrônico ou “e-mail”. Trata-se de uma espécie de correspondência ou bilhete enviado digitalmente por meio de uma rede de computadores e que passou a ser utilizado com a viabilização da internet desde a década de 1970. No século XX, tornou-se o gênero textual digital mais comumente usado pelos internautas. Sobre as características estruturais e linguísticas desse gênero textual, pode-se identificar facilmente o vocativo ou saudação inicial; o corpo da correspondência, onde se desenvolve o assunto; a saudação final ou despedida; e a assinatura. Muitas vezes esse meio de comunicação pode ter anexado a ele uma quantidade imensa de informações, já que qualquer arquivo de até alguns megabytes pode ser enviado como anexo de uma correspondência eletrônica.
Esses elementos linguísticos e formais podem variar segundo o grau de formalidade da relação entre locutor e interlocutor da correspondência. Da mesma forma, também varia a linguagem em função da relação entre esses interlocutores. Os períodos de um “e-mail” costumam ser curtos e na ordem direta para favorecer a clareza e a objetividade do texto. Por meio desse recurso, são integradas pessoas em questão de segundos, ou mesmo em tempo real, ignorada a distância em que se encontram os falantes. Vale lembrar uma peculiaridade do correio eletrônico, que é a presença de um campo para título ou assunto que antecipa o tema desenvolvido no corpo dele.
Ainda sobre o processo de envio e recebimento de mensagens eletrônicas entre pessoas, entidades e instituições, calcula-se que ela alcança volumes gigantescos, muito em função das mensagens não solicitadas, conhecidas como “spam”. Se utilizado com bom senso e de forma adequada, o “e-mail” pode tornar-se uma ferramenta importante no estabelecimento de relações profissionais; no apoio ao trabalho pedagógico; no estreitamento da relação entre as pessoas; na divulgação de eventos; etc. O endereço eletrônico de uma pessoa, entidade ou corporação é formado pelo nome escolhido pela pessoa para nomear sua “caixa de correio virtual”; pelo símbolo arroba (@); pela designação do segmento a que esse correio eletrônico pertence, por exemplo, a expressão “com” sugere que se trata de um endereço comercial e o “br” informa que o endereço é do Brasil. Eis um exemplo para simples ilustração: opera10@gmail.com. O Hotmail, Gmail, Yahoo, UOL, Terra entre milhares de outros são provedores gratuitos de endereços de “e-mail” na internet.

:::Exemplos de cartas

Exemplo 1 – Carta em vestibulares

Proposta C: Carta Argumentativa
Em função do recorte temático da proposta C, o candidato deveria escolher uma das campanhas mencionadas na coletânea ou outra que ele viesse a eleger, desde que ajustada à natureza do debate proposto pelas instruções e pelos excertos da coletânea. Ou seja, a campanha em foco deveria, necessariamente, ser promovida pelo governo.
Ao redigir sua carta, o candidato deveria levar em consideração o fato de que as campanhas promovidas pelo Ministério da Saúde brasileiro fazem parte de uma política pública formulada pelo governo. Tais campanhas visam a informar e educar a população com uma gama diversa de objetivos: evitar a disseminação de epidemias; promover o que, nessa política, se considera bem-estar social; e conter gastos do sistema público de saúde, já que, notoriamente, é menos oneroso prevenir do que tratar das doenças.
Era preciso também que o candidato refletisse sobre os pontos positivos da estratégia da campanha escolhida, relacionando-a com a natureza da doença. Dentre os pontos positivos, o candidato poderia apontar, por exemplo, os bons resultados da campanha. Ou ainda que ela revela um bom diagnóstico, por parte do governo, acerca das dificuldades inerentes ao combate da doença.
O candidato deveria endereçar sua carta ao Ministro da Saúde, expor seu ponto de vista a respeito da estratégia da campanha e apresentar argumentos convincentes que justificassem a manutenção da mesma.
Tratando-se de uma carta, sempre deverão ser muito bem elaboradas tanto a imagem de seu autor, quanto a de seu interlocutor, nesse caso específico, a do Ministro da Saúde (que poderia ser construída em termos de lugar institucional ou particularizada na figura do atual ministro da saúde, José Gomes Temporão).

Redação acima da média segundo a Unicamp

São Paulo, 18 de novembro de 2007.

Excelentíssimo Senhor Ministro Temporão,

Há um artigo na nossa atual Constituição que o senhor deve conhecer bem; diz ele: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Como outros tantos artigos e parágrafos constitucionais, o que transcrevi é muitas vezes alvo de galhofas, dado o histórico da atuação do Estado brasileiro na área de saúde e as atuais circunstâncias do serviço público. Porém, acredito que méritos devem ser louvados e a Constituição respeitada; por isso não gracejo. Quando estes dois itens encontram-se em consonância, sinto-me no dever de prestar homenagem aos personagens que permitiram tal união; eis o motivo da minha carta, referente à magnífica campanha de combate ao uso de álcool. Esta é a primeira vez que ponho em prática este meu princípio, portanto saiba que é sincera minha intenção.
A beleza da campanha está em sua abrangência. Sabemos que as doenças cardiovasculares são as principais causadoras de óbitos no país e que a ingestão exagerada do álcool é um dos fatores de seu surgimento. Assim, combater o consumo alcoólico preserva não apenas a vida de jovens e jovens adultos, público-alvo das campanhas publicitárias, mas garante uma sobrevida maior à toda população. Isso por si só é algo louvável. Além disso, o foco da campanha é importantíssimo e funciona de maneira precisa: a conscientização. Afinal, os não-portadores de doenças no coração precisam de outros motivos para se manterem longe do álcool.
Diferentemente de anomalias congênitas, tuberculose, gripe, doenças cardiovasculares e afins, quem sofre de alcoolismo é diretamente culpado pelo seu estado. A condição de bêbado é conscientemente escolhida. Por esse motivo acredito ser tão bem-vinda as campanhas de conscientização do governo. Os senhores devem divulgar amplamente os riscos que o álcool traz com seu consumo para que nossa população não se deixe iludir por propagandas enganosas ou impulsos inconseqüentes. A maneira como este projeto está sendo posto em andamento fascina-me: não autoritariamente, opressora e violentamente como foi implantada, por exemplo, a política pública sanitária de Oswaldo Cruz, mas apelando à racionalidade humana, à exposição de argumentação lógica. Isto é extremamente inteligente. Sabemos que a violência é um meio inadequado de promoção de idéias; penso que até as imagens chocantes colocadas nos maços de cigarro são uma forma de violência e sabe-se que o efeito que elas surtem é mínimo. Dessa maneira, apostar na razão é uma estratégia fantástica, afinal, dirigimo-nos a seres pensantes.
Para aqueles que esquecem a razão de lado, outro mérito da atual campanha é o endurecimento das leis, como por exemplo o aumento dos espólios de motoristas embriagados, que tanto mal já provocaram a milhares de famílias nesses campos de batalhas que são nossas estradas. Convencer, argumentar é preciso; porém, a lei deve ser cumprida e até mesmo nesse ponto a campanha é um sucesso.
Pois bem, o governo, especialmente seu Ministério, está educando a população e punindo severamente quem infringe as leis. Estas duas práticas estão sendo realizadas de forma inteligente e ativa, o que muito me alegra. Acredito que, muito além de uma campanha de prevenção do alcoolismo e de combate ao álcool, o que o senhor está promovendo é uma ampla rede de contenção de danos. Ora, é do conhecimento de todos os males que o álcool ata à teia da vida: depressão, violências, mortes. Expor essas facetas ao povo nunca é demais, vide o caso da dengue: todos sabem os perigos da doença, mas poucos ativamente colaboram para erradicá-la.
A atual direção dada ao combate do álcool pode muito bem servir de base para aprimorar a luta contra a dengue, por exemplo. No fundo, os princípios básicos são os mesmos.
Portanto, peço que a atual campanha continue nos planos do governo pelos próximos anos. A abundância de aspectos positivos e bem realizados, aliada aos benefícios à curto e longo prazo que eles trarão, é suficiente para mantê-la na pauta do seu Ministério. Sei que o senhor enfrenta pressões para abrandar ou extinguir esta luta contra a dependência alcoólica, mas tenho fé de que não exista lobby nenhum poderoso o suficiente para anular a prerrogativa desta minha primeira missiva.

Atenciosamente,

N.B.C.

Comentário da banca

Essa carta atende muito bem às solicitações da proposta C. O candidato escolhe argumentar a favor da campanha de combate ao alcoolismo promovida pelo Ministério da Saúde. Elogia uma excepcional atuação do Ministério no caso específico, enfatiza a necessidade da campanha, lembrando sua abrangência (voltada não apenas para os consumidores como também para suas vítimas), identifica públicos-alvo e pondera sobre os efeitos positivos das medidas preventivas adotadas (tanto nas estratégias de conscientização, quanto nas de punição), referindo-se, ainda, à aplicabilidade de providências análogas em outros programas na área de saúde pública, como a campanha contra a dengue. Assim, consegue explorar a complexidade do recorte temático mantendo-se nele, de forma a seguir as instruções da prova, a saber: elogiando aspectos da campanha escolhida que justifiquem sua manutenção.
Para garantir o dinamismo ou interesse do texto, o candidato não precisou, portanto, recorrer a um modelo de críticas, de oposições esquematizadas - estratégia notada em muitas redações da proposta C deste ano. Chama particular atenção o cuidado do candidato com o tipo de texto. Desde seu início, constata-se nessa carta uma preocupação com a imagem dos interlocutores, para a qual converge a escolha e o domínio do nível de linguagem adotada. Como resultado, o texto dialoga constantemente com os excertos da coletânea. Por exemplo, a citação do texto da Constituição (excerto no. 1) não é gratuita: os comentários que a seguem, marcados por vocábulos e expressões de tom mais antigo (“alvos de galhofas”, “não gracejo”), contribuem para a caracterização de uma imagem de autor associada a uma pessoa mais tradicional.
Nesse texto, o domínio da língua portuguesa se nota não apenas na escolha lexical, mas ainda na variação dos recursos coesivos, assegurando uma leitura fluida, variada, prazerosa. O destinatário está presente não apenas no vocativo introdutório (“Excelentíssimo Senhor Ministro Temporão”): por toda a carta, a linguagem cuidadosa, de tom mais formal, demonstra levar em conta o cargo, as atribuições e mesmo possíveis percalços (“pressões”, “lobby”) de seu interlocutor no cumprimento de suas funções. O autor nos remete, com isso, ao cenário de seu interlocutor.
A noção de hierarquia marcada em tais escolhas lingüísticas contribui também para construir a imagem do autor: a de alguém que defende (bem) idéias que vão no mesmo sentido: a necessidade de “endurecimento das leis” por meio de punição severa; a culpabilização do alcoólatra (opondo-se ao excerto no. 4 da coletânea). Essa imagem não se mostra caricatural: ela persiste, mas é contrabalançada quando o autor se declara a favor de uma “conscientização” e de “apostar na razão”, ao elogiar a divulgação das conseqüências da ingestão de álcool e ao criticar, quer a atitude intrusiva do governo à época de Osvaldo Cruz, quer a violência no uso das propagandas de cigarro. O texto realiza, pois, mais explicitamente, um diálogo com os excertos de no. 1, 3, 4, 5 e 6.
Nota-se a existência de um projeto de texto muito bem estruturado, que demonstra, por parte do candidato, um domínio do recorte temático, além de uma leitura atenta e analítica da coletânea. Como resultado tem-se um tipo de texto em que a argumentação é sustentada pela sua articulação com o jogo de imagens entre o interlocutor e o autor, de modo a construir uma carta potencialmente persuasiva.

Exemplo 2 -  Carta intitulada “Leitura do mundo” escrita por Frei Beto por ocasião do falecimento e em homenagem a memória do grande educador Paulo Freire

"Ivo viu a uva", ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné-Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se uva é natureza ou cultura.
Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multi-ferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeando pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmo.
Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza a natureza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social. Graças ao professor, que iniciou sua pedagogia revolucionária com trabalhadores do Sesi de Pernambuco, Ivo viu também que a uva é colhida por bóias frias, que ganham pouco, e comercializada por atravessadores, que ganham melhor.
Ivo aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Ivo sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não era capaz de construir como Ivo. Paulo Freire ensinou a Ivo que não existe ninguém mais culto que o outro, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social.
Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Ivo que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere o texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre texto e contexto que Ivo extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado é a práxis do Ivo que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.
Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que Ivo vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido da ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma da outra como entre a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar com os pés na Terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no Sol.
Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo Freire, que mergulhou no Amor na manhã de 2 de maio. Deixa-nos uma obra inestimável e um testemunho admirável de competência e coerência.
Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, pediu que eu fosse representá-lo. De passagem marcada para Israel, não me foi possível atendê-lo. Contudo, antes de embarcar fui rezar com Nita, sua mulher, e os filhos em torno de seu semblante tranqüilo: Paulo via Deus.

Frei Beto

Exemplo 3 – carta enviada pelo filósofo David Hume a uma importante figura da sociedade europeia

19 de março de 1751

Meus cumprimentos ao procurador-geral. No momento, infelizmente, não tenho um cavalo à disposição para levar minha gorda carcaça a prestar minhas homenagens a Sua Obesidade Suprema...
Tenha a bondade de comunicar ao Procurador que li recentemente num autor antigo chamado Estrabão que, em algumas cidades da Gália, era estabelecido por lei um padrão fixo de corpulência, e que o Senado estipulava uma medida além da qual o proprietário de uma barriga que presumivelmente a excedesse era obrigado a pagar ao erário multa proporcional a sua rotundidade. Sua Excelência e eu passaríamos muito mal se uma lei como esta fosse aprovada pelo nosso Parlamento. Pois receio que já transgredimos o estatuto.
Muito me admira, com efeito, que nenhuma harpia do Tesouro jamais tenha pensado nesse método de arrecadação. Taxas sobre o luxo são sempre as que mais se aprovam, e ninguém irá dizer que carregar um barrigão por aí tenha algum uso ou necessidade. Ele é mero ornamento supérfluo, prova de que seu proprietário dispõe de mais do que aplica em bom proveito e, por isso, é conveniente reduzi-lo ao nível dos súditos seus semelhantes mediante taxas e impostos.
Como as pessoas magras são sempre as mais ativas, inquietas e ambiciosas, em toda parte elas governam o mundo e podem certamente oprimir seus antagonistas quando bem entenderem. Não permitam os céus que os partidos tory e whig sejam abolidos. Pois então a nação se dividiria em gordos e magros, e nossa facção estaria, receio, em situação deplorável. O único consolo é que, se nos oprimirem demais, acabaremos trocando de lado.
Além disso, quem há de saber se clérigos devotos não irão alegar que a Igreja corre perigo, se houver imposição de uma taxa sobre a gordura?
Não posso senão louvar a memória de Júlio César pela grande estima que mostrou aos gordos, e pela sua aversão aos magros. O mundo inteiro está de acordo que esse imperador foi o maior de todos os gênios que já existiram, e o maior juiz do gênero humano.
Mas gostaria de lhe pedir perdão, prezada Senhora, por esta longa dissertação sobre gordura e magreza, que de modo algum lhe diz respeito. Pois a Senhora não é nem gorda, nem magra, e poderia ser de fato chamada uma notória meã. Mas esta carta é para ser lida ao procurador. Pois nada contém que precise ficar em segredo para ele. Ao contrário, espero que possa tirar proveito do exemplo, e se eu estivesse ao lado dele, tentaria lhe mostrar o meu apoio tanto como desta outra maneira...
Mas está na hora de concluir pondo um epílogo sério a esta farsa, e dizendo-lhe uma verdade real e sincera: sou, com a maior estima, prezada Senhora, seu mais obediente e humilde servidor,

David Hume

Exemplo 4 – Carta pessoal

Belo Horizonte, 30 de abril de 2011.

Querida Maria Clara,

Eu e Joana ficamos muito honrados com sua hospitalidade e queríamos agradecer pelos dias maravilhosos que passamos na companhia de sua família em Salvador. Aliás, aproveito também para elogiar os pratos maravilhosos que foram servidos nos jantares impecáveis em sua casa.
Salvador do acarajé, das baianas, dos terreiros, do Olodum, ficou ainda mais rica com os seus toques sobre onde ir e o que ver, que nos fizeram conhecer sua linda cidade para além do turista comum.
Espero que possamos recebê-la em breve em nossa casa em BH. Você conhece o caminho da Estrada Real? Talvez possamos fazê-lo juntos. Seria legal, não? Mande notícias quando puder.

Abraços para todos,

Carlos e família.

Exemplo 5 – Carta pessoal

Washington, 11 de dezembro de 1956, terça-feira.

Fernando,

Estou lendo o livro de Guimarães Rosa e não posso deixar de escrever a você. Nunca vi coisa assim! É a coisa mais linda dos últimos tempos. Não sei até onde vai o poder inventivo dele, ultrapassa o limite imaginável. Estou até tola. A linguagem dele, tão perfeita também de entonação, é diretamente entendida pela linguagem íntima da gente – e nesse sentido ele mais que inventou, ele descobriu, ou melhor, inventou a verdade. Que mais se pode querer? Fico até aflita de tanto gostar. Agora entendo o seu entusiasmo, Fernando. Já entendia por causa de Sagarana, mas este agora vai tão além que explica ainda mais o que ele queria com Sagarana. O livro está me dando uma reconciliação com tudo, me explicando coisas adivinhadas, enriquecendo tudo. Como tudo vale a pena! A menor tentativa vale a pena. Sei que estou meio confusa, mas vai assim mesmo, misturado. Acho a mesma coisa que você: genial. Que outro nome dar? Esse mesmo.
Me escreva, diga coisas que você acha dele. Assim eu ainda leio melhor.

Um abraço da amiga

Clarice.

Feliz Natal!

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