“A linguagem
é um jogo conjunto, de quem fala e de quem ouve, contra as forças da confusão.”
(Norbert
Wiener)
O estudo da situação comunicativa e, especialmente, de suas implicações
no estudo das funções da linguagem é fundamental para se entender as muitas
intenções implícitas e explícitas no processo de produção textual oral ou
escrita. Seguem definições e exemplos capazes de ampliar e clarear essa
discussão.
A situação comunicativa
Uma situação
comunicativa deve ser compreendida como a união de características
extralinguísticas e intralinguísticas capazes de influenciar na transmissão de
informações, sentimentos, etc., num determinado processo comunicativo
estabelecido por meio do uso de uma ou mais linguagens. Entende-se por
extralinguísticas as condições de realização do discurso que compreendem a
finalidade dele, as características dos participantes, o conhecimento dos
interlocutores sobre o assunto, o contexto histórico, as relações afetivas,
sociais e culturais pré-existentes entre os interlocutores, etc. Sob outro
ponto de vista, as intralinguísticas remetem ao domínio da norma padrão, à
objetividade ou subjetividade da linguagem empregada, ao uso de recursos
verbais e não-verbais no discurso, etc. Como uma forma esquemática de se
compreender tal processo, têm-se os chamados elementos da situação comunicativa
detalhados abaixo.
Elementos da situação comunicativa
Emissor (locutor) - emite,
codifica a mensagem. Aquele que comunica algo a alguém.
Receptor (interlocutor) -
recebe, decodifica a mensagem. Aquele com quem o locutor comunica-se.
Mensagem - conteúdo
transmitido pelo emissor.
Código - conjunto de signos
usado na transmissão e recepção da mensagem. Convenção linguística social que
permite aos interlocutores entenderem-se.
Canal (meio) - meio pelo
qual é veiculada a mensagem. Voz, carta, etc.
Referente (contexto) -
contexto relacionado ao emissor, ao receptor e à situação comunicativa como um
todo. Variáveis, quase sempre extralinguísticas, que atrapalham ou favorecem o
adequado entendimento de uma informação dada.
Funções da Linguagem
“O meio é a mensagem.”
(Marshall McLuhan)
“Com o telefone e a TV, o que está sendo transmitido é mais a
pessoa do que a mensagem.”
(Marshall McLuhan)
As
funções da linguagem são recursos empregados para se estabelecer uma
comunicação eficiente em função do objetivo de um locutor em uma determinada
situação comunicativa. Todo texto ou discurso funda-se em um elemento da
situação comunicativa, em vista disso, uma função da linguagem predominará
nesse processo comunicativo, ainda que várias possam conviver em um mesmo
texto.
O emprego e o estudo
das funções da linguagem objetiva a adaptação da intenção comunicativa aos
diversos contextos e necessidades que se apresentam para todo usuário de uma
determinada língua nas mais variadas situações.
1 - A função
emotiva ou expressiva traduz opiniões ou emoções do emissor. Caracteriza-se
pela expressão da opinião ou da observação de alguém sobre determinado assunto,
ou seja, é empregada em situações nas quais o emissor expõe sua intimidade
discursivamente. Geralmente, textos em que essa função predomina são realizados
em primeira pessoa do discurso no singular. Os principais exemplos desse tipo
de texto são as cartas, os depoimentos, os poemas líricos, as memórias e as
autobiografias. Exemplos:
“Prefiro tirar nota baixa . Descobri que
a vida fica mais
fácil quando
os outros não
têm muitas expectativas sobre a gente .” (Bill Waterson)
Cogito
eu sou como eu sou pronome pessoal
intransferível do
homem que iniciei na medida do impossível eu
sou
como eu sou agora sem grandes segredos dantes
sem
novos secretos dentes nesta hora eu sou como
eu sou
presente desferrolhado indecente feito um
pedaço de
mim eu sou como eu sou vidente e vivo tranquilamente
todas as horas do fim. (Torquato Neto)
Com o
passar dos anos
Quando a velhice em mim chegar
Quero ser o que sonhei na juventude
Sonhando o que serei na juventude que virá.
E o que sou hoje lá não serei mais
Enquanto estarei deixando de ser
Aquilo que deixei e que fui, atrás.
Dos meus amores, quero as cartas
E as doces lembranças dos beijos
E dos pecados que não vivemos.
Quando a velhice chegar, não quero sofrer
Pelos amores que não vivi por covardia
Ou pêlos que tive quando não os queria.
Ah, quando a velhice chegar
Quero dizer aos meus amigos:
- Fomos mais do que pensávamos.
E se não formos ainda assim direi:
- Sonhamos muito mais que fomos
E vivemos muito mais, porque sonhamos.
Serei doce pelas palavras e lembranças
Forte pelas duras batalhas vencidas
E ditoso pela bem cumprida jornada.
E ainda assim se eu nada dizer, ao morrer
E nada mais de mim restar quero apenas que
Digam que eu era alguém que sonhava. (Lígia Prado)
"nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez" (Paulo Leminski)
Vim, vi e perdi meus óculos.
(Fábio
Assis)
2 - A função
fática tem por objetivo prolongar ou não o contato com o interlocutor ou
mesmo iniciar uma conversa. Caracteriza-se pela repetição de interjeições ou de
termos próximos do valor semântico e estilístico da interjeição. A função
fática também ocorre quando o locutor testa o canal de comunicação a fim de
observar se está sendo compreendido pelo interlocutor. Nesse contexto, são frequentes
perguntas como "não é mesmo?", "você entendeu?", "cê
tá ligado?", "ouviram?", ou frases como "alô!",
"oi", “Bom dia”, etc.
Perguntas
direcionadas ao receptor da mensagem também podem caracterizar a função fática,
quando são feitas para confirmar o interesse do interlocutor no assunto que
está sendo discutido, o que é muito comum em comunicações não presenciais, como
é o caso de perguntas como: “Concorda?”, “O que acha?”, etc.
Podem ser entendidas
como recursos fáticos as frases que perderam seu valor semântico original para
dar lugar a sentidos que comuniquem emoções simples como o espanto, o susto, o
exagero, etc., em determinadas situações comunicativas. São exemplos: “Nossa
senhora!”, “Meu Deus!”, etc.
A
seguir, há um exemplo de texto com forte presença de elementos fáticos em sua
composição:
“— Como vai, Maria?
— Vou bem. E você?
— Você vai bem, Maria?
— Já disse que sim!
— Eu também. Está tão bonita!
— Ah, bem, é que eu...
— Ah, é.” (Dalton Trevisan)
3 - A função
poética predomina nos textos em que a mensagem é construída de modo a elaborar
esteticamente tanto o conteúdo quanto a forma do texto. Ao utilizar essa
função, o autor dá mais atenção a estruturas linguísticas escolhidas por razões
estéticas e subjetivas, daí a grande importância dada à maneira de estruturar a
mensagem com o intuito de singularizá-la por meio da invenção e da
sensibilidade. Embora seja mais comum em obras literárias, essa função pode estar
presente em qualquer tipo de discurso. Nos textos centrados nessa função da
linguagem são comuns recursos expressivos da língua como as figuras de
linguagem. Exemplos:
“Ficar neutra é tapar
um olho quando tapam a vista de outra pessoa.” (Jeannine Luczack)
“A árvore, quando
está sendo cortada, observa com tristeza que o cabo do machado é de madeira.” (Provérbio Árabe)
“Não te cases por dinheiro , podes conseguir um empréstimo mais barato.” (Provérbio escocês)
Uma vida inteira pela
frente. O tiro veio por trás. (Cíntia Moscovich)
-
Que dor nas costas - dizia o porco-espinho ao acupunturista. (Rafael Reinehr)
Lembrava mais do
passado que do presente. Morreu empoeirado. (Roberto Prado)
Pegou a mulher com
outro, largou a mulher, ficou com o outro. (Victor Az)
Nada pior que gente
boazinha: santos são tediosos... (Maria Carolina Marzagão Jimenez)
“O ser humano é
resultado do que viu com o que sonha.” (Lirinha)
Maracatu
Silêncio
Lampiões carregados
Porta estandarte, o rei e a rainha
Os tambores quando batem
Acorda o povo da Vila Maria
Os cordões que invadem
Os carnavais cheios de alegria
Vou dançar no pátio
Até o dia raiar
Meu maracatu
Vivendo sempre a lembrar
Morros, alagados
O interior do lugar. (Lenine)
Zona e
progresso
eu digo dioniso é o deus da zona
abençoa essa zona imortal
que eu faço vir à tona
zona sagrada
zen do gen genial
lugar do bem e do mal
tudo pode ser
tudo pode ver
quase tudo eu via ali
zona do nada
vento vem criação
farol brilha a escuridão
tudo pode ser
tudo pode ver
quase tudo eu via ali. (Suely Mesquita, Pedro
Luís e Arícia Mess)
Exemplos: Porcas borboletas, Mundo Livre S/A,
Cansei de ser sexy, Berimbrown, Móveis coloniais de Acaju, Velhas virgens,
Matuto moderno, Acústicos e valvulados, Cordel do Fogo Encantado, Pequena Morte,
entre tanto outros nomes de bandas.
4 - A função
metalinguística ocorre quando o código é utilizado para explicar a si
próprio. Um bom exemplo dessa função são os dicionários da Língua Portuguesa,
chamados de lexicográficos, ou ainda, poemas que tratem do ato de fazer poemas
ou mesmo da própria poesia. São exemplos do emprego da função metalinguística
da linguagem: uma pessoa falando do ato de falar, outra escrevendo sobre o ato
de escrever, palavras que explicam o significado de outra palavra,
metaliteratura, etc.
Era um conto muito velho, que só
queria acabar. (Herbert
Farias)
Língua torta:
Portão menor que porta. (Millôr Fernandes)
“As palavras são a sombra das coisas”. (Demócrito)
Os
versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz! (Florbela Espanca)
Os
poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti... (Mario Quintana)
Gramática [Do lat. grammatica < gr. grammatiké, ‘arte de ler e de escrever’, f. subst. de grammatikós.] Subst. feminino
1)
A
arte de falar e de escrever bem em uma língua.
2)
E.
Ling. Estudo ou tratado que expõe as regras da língua-padrão (q. v.).
3)
Obra
em que se expõem essas regras.
4)
Exemplar
de uma dessas obras.
5)
E.
Ling. Estudo da morfologia e da sintaxe de uma língua.
6)
E.
Ling. Conhecimento internalizado dos princípios e regras de uma língua
particular. (Dicionário Digital Aurélio XXI)
5 - A função
conativa ou apelativa tem como intuito influir no comportamento do
receptor, por meio de um apelo, um conselho, uma sugestão ou uma ordem
transmitida de forma explícita ou implícita. Para tanto, o texto é endereçado
aos anseios, desejos e fraquezas do receptor/interlocutor. Naturalmente, por
causa disso, tem como principal expressão o discurso publicitário.
Caracteriza-se pelo uso, geralmente, da segunda pessoa do discurso e da
linguagem imperativa, com o intuito de tentar convencer o receptor a praticar
determinada ação ou pensar de determinada forma. Exemplos:
“Educai as crianças e não será preciso punir
os homens.” (Pitágoras)
“Não haverá entre vós quem, ao acender uma
vela, não desdenhe os astros?” (Gibran)
“Senta-te a tua porta e verás passar o
cadáver do teu inimigo.” (Provérbio
indiano)
“Slogans” publicitários, tais como: “Porque
nós somos mamíferos.”, para a Parmalat; “Não temos música ao vivo. Sorte sua.”,
para o Taco Del Maestro, restaurante de comida mexicana; “Beba-o com respeito.
É provável que ele seja mais velho que você.”, para o Conhaque Martell; “Não
servimos almoço. Levamos o dia inteiro para preparar o seu jantar.”, para o
restaurante D'Amico Cucina; “A crítica adorou. Mas pode assistir que é bom.”,
para a Semp Toshiba.
6 - A Função
referencial, denotativa ou informativa ocorre quando o objetivo do emissor
é informar com precisão e objetividade um determinado fato, acontecimento ou
conhecimento, tanto linguística quanto conceitualmente. Essa é a função que
predomina nos textos de caráter científico ou didático (com destaque para a
linguagem dissertativa) e que muitos textos jornalísticos ambicionam
privilegiar. Exemplos:
“Na
velocidade da luz, ideologias e partidos políticos são substituídos por imagens
carismáticas.” (Marshall
McLuhan)
“Na nossa
civilização, os homens têm medo de não serem considerados homens o bastante, e
as mulheres têm medo de serem consideradas apenas mulheres.” (Theodor Reik)
“Os
programas sensacionalistas do rádio e os programas policiais de final da tarde
em televisão saciam curiosidades perversas e até mórbidas tirando sua
matéria-prima do drama de cidadãos humildes que aparecem nas delegacias como
suspeitos de pequenos crimes. Ali, são entrevistados por intimidação. As
câmeras invadem barracos e cortiços, e gravam sem pedir licença a estupefação
de famílias de baixíssima renda que não sabem direito o que se passa: um
parente é suspeito de estupro, ou o vizinho acaba de ser preso por tráfico, ou
o primo morreu no massacre de fim de semana no bar da esquina. A polícia chega
atirando; a mídia chega filmando.”. (Eugênio Bucci)
"A
trajetória de nossa vida pode parecer definitivamente marcada por certas
situações. Nossa vida, entretanto, conserva sempre todas as possibilidades de
mudança e conversão que estiverem ao nosso alcance. E tais possibilidades são
tanto maiores, quanto mais abrigarmos em nós de infância, de gratidão, de
capacidade de amar." (Herman
Hesse)
Observação: em um mesmo texto, duas ou mais funções podem ocorrer
simultaneamente: uma poesia em que o autor discorra sobre o que ele sente ao
escrever poesias tem muitas vezes as linguagens poética, emotiva e metalinguística
ao mesmo tempo. Contudo, uma das funções da linguagem será sempre predominante.
Sobre isso, Roman Jakobson afirmou que "dificilmente lograríamos (...)
encontrar mensagens verbais que preenchem uma única função... A estrutura
verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante". Nos exemplos
abaixo, há a presença das funções da linguagem emotiva e poética
simultaneamente:
“Cada vez mais gosto dos homens.” (Canibal anônimo)
“Não me considere o chefe; considere-me um
colega de trabalho que tem sempre razão.” (Bob Thaves)
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