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Intertextualidades
“...escrever, pois, é sempre reescrever, não difere de
citar. A citação, graças à confusão metonímica a que preside, é leitura e
escrita, une o ato de leitura ao de escrita. Ler ou escrever é realizar um ato
de citação.”
(Antoine Compagnon)
“Se todo texto é só uma série de citações anônimas, não
susceptíveis de atribuições, por que então assinar um texto defendendo essa
intertextualidade absoluta? Se o texto moderno, segundo Barthes, essa ‘citação
sem aspas’, por que deveria ficar ligado a um nome, uma vez que esse nome não
poderia, de modo algum, atestar ou indicar a origem?”
(Michel Schneider)
A intertextualidade, como a própria
palavra já denuncia, é a relação estabelecida ou dialogicidade entre textos diferentes com o
intuito de compor matéria “nova” a partir de conhecimento anterior, ou seja, texto novo a partir da íntegra ou de parte de outro pré-existente. Essa
prática é inerente a qualquer produção linguística humana, visto que o homem produz linguagem a partir de referências, modelos e padrões que precedem a enunciação ou criação textual, os quais
são em diversos sentidos formadores da experiência dos usuários de uma dada
linguagem.
Dessa forma, é impossível afirmar
que algum texto nasce alheio a referências constituintes e anteriores tanto na forma quanto no conteúdo, ou seja, não há de fato autonomia ou originalidade textual integral no tocante ao possível produção de um texto "inédito" em todas as suas peculiaridades linguísticas,
estéticas e formais. Isso seria se não impossível, irrealizável, já que ele se
tornaria incompreensível. Sobre essa questão, Juan Bordenave, bem define e
amplia o debate quando afirma que “A intertextualidade tornou-se, hoje, um
conceito operatório indispensável para a compreensão da literatura. Ele
caracteriza o romance moderno como dialógico, isto é, como um tipo de texto em
que as diversas vozes da sociedade estão presentes e se entrecruzam,
relativizando o poder de uma única voz condutora. Mikhail Bakhtin compara a
intertextualidade à língua, dizendo que esta ‘não é propriedade de algum
indivíduo em particular, nem é, por outro lado, um objeto independente da existência
dos indivíduos’. Exatamente no espaço dos intercâmbios, dos conflitos, das
vozes que se propagam e se influenciam sem cessar situa-se a linguagem como
processo social. A linguagem, em qualquer de suas manifestações, teria uma base
relacional, interacional, ao processar-se entre os indivíduos de uma
sociedade.”
Além disso, pode-se até dizer que a
intertextualidade realiza-se também no exercício da leitura, porque parte das
interações ou diálogos entre textos comunicados conscientemente ou não pelo autor de uma obra também
podem ou não ser entendidas pelo leitor, visto que, para reconhecê-las, é
fundamental o conhecimento do leitor sobre tais referências. Além disso, o
leitor pode atribuir ao texto padrões de intertextualidade que mesmo o autor
dele desconhece ou não percebe conscientemente, o que confere a qualquer forma de comunicação
humana o título de obra sempre inacabada ou aberta, dependente do olhar
temporal, espacial e circunstancial em relação ao outro e ao dinamismo entre o
que se fala ou escreve e o que se ouve ou lê. Michel de Montaigne bem definiu
essa relação no famoso aforismo: “A palavra é metade de quem a pronuncia e
metade de quem a escuta.”
A intertextualidade está, portanto,
presente tanto na produção como na recepção da vasta experiência cultural
humana da qual somos ao mesmo tempo assunto, meio, emissor, receptor e
analista. Tal multifacetado processo faz crer na onipresença dele próprio como
formador de discursos e como auxiliar na interpretação deles, daí pode-se afirmar a existência de diálogos velados entre textos diferentes (intertextualidade implícita), os quais para serem percebidos exigem não só mais atenção quanto mais conhecimento dos interlocutores, tal como nos muitos momentos que indivíduos educados no Ocidente podem sem mesmo eles perceberem ser socráticos, cristãos, platônicos em suas próprias afirmações, indagações e formas de pensar. Por outro lado, há momentos que se quer declarar ou elucidar as intertextualidades que servem a inúmeras intenções (intertextualidade explícita), quando, por meio de citações, paráfrases, bricolagens, epígrafes, etc., são estabelecidos diálogos entre textos com o intuito de emprestar prestígio, autoridade, compreensão, erudição, etc., a uma enunciação de ideia, posicionamento, narrativa, etc.
Eis a prática, por muitas vezes arte, de poemas serem precedidos de aforismos, de propagandas apropriarem-se de músicas famosas, de filmes dialogarem com outras películas, de obras de arte serem inspiradas em outras manifestações artísticas, de músicas serem feitas de outras, etc., ou seja, dos textos estabelecerem relações entre si, por serem construídos por uma rede de associações mútuas, constantes e inesgotáveis, daí emerge a clareza e a razoabilidade da afirmação da pensadora Julia Kristeva quando ela escreve que “...todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto.”
Eis a prática, por muitas vezes arte, de poemas serem precedidos de aforismos, de propagandas apropriarem-se de músicas famosas, de filmes dialogarem com outras películas, de obras de arte serem inspiradas em outras manifestações artísticas, de músicas serem feitas de outras, etc., ou seja, dos textos estabelecerem relações entre si, por serem construídos por uma rede de associações mútuas, constantes e inesgotáveis, daí emerge a clareza e a razoabilidade da afirmação da pensadora Julia Kristeva quando ela escreve que “...todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto.”
Texto
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